Usar maconha pode ser motivo de denúncia procedente no Conselho Tutelar? Pergunte ao Doutor!

Imagem que mostra uma faixa translúcida verde com a frase “Pergunte ao Doutor”, em branco, e a foto e nome de Erik Torquato e, atrás desta, a foto de uma balança antiga e um fundo totalmente desfocado. Papai Noel.

A criminalização do uso de maconha tem reflexos políticos, sociais e econômicos, mas também gera profundo impacto nos núcleos familiares, além de dúvidas. Morar com um familiar que cultiva pode trazer riscos a toda a família? O consumo dos pais pode gerar denúncia procedente no Conselho Tutelar? As principais questões que envolvem família e maconha são esclarecidas pelo advogado Erik Torquato na coluna Pergunte ao Doutor!, a seguir

Se há denúncia e apreensão policial de um cultivo de maconha, familiares que vivem sob o mesmo teto estão sob o risco de serem acusados como cúmplices?

Na maioria das vezes em que um cultivo de maconha é encontrado pela polícia aqueles que residem no imóvel acabam ao menos sendo ouvidos em sede policial ou em juízo. Isso não quer dizer que necessariamente serão considerados cúmplices ou responsabilizados criminalmente pelo cultivo, mas pode acontecer. A lei penal prevê a responsabilidade subjetiva (pessoal) de quem pratica o ilícito. Quando há um usuário cultivando em ambiente familiar, os parentes na maioria das vezes apenas toleram o cultivo, não participam e nem consomem. Então caso ocorra de a família ser levada para depor é importante que todos deixem claro quem é o verdadeiro usuário e que apenas houve tolerância do cultivo por entender que era o melhor caminho para proteger o familiar dos riscos da proibição. Este é o ideal, mas é sempre importante lembrar que o tratamento das autoridades é diferente quando se trata de família preta, pobre ou moradora de favela.

Existe a possibilidade de que um usuário de maconha se prejudique, por este fato, em caso de disputa familiar por herança?

Fumar maconha ou até mesmo responder criminalmente por qualquer crime da lei de drogas não traz risco de perda de herança, pois o que importa é a relação do herdeiro com a pessoa que morreu. O direito à herança só será perdido por quem for considerado indigno ou for deserdado — e estas palavras têm sentidos bem próprios. Pelo Código Civil, para efeitos de sucessões, poderão ser declarados indignos aqueles que atentarem contra a vida do autor da herança, sua honra ou liberdade de fazer testamento e poderão ser deserdados aqueles que praticarem ofensa física, injúria grave, manter relação ilícita entre familiares (como o filho manter relação sexual com a madrasta, por exemplo) ou desamparo familiar. Como dá pra ver, a reprovabilidade das condutas que levam à exclusão da herança é bem própria e pessoal, não sendo relevante uma mera reprovabilidade social ou criminal em relação a alguma conduta, como o hábito de usar maconha.

O que diz a lei sobre a proteção a crianças e adolescentes quanto ao uso de substâncias ilícitas, como a maconha, ou reguladas, como álcool e tabaco?

A lei diz que toda criança e adolescente precisa ser protegida integralmente de toda e qualquer exposição a riscos. Dentre esses riscos estão inseridos o uso abusivo de substâncias que causem dependência física, química ou psíquica. A oferta ou entrega de substâncias nocivas à saúde de criança e adolescente, sem amparo médico, configura uma violação de direito e poderá acarretar em responsabilização do adulto que disponibilizou à criança ou adolescente substâncias consideradas nocivas à saúde. A regulamentação do álcool e do tabaco é mais específica quanto à proibição de serem oferecidos a menores de 18 anos. A lei de Contravenções Penais, Decreto-Lei nº 3.688/1941, em seu artigo 61, inciso I, considera contravenção oferecer bebidas alcoólicas para menores de 18 anos. Também é importante ver o que o Estatuto da Criança e do Adolescente, de 1990, diz em seu Art. 243 que é crime “vender, fornecer ainda que gratuitamente, ministrar ou entregar, de qualquer forma, a criança ou adolescente, sem justa causa, produtos cujos componentes possam causar dependência física ou psíquica, ainda que por utilização indevida”. Além do ECA, a Lei de Drogas é aplicável toda vez que a substância oferecida a criança/adolescente for considerada ilícita, sendo o agente considerado traficante. Desse modo, a pessoa que for acusada de oferecer substâncias nocivas à saúde de crianças ou adolescente poderá responder por dois crimes: em caso de substâncias lícitas como cigarro e bebida, aquele que oferta ou entrega para consumo poderá responder pelo crime previsto no ECA; em caso de drogas proibidas, se aplicará a Lei de Drogas. Em ambos os casos poderá ser somada a pena prevista para o crime de corrupção de menores, também previsto no ECA.

O consumo de maconha dentro de casa pode ser considerado como denúncia procedente contra os pais no Conselho Tutelar?

Depende. A denúncia isolada de uso maconha não deve prejudicar os pais. Entretanto, o Conselho Tutelar, ao receber uma denúncia de que uma criança possa estar em ambiente de risco, irá avaliar dentre outros aspectos se a criança está sendo submetida a um contexto familiar de falta de cuidado. Se a criança não estiver recebendo atenção mínima para o seu pleno desenvolvimento sadio (cuidados com saúde, alimentação, educação, higiene, segurança, afeto), o uso de drogas poderá ser somado como elemento comprobatório da falta de cuidado por parte dos pais, podendo o Conselho Tutelar intervir em prol da proteção do melhor interesse da criança ou do adolescente.

Em que medida usar maconha pode colocar em risco a guarda dos filhos a uma mãe/um pai em eventual divórcio litigioso?

Na medida que há uma disputa judicial pela guarda de um filho, o juiz avaliará sempre o que é melhor para a criança. Nessa análise todos os aspectos da vida dos envolvidos na disputa serão examinados pelo juiz e por sua equipe. Assim, o fato de um dos envolvidos ser classificado como usuário de maconha poderá ser usado para demonstrar um potencial risco ao pleno desenvolvimento da criança na medida em que poderá ser alegado o risco de exposição a situação degradante. Contudo, não acredito que isoladamente o fato de ser usuário seja suficiente para uma decisão destas. O que deverá pesar para decisão quanto a guarda de filhos é a análise da realidade de cada um dos pais para ver qual que tem melhores condições de garantir proteção integral dos interesses da criança como educação, saúde, alimentação, higiene, segurança… Portanto, ser usuário, simplesmente, não é determinante. O importante é demonstrar responsabilidade.

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#PraCegoVer: em destaque, imagem que mostra uma faixa translúcida verde com a frase “Pergunte ao Doutor”, em branco, e a foto e nome de Erik Torquato e, atrás desta, a foto de uma balança antiga e um fundo totalmente desfocado.

Sobre Erik Torquato

Advogado criminalista e ativista pelo fim da guerra às drogas. Membro da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas - Rede Reforma. Conselheiro do Núcleo de Álcool, Drogas e Saúde Mental da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. Co-fundador da RENCA. Militante da Marcha da Maconha. (11) 97412-0420. E-mail eriktorquato.adv@gmail.com Tel: 21-97234-1865 / e-mail eriktorquato.adv@gmail.com
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