Você não é apenas um maconheiro

Fotografia que mostra as mãos de um homem bolando um cigarro de maconha no papel de seda e, ao fundo, fora de foco, pode-se ver parte de sua camiseta com estampa de uma figura indígena com a área dos olhos pintada em vermelho. Maconheiro

A atração por canábis é comum no mundo animal e deve ser encarada com naturalidade

Há quem diga que o uso de maconha é uma depravação do ser humano, capaz de lhe garantir uma cadeira cativa no inferno. Ou que o homem em seu estado natural e pleno de energia cósmica seria imune aos encantos traiçoeiros das drogas. Muitos argumentos em prol de Belzebu e contra místicos desvairados poderiam ser usados para desmascarar patacoadas desse naipe. Mas sendo o homo sapiens um ser vivo vertebrado, nada melhor do que comparar o seu comportamento com o de outros seres vivos a fim de verificar se o uso do entorpecente realmente é um privilégio exclusivo da nossa raça fraca e pecadora.

No mundo da vida real, concreta e tangível, o impulso por substâncias que alteram a consciência está presente em diversos animais. No caso específico da canábis, existem numerosos relatos de usuários que percebem seus bichos de estimação em busca de exposição à erva. Eles ainda comentam sobre os efeitos e brincadeiras que os animais demonstram após o contato com fumaça ou algum comestível de maconha. Gatos expressam uma alegre excitação seguida de sono. Cães perseguem objetos imaginários, dormem e soltam gemidos enquanto sonham. As vacas parecem mais dispostas e contentes depois de comer maconha.

Sabe-se também que a criatividade humana é uma fábrica de histórias, muitas exageradas e outras bem suspeitas. Certa vez um usuário de canábis contou ter compartilhado um baseado com seu chimpanzé, que teria começado a dançar depois de algumas baforadas. Outro chimpanzé de estimação fumou com o dono até os dois ficarem muito chapados para continuar. Em carta à revista High Times, o proprietário jurou ter consumido uma superdose com o macaco, que passou a falar algumas palavras compreensíveis em inglês! Mas o mesmo sujeito admitiu que seu próprio estado de intoxicação pode ter influenciado sua percepção sobre os sons emitidos pelo bicho. Ainda bem que ser normal é o objetivo dos fracassados.

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Verdade, mentira ou exagero, os animais mencionados foram induzidos ao consumo de canábis ou tiveram contato acidental com a planta. Mas eles buscariam a intoxicação de livre e espontânea vontade?

Em 1974, alguns pacotes com maconha apreendida foram violados ou desapareceram de uma delegacia de polícia em San Jose, na Califórnia, deixando os tiras com cara de tacho. Na mesma época, houve pilhagens semelhantes perto dali, em distritos policiais de San Antonio. Enquanto os investigadores batiam os cornos para descobrir a identidade do larápio, os jornais publicavam reportagens sobre a aparição de ratos “alegres”, “chapados” e “delirantes” nas ruas da região. Um jornalista de San Antonio afirmou que um roedor estava “balançando em um mastro de bandeira”.

Assim como os mortais, jornalistas também têm tendências a hipérboles, além de bom humor e imaginação fértil. Por isso, o cientista Ronald Siegel decidiu investigar a atração dos animais pela maconha. Um roedor suspeito dos crimes havia sido capturado dentro de uma delegacia por policiais de San Jose, com a ajuda de uma arapuca e manteiga de amendoim. Já com indícios e evidências suficientes para acusar o roedor, Siegel levou o bicho para seu laboratório, apesar dos protestos de ambientalistas e adolescentes histéricos que pediam liberdade ao mickey maconheiro.

Ao ter pés de maconha inteiros ao seu dispor, o ratinho passou a comer sementes e caules, que têm baixa concentração de substâncias psicoativas. Seu comportamento ficou mais quieto e introspectivo no início. Algum tempo depois, retomou a vitalidade de antes, mas não deixou de fazer a cabeça. Periodicamente comia sementes, caules e outras partes da planta. Apesar do vigor ter voltado, os movimentos rápidos da cabeça e uma certa excitação do roedor sugeriam que ele havia pegado gosto pelos efeitos psicotrópicos.

O mesmo cientista encontrou mais ratos maconheiros destruindo plantações de canábis para consumir a erva. Siegel também registrou e estudou aves que se alimentam de sementes da planta. Depois da refeição canábica, algumas espécies desenvolvem inclinações amorosas e eróticas. Criadores de pombos costumam chamar a semente de maconha de “doce de pombo”, e garantem que transforma qualquer pássaro num ótimo amante e reprodutor, uma espécie de Mr. Catra alado.

Algumas pessoas acreditam que um deus de sua preferência criou o mundo e a vida. Outras creem que o ser humano evoluiu de um microrganismo aquático unicelular, e agora é capaz de compor óperas e desbravar o espaço sideral. De um jeito ou de outro, todos costumam concordar que a natureza é perfeita. E se assim ela é, precisamos encarar de modo natural e aceitável o interesse e o consumo de substâncias que alteram a consciência.

Você, leitor, não é um mero maconheiro. Você é um mamífero, primata, da família hominidae, desovado no mundo compulsoriamente, e que agora luta por sua melhor sobrevivência em meio à selva social. E como cães, ratos e pombos, você também tem o direito natural de dormir bem, andar alegre pelas ruas e transar eroticamente chapado. A mãe natureza fez você assim.

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Chega de mimimi sobre a maconha

#PraCegoVer: Fotografia que mostra as mãos de um homem bolando um cigarro de maconha no papel de seda e, ao fundo, fora de foco, pode-se ver parte de sua camiseta com estampa de uma figura indígena com a área dos olhos pintada em vermelho.

Sobre Leonardo Padilha

Leonardo Padilha é advogado canabista, jornalista e especialista em educação. leonardopadilha.advogado@gmail.com
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