20 medidas para uma regulamentação inteligente da cannabis

Fotografia que mostra um porção de maconha triturada e um papel de seda sobre a palma de uma mão, e parte do corpo da pessoa, vestida com roupa xadrez azul, ao fundo, fora de foco. Imagem: UNGASS.

Consórcio internacional de ONGs reúne orientações para que a regulamentação do mercado legal da erva promova inclusão, justiça social e direitos humanos. As informações são do Cannabiz / Veja

Nos últimos anos o mundo vem revendo sua posição sobre o status legal da cannabis. De planta proibida na maioria dos países, a erva passou a ser receitada como remédio para uma série de enfermidades e já começa a ser aceita como droga social em diversas regiões. Em meio às mudanças, medidas que estimulem equidade, diversidade e alguma forma de reparação às vítimas da “guerra às drogas” têm influenciado a tomada de decisão por parte de legisladores e órgãos regulatórios. Nesse contexto, o Consórcio Internacional sobre Políticas de Drogas (IDPC, na sigla em inglês), rede global formada por 192 ONGs do mundo todo, lançou no mês passado um documento com uma série de recomendações para garantir que a regulamentação da cannabis possa promover inclusão, justiça social e direitos humanos.

Em seus “Princípios para a regulamentação responsável da Cannabis”, o IDPC lista 20 itens, divididos em seis categorias: (I) saúde e direitos humanos para pessoas que usam drogas; (II) justiça social; (III) mercados inclusivos e igualitários; (IV) respostas para as atividades ilegais; (V) abordagens sensíveis às questões de gênero; e (VI) acompanhamento e aprendizados. Abrangente e ambiciosa, a publicação organiza as questões que devem ser enfrentadas na construção de políticas de drogas mais eficazes, inteligentes e justas. Ainda que possam parecer muito distantes da realidade de inúmeros países, as medidas sugeridas pelo IDPC deveriam se tornar referência por facilitar discussões amparadas em evidências, dados e informações científicas. Confira abaixo o texto do documento, em tradução livre. O documento original em inglês está neste link.

Princípios para a regulamentação responsável da cannabis

I. Saúde e direitos humanos para pessoas que usam drogas

  1. Proteção de direitos: mercados regulados devem proteger os consumidores e contar com regras sanitárias que assegurem os direitos das pessoas que usam drogas. Leis trabalhistas devem evitar que os trabalhadores da indústria da cannabis sofram exploração ou extorsão.
  2. Saúde pública e redução de danos: a regulamentação pode ser uma forma poderosa de contenção de danos, reduzindo o estigma contra as pessoas que usam drogas, facilitando seu acesso aos serviços de saúde e garantindo um fornecimento seguro das substâncias.
  3. Autonomia, liberdade e privacidade: as regulamentações devem buscar o equilíbrio entre o direito individual à autonomia e à privacidade e a proteção da saúde pública. Todas as restrições devem ser sustentadas por evidências.
  4. Acessibilidade e necessidade: para que sejam uma alternativa ao tráfico, os mercados legais devem ser acessíveis e atender às necessidades das pessoas que usam drogas, incluindo os pacientes que fazem uso medicinal da cannabis.

II. Justiça social

  1. Envolvimento comunitário: os mercados legais devem levar em consideração o conhecimento acumulado pelas pessoas envolvidas nas atividades ilegais, dos cultivadores aos consumidores, passando por distribuidores e vendedores de cannabis.
  2. Migração para a legalidade: os mercados regulados devem apoiar a participação de pessoas e comunidades envolvidas na economia informal das drogas, removendo as barreiras legais, financeiras, técnicas e burocráticas.
  3. Cultivo de pequena escala: para garantir a sobrevivência sustentável dos cultivadores tradicionais de cannabis, as regulamentações devem priorizar sua participação na cadeia de fornecimento e garantir que eles não sejam substituídos por novos agentes privados.
  4. Reparação, compensação e não repetição: os novos arcabouços legais devem incluir medidas de reparação às pessoas que sofreram com a proibição, reavaliando a violação de direitos e alocando recursos para os que foram injustamente perseguidos.
  5. Usos tradicionais: as regulamentações devem reconhecer a história da cannabis no que diz respeito aos usos tradicionais, culturais e religiosos e garantir sua preservação.

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III. Mercados inclusivos e igualitários

  1. Modelos de negócios inclusivos: os mercados legais devem buscar a distribuição do poder e do valor ao longo da cadeia produtiva, promovendo modelos de negócios alternativos que empoderem as comunidades.
  2. Direitos trabalhistas: nos sistemas legais, os trabalhadores devem contar com direitos e proteções, com aplicação garantida por meio de mecanismos formais de fiscalização.
  3. Maximização de valor: os reguladores devem trabalhar ao lado de produtores e consumidores para desenvolver sistemas inovadores de certificação que aumentem a competitividade de pequenos e médios negócios.
  4. Desafios ao comércio internacional: os órgãos regulatórios devem pensar em como remover as barreiras legais que impedem o comércio internacional de cannabis não medicinal e, ao mesmo tempo, proteger os cultivadores tradicionais do ingresso de capital estrangeiro.
  5. Sustentabilidade ambiental: para evitar potenciais danos ambientais, as novas leis devem conter regulamentações rigorosas e sistemas de rotulagem “ecológica” para estimular a adoção de práticas sustentáveis ao longo de toda a cadeia.

IV. Respostas para as atividades ilegais

  1. Descriminalização do uso de drogas: um sistema legal socialmente justo não é compatível com nenhuma forma de punição criminal ou administrativa ao uso pessoal de qualquer tipo de droga.
  2. Proporcionalidade: nos locais onde for mantida, as respostas da justiça criminal para atividades relacionadas às drogas, como o tráfico, devem ser estritamente proporcionais, considerar as circunstâncias pessoais e estar acompanhadas de apoio aos acusados.

V. Abordagens sensíveis às questões de gênero

  1. Mulheres e cultivo: ao se debruçar sobre o histórico de discriminação e assédio contra mulheres cultivadoras, os reguladores devem estabelecer proteções orientadas por gênero para prevenir exploração e abuso.
  2. Acesso a serviços: as regulamentações devem favorecer iniciativas que garantam o tratamento e o acesso a programas de redução de danos que levem em consideração as necessidades específicas das mulheres.
  3. Igualdade: os reguladores devem tomar medidas imediatas para remediar as desigualdades estruturais de gênero e o desequilíbrio de poder nos mercados legais de cannabis.

VI. Acompanhamento e aprendizados

  1. Coleta de dados e resposta da comunidade: as regulamentações devem ser periodicamente revisadas à luz de dados objetivos, lições aprendidas e evolução do mercado, além de ouvir as comunidades afetadas e a sociedade civil em geral.

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#PraCegoVer: em destaque, fotografia que mostra um porção de maconha triturada e um papel de seda sobre a palma de uma mão, e parte do corpo da pessoa, vestida com roupa xadrez azul, ao fundo, fora de foco. Imagem: UNGASS.

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