Pequena variante genética pode mudar a forma como o cérebro anseia por THC, diz estudo

Uma variante genética pode predispor camundongos — e pessoas — a um desejo por THC. Estudo mostra como a maconha pode ter efeitos únicos no cérebro de diferentes pessoas. Com informações da Inverse e tradução pela Smoke Buddies

Muitas pessoas experimentam maconha, mas apenas algumas se tornam verdadeiramente dependentes dela. Entre 30% e 10% das pessoas lutam contra o transtorno do uso de maconha, dependendo de quem você questiona, e os cientistas ainda estão tentando descobrir por que algumas pessoas lutam mais para deixar do que outras. Um novo estudo fornece pelo menos um “fator contribuinte” que começa em um único gene e afeta o cérebro durante a adolescência.

Em um estudo com camundongo, uma equipe de cientistas da Universidade Cornell encontrou evidências de que uma variante genética pode predispor camundongos a um desejo por THC — especialmente se for encontrado em camundongos fêmeas adolescentes. Eles descobriram que essa variante genética, chamada polimorfismo FAAH, está relacionada à “hiperconectividade” entre duas áreas do sistema de recompensa do cérebro.

Essa hiperconectividade, sugere o estudo, estava ligada a uma preferência maior pelo THC — um padrão que persistia mesmo quando os camundongos atingiam a idade adulta.

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Embora este tenha sido um estudo realizado em camundongos, pesquisas genéticas mostraram que essas mutações genéticas também existem em humanos. Cerca de 38% das pessoas de descendência europeia carregam a variante que esses cientistas propõem que poderia afetar as preferências do THC, observa o estudo.

Com base em seu trabalho anterior em humanos e camundongos com esse gene, Caitlin Burgdorf — a principal autora do estudo — diz à Inverse que ela acredita que pode haver mais repercussão nos seres humanos do que se poderia esperar de um estudo em ratos.

“Como resultado, prevemos que nossos achados comportamentais e anatômicos atuais do papel do polimorfismo FAAH nos fenótipos relacionados ao vício serão traduzidos para os seres humanos”, diz ela.

O estudo foi publicado nesta quarta-feira na Science Advances.

Por que o polimorfismo FAAH é importante

Por fim, essa variante genética interfere com a atividade de uma enzima no cérebro chamada amida hidrolase de ácidos graxos (FAAH), que afeta o sistema endocanabinoide do corpo.

O sistema endocanabinoide é uma série de neurotransmissores e receptores em todo o corpo que regulam o humor, a experiência da dor e várias outras experiências. O corpo produz naturalmente endocanabinoides (eles são responsáveis ​​pela ‘alta do corredor’, por exemplo). Mas a maconha também é uma fonte potente deles, mas no caso da droga, eles são chamados de canabinoides exógenos, pois vêm de uma fonte externa.

O mecanismo que esses cientistas queriam testar afeta um dos principais receptores endocanabinoides chamado CB-1. Quando a FAAH está funcionando naturalmente, regula um endocanabinoide que se liga a esse receptor. Como os autores observam no artigo, a funcionalidade da FAAH tem efeitos “generalizados” na maneira como as pessoas se comportam em torno das drogas.

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Por exemplo, um estudo de 2019 publicado no The Lancet Psychiatry descobriu que uma droga que pode prejudicar a FAAH pode ajudar a afastar as pessoas da maconha. Outros estudos, realizados em seres humanos, descobriram que pessoas com a mesma alteração genética observada nesses camundongos eram mais propensas a depender da maconha do que aquelas que tinham um genótipo diferente.

“Estudos em humanos mostraram que o polimorfismo da FAAH está associado ao uso problemático de drogas e a uma maior probabilidade de experimentar cannabis em primeiro lugar”, diz Burgdorf. “Nosso estudo mostrou o mecanismo pelo qual isso pode estar acontecendo”.

Aqui, os cientistas queriam ver como a atividade da FAAH afetava as preferências por THC em camundongos, aprofundando seus sistemas de recompensa. Por fim, eles descobriram que nos camundongos que não tinham atividade da FAAH devido a seus genes existia maior conectividade entre a área tegmental ventral (ATV) e o núcleo accumbens. Esse é um caminho crucial pelo qual a dopamina (o neurotransmissor relacionado à recompensa) é transportada pelo cérebro.

Essa “hiperconectividade”, como disseram os cientistas, atuou na maneira como os camundongos se aproximavam do THC.

Se você der um pouco de THC ao camundongo

No experimento, a equipe colocou camundongos com a variante genética e aqueles sem ela em uma gaiola de dois cômodos. Em uma sala, eles receberam uma solução de THC e aprenderam a associar essa sala à droga. Na outra, os camundongos permaneceram sóbrios.

Os camundongos sem o polimorfismo não pareciam gostar muito da ‘alta’, e saíram da sala de THC. Mas os ratos com o polimorfismo preferiram a sala onde conseguiram o THC. É importante ressaltar que esse padrão parecia permanecer nos camundongos quando chegavam à idade adulta.

Em uma declaração, os autores sugeriram que um dia essa variante poderia ajudar a prever se alguém (uma adolescente, passando por este estudo) pode ter problemas com a dependência da maconha. No entanto, este estudo sobre um gene não é suficiente para realmente capturar esse risco.

Há muitas razões pelas quais as pessoas podem recorrer à maconha em primeiro lugar e permanecer com ela, variando de sua própria ansiedade, insônia e pressões sociais.

Mas o que este estudo pode fazer é mostrar como a maconha pode ter efeitos únicos no cérebro de diferentes pessoas, e que esses efeitos são moderados por coisas que vão do sistema de recompensa do cérebro até os genes.

O cérebro adolescente é um lugar já tumultuado que muda rapidamente e, para alguns, essa variante pode mudar a maneira que a maconha interage com esse ambiente complicado. Esses efeitos podem durar a vida inteira.

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#PraCegoVer: em destaque, ilustração que mostra um cérebro formado por folhas de maconha e um fundo branco. Imagem: Shutterstock.

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