Veteranos de guerra dos EUA precisam improvisar para se tratar com maconha

William Horne, de 76 anos, vestindo uma camiseta com o logo da Aliança dos Veteranos de Santa Cruz e segurando um saco transparente contendo flores de maconha ao lado de uma balcão onde se encontra uma bandeja plástica cheia de frascos de remédios.

Apesar de não existirem muitos estudos sobre a eficácia da maconha no tratamento de estresse pós-traumático, muitos pacientes alegam melhoras significativas com o uso da erva, o que o digam os veteranos de guerra dos EUA. Saiba mais com as informações do The New York Times, via UOL.

Alguns dos produtores locais ao longo da costa da Califórnia veem como um ato de compaixão médica: doar parte de sua produção de maconha medicinal de alta potência para veteranos de guerra enfermos, que fazem fila às dezenas todo mês no auditório do velho salão dos veteranos da cidade, para receber um bilhete que podem trocar por um pacote gratuito.

Um veterano do Vietnã na fila disse que usa óleo com infusão de maconha para tratamento de câncer de pâncreas. Outro disse que fumar maconha alivia a dor de um recente implante de prótese de quadril melhor do que os medicamentos prescritos. Vários disseram que algumas poucas pitadas controlam a ansiedade e pesadelos do transtorno de estresse pós-traumático.

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“Nunca toquei nisso no Vietnã”, disse William Horne, 76 anos, um bombeiro aposentado. “Foi apenas há poucos anos que percebi quão útil podia ser.”

Os pacotes doados mensalmente contêm loções, pílulas, doces e óleos de maconha, assim como variedades potentes para fumar com nomes como Combat Cookies e Kosher Kush. Mas os veteranos não recebem qualquer orientação médica sobre que produto é mais indicado para determinado mal, como usar, como a maconha pode interagir com outros medicamentos.

Normalmente, a primeira parada deles para orientação seria o sistema de saúde do Departamento de Saúde dos Veteranos, com seus milhares de médicos e centenas de clínicas e hospitais por todo o país.

Mas o departamento em grande parte disse não à maconha medicinal, citando a lei federal. Ele não recomendará produtos de maconha para pacientes e até mesmo se recusa a estudar seus benefícios potenciais. Isso deixa o órgão fora de passo com grande parte do país, onde pelo menos 30 Estados agora possuem leis que permitem o uso de alguma forma de maconha medicinal.

Uma pesquisa do departamento sugere que quase 1 milhão de veteranos podem estar usado maconha medicinal assim mesmo. Mas os médicos do sistema de saúde dos veteranos dizem que a falta de pesquisa por parte do departamento os deixa sem terem como dar uma boa orientação para seus pacientes.

“Temos uma desconexão no atendimento”, disse Marcel Bonn-Miller, um psicólogo que trabalhou por anos no hospital dos veteranos em Palo Alto, Califórnia, e agora leciona na escola de medicina da Universidade da Pensilvânia. “O Departamento de Assuntos dos Veteranos financiou muitos estudos sobre a maconha, mas não a respeito de seu potencial terapêutico. Todo o trabalho está relacionado aos problemas do uso.”

Bonn-Miller disse que, em 2016, ele quis estudar os efeitos sobre a saúde dos veteranos que estavam obtendo a maconha junto à Aliança dos Veteranos de Santa Cruz, mas não obteve fundos do Departamento de Assuntos dos Veteranos por falta de interesse deste no uso terapêutico.

O Congresso agora está considerando mudar isso. Um projeto de lei bipartidário apresentado na Câmara neste ano ordenaria o departamento a estudar a segurança e eficácia da maconha no tratamento de dor crônica e transtorno por estresse pós-traumático. Se o projeto de lei for aprovado, o departamento poderia não apenas desenvolver perícia sobre uma droga à qual muitos veteranos passaram a usar por conta própria, como também poderia futuramente permitir a prescrição da maconha por seus médicos e clínicas.

“Eu conversei com muitos veteranos que alegam ter benefícios, mas precisamos de pesquisa”, disse o deputado Tim Walz, democrata de Minnesota, que apresentou o projeto de lei juntamente com Phil Roe, republicano do Tennessee, que é médico.

“Você pode ser um grande defensor da maconha medicinal ou pode sentir que ela não tem nenhum valor”, disse Walz. “De qualquer modo, vai querer evidência para provar sua posição e não há melhor forma de fazer essa pesquisa do que por meio do Departamento de Assuntos de Veteranos.”

Um homem no final de um corredor entre fileiras de vasos com plantas de maconha.

#PraCegoVer: fotografia de um homem no final de um corredor entre fileiras de vasos com plantas de maconha, em uma plantação da Aliança dos Veteranos de Santa Cruz, na Califórnia. Créditos: Jim Wilson – NYT.

Um porta-voz do Departamento de Assuntos dos Veteranos disse que o Congresso precisaria fazer mais do que apenas aprovar o atual projeto de lei na Câmara. O porta-voz, Curt Cashour, disse que devido à maconha ser classificada como droga ilícita segundo a lei federal, os pesquisadores precisariam obter aprovação de cinco agências separadas para realização de estudos.

“As oportunidades para condução pelo Assuntos de Veteranos de pesquisa da maconha são limitadas devido às restrições impostas pela lei federal”, disse Cashour. “Se o Congresso quiser facilitar mais pesquisa federal de substâncias controladas como a maconha, ele sempre pode optar pela eliminação dessas restrições.”

O departamento possui dois estudos pequenos em estágios iniciais. Um, em San Diego, verifica se o canabidiol, um componente não tóxico da maconha, pode ajudar os pacientes durante a terapia para transtorno de estresse pós-traumático. A previsão é de que prosseguirá até 2023. O outro, planejado na Carolina do Sul, examinaria os efeitos paliativos da maconha em doentes terminais.

“Em um sistema tão grande quanto o nosso, isso não é muito, com certeza não é o suficiente”, disse o dr. David J. Shulkin, que foi o primeiro secretário de Assuntos dos Veteranos do presidente Donald Trump antes de ser demitido em março.

Durante seu período como secretário, Shulkin relaxou algumas regras, permitindo que os médicos do departamento começassem a conversar com os veteranos sobre a maconha medicinal. Mas muitos veteranos o criticaram por não ir mais longe.

Shulkin disse que o emaranhado de burocracia que cerca estudos de drogas ilícitas não deveria mais ser uma desculpa para não realizá-los. “Temos uma crise de opioides, uma crise de saúde mental e temos opções limitadas sobre como tratá-las, de modo que devemos avaliar tudo o que é possível”, ele disse.

A pressão por mais pesquisa e por acesso à maconha medicinal no sistema de saúde dos veteranos não vem apenas das áreas liberais da Califórnia. As geralmente conservadoras Legião Americana e Veteranos de Guerras Estrangeiras são ambas favoráveis a uma maior pesquisa. E alguns dos maiores defensores são produtos das rígidas academias militares do país.

“A maconha é uma opção segura e responsável”, disse Nick Etten, um ex-Seal da Marinha formado em Annapolis que dirige um grupo de defesa chamado Projeto Cannabis dos Veteranos. “Ela ajuda nos três grandes problemas que enfrentamos após combates: dor, insônia e ansiedade. Também é mais segura do que muitos medicamentos.”

Mas o uso crescente de maconha medicinal entre os veteranos não é isento de risco. A maconha pode interagir com alguns medicamentos prescritos. O uso frequente pode levar a dependência e abuso. Novas formas de cannabis concentrada que são inaladas como vapor podem aumentar esses dois problemas. E o valor terapêutico da maconha no tratamento de dor crônica, transtorno de estresse pós-traumático e outros males está longe de claro.

Senhor de idade apoiado em um andador enquanto observa as opções de maconha em um balcão de vidro.

#PraCegoVer: fotografia de um senhor de idade apoiado em um andador enquanto observa as opções de maconha em um balcão de vidro onde se encontra um funcionário da Aliança de Veteranos de Santa Cruz. Créditos: Jim Wilson – NYT.

Os veteranos que procurarem online por informação sobre maconha medicinal encontram uma proliferação de depoimentos e alegações de marketing, muitos deles duvidosos. Várias empresas vendem óleo de maconha não psicoativo por até US$ 150 (cerca de R$ 560) a onça (28,3 gramas), que dizem ser rico em canabidiol, ou CBD. A Food and Drug Administration (FDA, agência federal reguladora de alimentos e fármacos) tem ido atrás daqueles que anunciam o canabidiol como tratamento para transtorno de estresse pós-traumático, pois isso viola suas regras.

Um relatório de 2017 pelos Institutos Nacionais de Saúde encontrou evidência de vários benefícios terapêuticos da maconha e de vários de seus componentes, mas disse que há pouca pesquisa relacionada especificamente a estresse pós-traumático.

“O CBD pode proporcionar um benefício imenso, o THC (tetraidrocanabinol) pode proporcionar um benefício imenso, mas também há riscos de abuso e resultados ruins”, disse Bonn-Miller, que está conduzindo vários estudos da maconha sem apoio financeiro do departamento. “Gostaríamos de saber mais, para podermos determinar o que funciona e o que não.”

A Aliança dos Veteranos de Santa Cruz, que é quem realiza a doação mensal, disse que se sentiu compelida a intervir na ausência do Assuntos de Veteranos. Os próprios produtores são veteranos que descobriram que a maconha os ajudou após o combate.

Aaron Newsom, que lutou no Afeganistão como fuzileiro, disse que participou de alguns “cenários sangrentos” enquanto esteve lá. “Quando voltei para casa, não conseguia deixar aquilo para trás”, ele disse. “Comecei a perder amigos, a perder empregos. Nada realmente importava após ser confrontado com vida e morte.”

Ele e Jason Sweatt, um veterano do Exército, agora cultivam milhares de pés de maconha em um depósito de 1.580 metros quadrados no sul de Santa Cruz e vendem grande parte de sua produção para os dispensários do Estado.

Um dos funcionários da aliança, Jake Scallan, foi enviado ao Iraque com as forças de segurança da Força Aérea e voltou com uma lesão cerebral traumática e transtorno de estresse pós-traumático. Ele disse que os médicos do Assuntos de Veteranos prescreveram para ele cinco remédios diferentes para ansiedade, depressão, dor e insônia.

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“Honestamente, não havia cura”, disse Scallan, 30 anos. “Eu vivia tão entorpecido que não conseguia lidar com nada.”

Após uma tentativa de suicídio e internação hospitalar em 2013, Scallan foi persuadido por um amigo a experimentar a maconha para sua ansiedade e depressão. “Foi como se de repente pudesse respirar de novo”, ele disse.

Ele agora usa um concentrado de alta potência que ele disse que o ajudou a recuperar sua vida, manter um emprego e se casar, o que ele fez em julho. “Eu estava realmente perdido e agora posso funcionar”, ele disse.

Tradutor: George El Khouri Andolfato

#PraCegoVer: fotografia (de capa) de William Horne, de 76 anos, vestindo uma camiseta com o logo da Aliança dos Veteranos de Santa Cruz e segurando um saco transparente contendo flores de maconha ao lado de uma balcão onde se encontra uma bandeja plástica cheia de frascos de remédios. Créditos da foto: Jim Wilson – NYT.

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