Trabalho infantil no tráfico de drogas: Justiça pune em vez de proteger

Mão de um menor de idade que segura as grades de uma cela e ao fundo desfocado a parte de cima de sua face. Trabalho infantil.

A atuação de jovens nas diversas funções do tráfico de drogas no Brasil consta na lista das Piores Formas de Trabalho Infantil. Porém, não é dessa forma que a Justiça vê essas crianças. É o que conclui a pesquisa do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP). As informações são da Rede Peteca – Chega de Trabalho Infantil.

Apesar de constar na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP), a atuação de adolescentes no tráfico de drogas, em geral, não é considerada como trabalho infantil pela Justiça brasileira. Assim, prevalece o aspecto de ato infracional análogo ao crime de tráfico de drogas, com base no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), o que poderá levar à aplicação de medida socioeducativa ao adolescente.

Essa é uma das conclusões da pesquisa “Tráfico de drogas entre as piores formas de trabalho infantil: mercados, famílias e rede de proteção social”, lançada pelo Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP), em São Paulo, em 20 de junho.

Segundo o estudo, há uma ambiguidade jurídico-normativa em relação ao adolescente que atua no mercado de drogas. Enquanto o ECA considera a atividade como ato infracional passível de aplicação da medida socioeducativa, o Decreto 3.5897/2000 (que regulamenta a Convenção 182 da OIT) enquadra o tráfico como trabalho infantil e determina ações imediatas para sua eliminação.

O mesmo entendimento é verificado no Decreto nº 6.481/2008, que coloca o tráfico de drogas na Lista das Piores Formas de Trabalho Infantil (Lista TIP).

“No debate público, a categoria ‘ato infracional’, análoga ao crime, é mais enfatizada. A perspectiva do trabalho infantil não é considerada”, aponta a pesquisa.

“A categoria política ‘adolescente autor de ato infracional’, presente tanto no ECA quanto no SINASE, permite um deslizamento semântico que se apoia mais na categoria social de ‘bandido’ do que na ideia de ‘trabalhador infantil´”,  observa o estudo.

Do total de 9.127 adolescentes cumprindo medidas socioeducativas na Fundação CASA, em São Paulo, 40% respondem por tráfico de drogas, de acordo com dados divulgados pela instituição em 2017.

Como consequência, o adolescente envolvido no tráfico de drogas deixa de ser visto como vítima de violação de direitos decorrente de trabalho infantil para assumir o papel ativo de autor de ato infracional a ser submetido a medidas socioeducativas.

Dentre os danos gerados aos adolescentes pelo trabalho infantil no tráfico de drogas a pesquisa lista jornadas exaustivas, prolongadas (entre 8 e 12 horas) e noturnas; incapacidade de frequentar a escola; situações mentalmente, fisicamente, socialmente e moralmente perigosas e prejudiciais; contato com substâncias que oferecem risco à sua saúde (lança-perfume) e riscos nas relações com a Polícia, pois os vendedores, sobretudo, são responsáveis por entregar propina aos agentes estatais corruptos.

“Incentivo” ao trabalho infantil

De acordo com Ana Paula Galdeano, que coordenou a pesquisa juntamente com Ronaldo Almeida, além de ignorar a dimensão de violação de direitos do tráfico de drogas, o Sistema de Justiça muitas vezes incentiva, indiretamente, práticas degradantes de trabalho infantil.

“Para muitos juízes, faz parte da exigência de ‘ressocialização’ que o adolescente esteja na escola e trabalhando. O problema é que muitas vezes esses meninos vão trabalhar na carga e descarga ou em outros trabalhos degradantes e isso é visto pelo juiz como reinserção. Ou seja, o juiz não apenas faz vista grossa para o tráfico como trabalho infantil, mas também exige a inserção do adolescente em um trabalho que é degradante. Ao cobrar um emprego, os juízes estão contribuindo para a informalidade e a exploração ‘legais´”, explica Ana Paula.

Metodologia

A pesquisa, realizada em Sapopemba [Zona Leste], Vila Maria [Zona Norte] e Sé [Centro], todas na cidade de São Paulo, buscou abordar o trabalho infantil no tráfico de drogas e em outros mercados informais, além das condições de vida das famílias e os dilemas de implementação da Política Socioeducativa em Meio-Aberto na capital paulista.

Um dos métodos utilizados na pesquisa foi a realização de um geoprocessamento com a produção de mapas, por subprefeitura, que indicam o local de autuação e o de moradia de 64 adolescentes que estão cumprindo medidas por tráfico de drogas, sobrepostos em mapas de renda e cor por setor censitário.

“Em sua maioria, esses meninos são negros e moram em regiões bem pobres. Eles atuam no tráfico em locais muito próximos de suas casas, caracterizando esse trabalho quase como doméstico. E essa proximidade entre trabalho e casa favorece uma maior exposição a formas de assédio e coerção por parte de seus superiores no tráfico”, aponta Ana Paula. “Tudo isso nos leva a repensar a política de combate às drogas, que acaba punindo adolescentes que se encontram na base do tráfico”, completa.

O estudo ainda reconstruiu a trajetória das famílias dos jovens em cumprimento de medida socioeducativa por tráfico de drogas, constatando-se a recorrência de um perfil: grupos que estão na margem salarial e ligados à informalidade.

“Mas o que mais me chamou atenção foi que, de 14 adolescentes, 11 têm familiares encarcerados. Além disso, 6 deles tiveram familiares assassinados. Isso mostra os impactos de política de encarceramento na vida de adolescentes, pois implica um deslocamento forçado, de morar com avós ou em abrigos, o que pode gerar, por exemplo, uma falta de acompanhamento da frequência escolar” explica Ana Paula.

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) em primeiro plano da mão de um menor de idade que segura as grades de uma cela e ao fundo desfocado a parte de cima de sua face. Créditos da foto: Luiz Silveira – Agência CNJ.

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