Emoções, mentiras e negações: assim se debate a maconha no Senado

Fotografia em primeiro plano da Senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), durante sua fala na sessão da CDH. Senado.

“Para quem perdeu o acalorado e emocionante debate de hoje, vale o confere neste resumo da sessão da CDH, já que neste artigo trago o convite à reflexão sobre como é debatida a maconha dentro do Senado brasileiro, uma casa fundamentalista, ideológica e conservadora”. Confira a análise de Dave Coutinho sobre o debate da cannabis medicinal em comissão do Senado

Pouco mais de 500 pessoas puderam acompanhar ao vivo, nesta quinta-feira (26), mais uma sessão da Comissão de Direitos Humanos que debateu os usos da maconha para fins medicinais. A Sugestão Legislativa nº 6/2016, proposta pela ONG REDUC (Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos), que vive atualmente, como acompanhamos, um verdadeiro bate-e-volta entre alterações no texto e vistas coletivas, por fim foi aprovada na CDH e passará a tramitar no Senado como um Projeto de Lei.

Para quem perdeu o acalorado e emocionante debate de hoje, vale o confere neste resumo da sessão da CDH, já que neste artigo trago o convite à reflexão sobre como é debatida a maconha dentro do Senado brasileiro, uma casa fundamentalista, ideológica e conservadora.

Logo no começo, com as mesmas escusas já conhecidas e em tom de negação, o Senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), relator da SUG 6, pediu a retirada de pauta sugerindo que a matéria retornasse na próxima quinta-feira. Contudo, o presidente da CDH, o Senador Paulo Paim (PT-RS), ressaltou que “de tudo que tá (sic) na pauta aqui, pra mim não é tão importante quanto este projeto por tudo que representa”, afirmando que não colocaria outro projeto em pauta porque o tema delicado é este.

Solidário aos esforços da Senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP) de estar presente na sessão, Paim, ao abrir a palavra a ela e outros, foi interrompido pelo pedido de perdão do senador Fabiano Contarato (REDE-ES). “Eu queria pedir perdão a todas as vítimas e suas famílias que precisam desta medicação“. Delegado, assim como o sen. Alessandro, o parlamentar ressaltou que o debate não é sobre autorizar plantio, mas sim sobre sobre medicação e, com tom de vergonha, afirmou que “parece que estamos discutindo uma coisa de outro mundo”.

“Essa sugestão de número 6 veio da sociedade, eu não consigo enxergar o Senado batendo a porta na cara da sociedade, a gente precisa de mais amor e menos preconceito”, abriu seu  discurso emocionado a Senadora Mara Gabrilli, lembrando que a dor do brasileiro não é diferente da dor do cidadão de países que já regulamentaram o uso medicinal, como Israel, Estados Unidos, Colômbia e Uruguai.

Tetraplégica há 25 anos, a senadora, que realiza tratamento com cannabis medicinal, ressaltou a importância de todos os canabinoides da planta, entre eles o THC, questionando “quem somos nós para prescrever, para dizer ao cidadão ‘olha você só pode tomar CBD, não pode tomar THC’, quem somos nós? Somos legisladores, se um médico prescreve como iremos contrário a isso?”.

“Hoje estou aqui para defender o direito das outras pessoas, porque eu tenho uma condição financeira que me permite comprar um remédio aprovado pela Anvisa e tem 27% de THC e custa R$3.000, uma espirrada do remédio custa R$15. É pesado para eu bancar, que sou uma senadora da República, imagina para o resto da população brasileira”, conta Mara Gabrilli.

#PraCegoVer: fotografia com foco na senadora Leila Barros (PSB-DF) que se emociona durante o pronunciamento da Senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), que aparece na parte esquerda da foto, desfocada. Foto: Marcos Oliveira | Agência Senado.

A senadora fez questão de ressaltar que o canabidiol puro funciona muito bem para muita gente, mas não para ela. Explicando brevemente como funciona o sistema endocanabinoide, com o exemplo chave-fechadura, ela esclareceu que o THC é fundamental em seu tratamento, removendo as dores e desconfortos, o que não é proporcionado apenas com o CBD isolado.

Alguém aqui já viu eu alucinada em algum canto do Congresso?”
Sen. Mara Grabrilli (PSDB-SP)

“Não é possível que vamos evitar que os brasileiros tenham mais saúde e conforto e qualidade de vida”, diz a senadora, apelando que seus colegas legislem com o coração. Mara acredita que não é pela segurança pública ser uma porcaria que os brasileiros tenham de ser privados do acesso à cannabis medicinal.

“Se a saúde das pessoas não emocionar os parlamentares, vamos falar de economia”
Sen. Mara Grabrilli (PSDB-SP)

Tocando no mote econômico, que acredito ser muito mais motivador aos parlamentares, Mara Gabrilli chamou atenção para o potencial de geração de empregos. “Na Colômbia, foram criados 1700 empregos, em Israel, por exemplo, o uso medicinal da maconha ele não é só aprovado, ele é incentivado,” afirmou. Colocando os dados econômicos na discussão, a senadora ponderou que o mercado legal da cannabis fez estados americanos, como a Flórida, reverterem a taxa do desemprego, o que, em sua visão, é uma das maiores doença do Brasil.

#PraCegoVer: fotografia do senador Flávio Arns (Rede-PR) junto à Senadora Mara Gabrilli (parte esquerda da foto) e exibindo um frasco do remédio Mevatyl, utilizado por Mara. Foto: Marcos Oliveira | Agência Senado.

Mentiras e Negações

Como é habitual nessas sessões, e principalmente em nosso governo, as mentiras também estiveram presentes durante a reunião deliberativa da CDH. Mesmo diante de um belo discurso repleto de realidade testemunhal para o uso medicinal e dados econômicos apresentado pela Senadora Mara, o senador Eduardo Girão (PODEMOS-CE) caiu em negação e mentiras, ao não reconhecer os efeitos terapêuticos do THC, sustentar suas críticas à proposta de sugestão nº 6 e puxar sardinha para o Projeto de Lei de sua autoria, que determina que o SUS forneça gratuitamente medicamentos somente à base de CBD.

#PraCegoVer: fotografia mostra senadores ao redor do sen. Eduardo Girão, que fala e gesticula, durante debate sobre maconha na CDH. Foto: Marcos Oliveira | Agência Senado.

“A gente precisa ter muita responsabilidade, porque ao mesmo tempo que o THC consegue ter uma ação positiva em você, nós temos relatos de outras dezenas de famílias que o THC fez mal, que o THC produziu problemas maiores”. Girão alegou ainda que teve oportunidade de ouvir famílias que tiveram efeitos contrários.

Mesmo sem conseguir barrar o andamento da SUG 6 com mais alguns pedidos de vistas, em seu voto contrário à sugestão, o senador Girão disse que “o discurso que promove a maconha medicinal não se sustenta, pois não existem estudos conclusivos para comprovar que a cannabis, nas suas diversas formas, óleo, fumada, inalada, venha proporcionar efeitos medicinais definitivos”.

Argumentou ainda que o plantio de maconha no Brasil pode trazer “graves implicações ambientais, que o cultivo em larga escala da maconha ou cânhamo acarretaria num aumento considerável de herbicidas, fungicidas e nutrientes usados para enriquecer o solo das plantações e protegê-las das pragas”. Disse ainda que são plantas que consomem água e energia de forma excessiva e que provocariam a “liberação de dióxido de carbono na atmosfera, são alarmantes os impactos na fauna e flora”.

Clique aqui e leia na íntegra o voto contrário do senador Eduardo Girão (PODEMOS-CE).

De uma ampla sugestão de Projeto de Lei para ‘uma singela autorização’

O projeto original proposto pela ONG REDUC (Rede Brasileira de Redução de Danos e Direitos Humanos) foi convertido “numa singela autorização para que se faça pesquisa e se prepare as condições para fornecer medicamentos para quem precisa”, afirma o sen. relator Alessandro Vieira, que teve seu texto aprovado e transformado em Projeto de Lei, com tramitação nas demais comissões do Senado Federal.

Agora, começa uma nova novela, em que, antes mesmo de sua estreia, já nos preocupa pela falta de informação e pela ignorância dos pares de senadores que são contrários à discussão do tema nas casas e comissões do governo.

Deixo aqui, por fim, o pedido, a cada um dos que participaram da transmissão ou que chegaram ao fim deste texto: vamos oferecer aos senadores informações reais e verídicas sobre as evoluções e marcos regulatórios da cannabis, maconha, cânhamo ou como desejarem chamar, porque o importante é mantê-los informados ao longo do caminho de luta que temos a seguir.

Assista abaixo à sessão na íntegra:

#PraCegoVer: fotografia (de capa) em primeiro plano da Senadora Mara Gabrilli (PSDB-SP), durante sua fala na sessão da CDH. Foto: Marcos Oliveira | Agência Senado.

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Sobre Dave Coutinho

Carioca, Maconheiro, Ativista na Luta pela Legalização da Maconha e outras causas. CEO "faz-tudo" e Co-fundador da Smoke Buddies, um projeto que começou em 2011 e para o qual, desde então, tenho me dedicado exclusivamente.
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