Sem fazer aumentar a violência, Uruguai completa cinco anos de venda de maconha em farmácias

Foto mostra a mão de uma pessoa que segura uma embalagem azul e branca da maconha vendida no Uruguai, próximo a uma farmácia. Imagem: Fernando Ponzetto.

Incluindo a perspectiva de direitos e uma abordagem de saúde pública, e afastando os cidadãos do tráfico de drogas, o modelo uruguaio de regulamentação da cannabis se mostrou um sucesso

Sem crianças usando maconha nem violência ligada ao consumo, como difundido por alguns loucos proibicionistas, o Uruguai completou cinco anos de vendas de cannabis para uso adulto nas farmácias, a terceira de via de acesso à planta prevista na lei.

Em 2013, o país hermano instituiu com sua Lei 19.172 um marco legal para uma regulamentação responsável e abrangente do mercado de maconha.

A lei estabeleceu três formas de acesso à cannabis para uso não médico: cultivo doméstico, clubes canábicos e dispensação em farmácias, esta implementada em 2017.

O acesso à maconha só é possível mediante registro e o consumidor deve escolher apenas uma das três vias — para se registrar, a pessoa deve ser maior de 18 anos e cidadã uruguaia ou residente permanente no país.

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Na contramão de países como o Brasil, onde o governo promove a carnificina de comerciantes e usuários de cannabis, a regulamentação uruguaia é exemplo para o mundo de como efetivamente vencer a “guerra às drogas”.

Incorporando a perspectiva de direitos e uma abordagem de saúde pública, baseada na estratégia de gestão de riscos e redução de danos, e dando opção de acesso por vias legais à cannabis, afastando os cidadãos do tráfico de drogas, o modelo uruguaio se mostrou um sucesso.

“No dia 19 de julho de 2017, caiu um ícone, um preconceito generalizado. As farmácias abriram, começaram a vender para quem estava cadastrado; não havia bandos de zumbis que atacavam farmácias como alguns previam”, disse à Efe Milton Romani, ex-secretário-geral da Junta Nacional de Drogas do Uruguai, que acompanhou o processo até 2016.

Romani disse à agência que este é apenas um dos vários mitos que pairavam sobre o processo de regulamentação da maconha previsto na lei promovida pelo Governo de José Mujica, como os que diziam que o Uruguai seria inundado de brasileiros e argentinos em busca de cannabis e o consumo aumentaria exponencialmente no país.

“As pesquisas científicas realizadas mostraram que a legalização e regulamentação da cannabis não fez aumentar o consumo”, disse ele.

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Lamentavelmente, os mitos sobre a legalização da maconha no Uruguai continuam a ser propagados até hoje. Em uma transmissão ao vivo por suas redes oficiais na quinta-feira, o presidente Jair Bolsonaro associou a regulamentação da cannabis ao aumento da violência no país.

“As drogas aumentam a violência. Temos o caso do Uruguai, que há alguns anos regulamentou e legalizou a maconha e agora vemos, como reflexo, a explosão do número de homicídios em grande parte por causa da maconha”, garantiu o presidente, baseado em sua própria opinião, sem fornecer nenhum dado para apoiar a afirmação.

A taxa de homicídios no Uruguai é de 8,5 casos por 100 mil habitantes, enquanto no Brasil esse número chega a 21,65 homicídios, segundo dados do Atlas da Violência e do Ministério do Interior uruguaio.

Verdadeiro reflexo da regulamentação uruguaia

De acordo com os últimos dados divulgados pelo Instituto de Regulação e Controle da Cannabis (Ircca), até o dia 7 de maio deste ano, 49.630 pessoas estavam registradas para comprar maconha em alguma das 28 farmácias aprovadas — enquanto 14.035 cultivadores e 7.166 sócios de clube se registraram nas outras duas vias de acesso legal à cannabis.

O preço de varejo por embalagem de 5 gramas de maconha é atualmente de $U 390 (R$ 51) — em julho de 2017 era de $U 187 (R4 24,5).

As variedades de cannabis disponíveis nas farmácias uruguaias são a Alfa (híbrida predominantemente indica) e a Beta (híbrida predominantemente sativa). Ambas as strains contêm uma porcentagem de THC (tetraidrocanabinol) que é menor ou igual a 9% e uma porcentagem de CBD (canabidiol) igual ou superior a 3%.

A regulamentação uruguaia permite que cada pessoa registrada como adquirente em farmácias compre até 10 gramas por semana ou 40 gramas por mês de maconha para uso adulto.

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Em comunicado à imprensa divulgado nessa semana, o Ircca informou que ​​7.773 quilos de cannabis foram dispensados desde que iniciaram as vendas em farmácias — quase uma tonelada a menos dos 8.840 quilos produzidos no período.

Atualmente, existem duas empresas que produzem maconha para venda em farmácias — Faises e Jabelor — e uma terceira empresa deve ser incorporada em breve, a Legiral. Em maio de 2021, ICC Corp se retirou do sistema.

Os processos de cultivo, colheita, secagem, embalagem e distribuição da cannabis ficam todos a cargo das empresas licenciadas, que contam com uma equipe de supervisão técnica composta por profissionais agrônomos e químicos.

A maconha produzida pelas empresas deve atender aos padrões estabelecidos pelo Ministério da Saúde e pelo Ircca, que são responsáveis pelo controle geral da atividade produtiva.

Para atingir plenamente o objetivo da lei promulgada em 2013, que compreende mover os consumidores de cannabis do tráfico ilegal para o mercado regulamentado, o Ircca está trabalhando com as empresas produtoras para desenvolver uma nova variedade que tenha um nível de THC próximo a 12%.

“O que estamos tentando fazer é afastar os consumidores existentes da ilegalidade ou de outras fontes de abastecimento”, explica Juan Ignacio Tastás, diretor executivo do Ircca, em entrevista à Efe.

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O Ircca também estuda a incorporação de novos pontos de dispensação de maconha que ofereçam uma cobertura territorial mais ampla.

Em um estudo do Observatório Uruguaio de Drogas (OUD), com dados atualizados até dezembro de 2021, conclui-se que ao considerar não apenas as pessoas que estão registradas em uma das três formas de acesso à cannabis regulada, mas também aquelas que acessam a planta dessa origem por meio do uso compartilhado, estima-se que o mercado regulado real atinja 39% dos consumidores de maconha.

O relatório “Monitoramento e avaliação da lei 19.172: principais indicadores do mercado de cannabis no Uruguai”, divulgado pelo OUD em dezembro de 2019, mostra uma diminuição significativa no consumo de cannabis “prensada”.

Entre 2014 e 2018, segundo o levantamento, o consumo de maconha prensada passou de 58,2% para 11,6 %, implicando uma forte redução da demanda do principal produto associado ao mercado ilegal de cannabis.

Pesquisas realizadas periodicamente pelo OUD mostram que, de 2001 até hoje, o número de pessoas que usam maconha ou que declaram usar a planta vem aumentando. No entanto, esta tendência não se alterou após a regulamentação.

Os estudos também mostram que a idade de início do consumo aumentou: em 2011 era de 18,3 anos, enquanto em 2018 (cinco anos após a promulgação da lei) passou para 20,1 anos.

No mês passado, um projeto de lei que visa permitir o acesso à cannabis legal por turistas foi apresentado no Parlamento do Uruguai.

“Cada parcela que é retirada do mercado ilícito é importante”, afirmou à AFP o deputado frenteamplista Eduardo Antonini, principal autor do projeto, destacando que a reforma aprofundaria a premissa original de enfraquecer o narcotráfico.

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#PraTodosVerem: foto mostra a mão de uma pessoa que segura uma embalagem azul e branca da maconha vendida no Uruguai, próximo a uma farmácia. Imagem: Fernando Ponzetto.

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