Maconha: EUA avançam em negócios, Brasil mantém preconceito

Fotografia, em plano fechado, de um top bud com cálices e sugar leaves rajados de roxo e pistilos laranjas e cremes, além de uma camada densa de tricomas sobre toda sua estrutura, em um cultivo de maconha. Imagem: Teanna Morgan | Unsplash.

Enquanto Washington legitima e estimula empresas de derivados da Cannabis, Brasília bloqueia projeto de produção de remédios em nome da “guerra às drogas”. Saiba mais no artigo de José Casado publicado originalmente na Veja

Amazon anunciou a decisão de apoiar a aprovação de uma lei para legalizar a maconha nos Estados Unidos. Dave Clark, um dos principais executivos, fez um comunicado público sobre essa “atualização da visão” da empresa.

Clark foi além: informou que a empresa resolveu mobilizar seus recursos de lobby em políticas públicas para influenciar o Congresso dos EUA a votar, no segundo semestre, a favor do projeto de liberação e estímulo ao investimento e comércio de produtos derivados da Cannabis sativa, conhecido como Lei de Oportunidades da Maconha (“More”, na sigla em inglês).

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É um peso-pesado entrando no ringue político. Líder em comércio eletrônico, computação em nuvem, streaming e inteligência artificial, a Amazon deve somar um milhão de empregados contratados em agosto. Suas ações têm valor de mercado (US$ 1,7 trilhão) maior que toda a riqueza produzida pelo Brasil no ano passado (US$ 1,4 trilhão).

Os EUA estão empenhados em avançar na hegemonia de produtos de maconha — das fibras aos remédios. Dias atrás, a Câmara que é controlada pelo Partido Democrata aprovou a abertura do sistema financeiro às empresas com operações legalizadas na cadeia de produção da cannabis.

A lei (Safe Banking Act), que agora está no Senado, legitima transações de rotina, como contas correntes, folhas de pagamento e linhas de crédito, e também suprime obstáculos que existiam no acesso ao mercado de capitais.

O efeito Amazon foi imediato. Pouco depois do comunicado da Amazon, na manhã de quarta-feira (2), as ações de empresas como Canopy Growth, Cronos Group, Tilray e Hexo subiram até 1,5% em negociações prévias à abertura do mercado financeiro. Negócios com papéis de empresas de maconha proporcionaram lucro anual de 41% até ontem, de acordo com o índice S&P-TSX Cannabis/Dow Jones.

A resposta política americana à percepção de uma nova e promissora fronteira de negócios realça a letargia do Congresso brasileiro no debate sobre a produção industrial de derivados da maconha.

Enquanto representantes em Washington abrem o sistema financeiro às empresas legalizadas, em Brasília o governo e sua bancada no Congresso impedem o avanço de um projeto (PL 399/15) para permitir a fabricação e o comércio nacional de medicamentos formulados a partir da cannabis.

Leia mais – PL 399: Deputados levam argumentos prós e contras ao plenário da Câmara

Remédios à base de óleo de canabidiol estão em políticas públicas de saúde em meia centena de países e no Brasil já têm autorização da Anvisa. São indicados no tratamento de esclerose múltipla, epilepsia, diabetes, AVC, câncer terminal, autismo, doenças de Parkinson e Alzheimer, entre outras. Hoje custam em média R$ 2.800, quase três salários-mínimos. E, por isso, a Justiça tem permitido cultivos em escala artesanal para fins medicinais.

Na bancada governista, porém, prevalece a absoluta intolerância, sob o argumento da “guerra às drogas” — paradoxalmente, uma criação do belicismo americano depois da 2ª Guerra Mundial.

“Somos contra qualquer tipo de legalização”, decretou o deputado Francisco Eurico da Silva, do partido Patriota de Pernambuco. Comerciante e pastor da Assembleia de Deus, ele usou a última reunião da comissão da Câmara que discute o projeto de lei para fazer uma síntese das motivações governistas: “Aqui tem, sim, defensores das drogas. Tem deputados maconheiros que querem legalizar a maconha via essa substância medicamentosa”.

Preferiu não citar nomes dos parlamentares que acusou, como também optou por não expor em público a autoria de uma suposta tentativa de suborno, que relatou na comissão: “Eu, o Osmar Terra e o Givaldo Carimbão queríamos colocar uma advertência nos rótulos de bebidas sobre os malefícios do álcool. Fomos chamados para uma reunião com uma empresa de bebidas, que ofereceu R$ 500 mil a cada um de nós, para nós ficarmos calados. Nós dissemos que não, não nos dobraríamos a isso, mas nós perdemos lá no plenário [da Câmara]. Mas ouvi dizer que eles gastaram R$ 2 milhões. E não foi comigo. Foi com alguns parlamentares”.

Há quem veja por trás desse tipo de radicalismo uma dose de preocupação político-religiosa com eventuais perdas no caixa de entidades voltadas à assistência a usuários de drogas.

Mas há, também, quem intérprete como “pura desonestidade intelectual” a tentativa de confundir uma atividade lícita em vários países — a produção de medicamentos formulados a partir do óleo de maconha — com o crime organizado. “Não deviam fazer isso, além de desonesto é degradante para a política”, retrucou a deputada Alice Portugal, do PCdoB da Bahia.

Enquanto em Brasília patina-se no preconceito no debate, em Washington trabalha-se na abertura de uma nova fronteira de negócios com produtos derivados da maconha.

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#PraCegoVer: fotografia, em plano fechado, de um top bud com cálices e sugar leaves rajados de roxo e pistilos laranjas e cremes, além de uma camada densa de tricomas sobre toda sua estrutura, em um cultivo de maconha. Imagem: Teanna Morgan | Unsplash.

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