Uma conversa com Emílio Figueiredo sobre Habeas Corpus para cultivo de cannabis

Fotografia em plano americano de Emílio Figueiredo vestido com traje social em tons de azul (parte direita da foto), ao lado de um cultivo indoor de cannabis.

“Nada de Doutor, aqui é Emílio. Doutor é só na Academia”, lança, logo de cara, o advogado Emílio Figueiredo, em entrevista ao vivo sobre Habeas Corpus para cultivo de cannabis, que rolou na última quinta (25), no Instagram da Smoke Buddies

Se tal título, comumente associado aos profissionais do Direito, não faz jus à figura que Figueiredo representa no cenário jurídico brasileiro, é certo que seu conhecimento ao longo de uma década atuando na área, sua experiência em processos, cíveis e criminais, relacionados à maconha e sua visão contextualizada e crítica sobre a política de drogas inspiram a admiração e o respeito inerentes aos grandes mestres do saber.

E foi assim, como uma grande aula, que Emílio contou parte de sua história, costurada, em trama firme, com a evolução das conquistas de salvo-conduto para cultivo de cannabis para uso terapêutico em todo o país. De acordo com o advogado, que é diretor da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas, hoje são 81 HCs do tipo concedidos — dos quais ele participou, direta ou indiretamente, de cerca da metade, incluindo o primeiro, impetrado em outubro de 2016.

“A gente tentou medidas judiciais que não o Habeas Corpus no começo. Tentamos ações cíveis para garantir que essas pessoas pudessem cultivar em paz”, relatou Emílio. “Eu sou civilista. Então, não neguei minha natureza. A ação que eu entrei em julho de 2016 até hoje não tem sentença”.

Foi aí que seu sócio, o advogado Ricardo Nemer, teve uma ideia. “O Ricardo falou: ‘Emílio, porra, para de pensar como um civilista! A gente tem que entrar com Habeas Corpus, cara. A gente vai fazer o absurdo, usar uma ação penal para garantir o acesso à saúde’. E assim a gente fez”.

A iniciativa que abriu caminho para tantas decisões favoráveis ao cultivo caseiro de maconha é uma das curiosidades que Emílio compartilhou durante o bate-papo, que passou por questões práticas sobre o Habeas Corpus, como possíveis requisitos e os riscos inerentes ao processo.

Confira a conversa ao vivo na íntegra, a seguir, e os principais pontos na entrevista por escrito, abaixo.

Smoke Buddies – O que é um Habeas Corpus preventivo?

Emílio Figueiredo – Nesse caso, o Habeas Corpus é via da tutela jurisdicional para afastar a possibilidade da criminalização da conduta de cultivar a Cannabis sob o argumento que se trata de uma forma de acesso à saúde. O processo de Habeas Corpus em si é simples, mas a relação entre o ser humano e a cannabis é de uma complexidade singular. Explicar para um juiz que uma conduta que é descrita em lei como crime em certos casos concretos não pode ser considerada assim demanda um grande conhecimento sobre a cannabis, desde o seu cultivo até a interação de suas substâncias.

SB – Para quem pretende/necessita fazer o uso medicinal da cannabis e opta pelo cultivo doméstico, o melhor caminho é iniciá-lo antes de solicitar o Habeas Corpus? E neste período entre a impetração e a decisão, há como se proteger?

O primeiro passo é buscar respaldo médico para usar a cannabis como ferramenta terapêutica e estar com receita, laudo e orçamento do produto prescrito, seja importado ou nacional. Não tendo condições de arcar com os custos da aquisição pela via comercial regulada, a pessoa passa a buscar informações sobre o cultivo, sobre as melhores técnicas, genéticas e viabilidade. Com isso passa a cultivar para garantir acesso ao remédio artesanal. Obtendo sucesso no cultivo e no tratamento, deve voltar ao médico pedindo um laudo observacional sobre o sucesso no tratamento a partir do uso do produto artesanal feito por si mesmo. Só então, na minha opinião, é o momento de impetrar o Habeas Corpus. Caso tenha alguma intercorrência antes da concessão do Habeas Corpus, devem ser apresentados os documentos médicos que indicam o uso de cannabis como ferramenta terapêutica, informando que o cultivo é o acesso ao remédio.

SB – Qualquer paciente, com qualquer doença, pode impetrar um HC?

Qualquer pessoa que use a Cannabis como ferramenta com respaldo médico que já esteja cultivando e usando produto feito por si.

SB – Por quanto tempo vale um Habeas Corpus?

Em quase todos os casos que trabalhei, o Habeas Corpus não tem um prazo definido, ou seja, mantendo as mesmas condições, não havendo desvio de finalidade, a decisão é perpétua. Em uma decisão de processo que trabalhei há o prazo de 5 anos.

SB – Uma mudança na legislação pode anular meu HC?

Não há forma de caçar a decisão de um Habeas Corpus já transitado em julgado (definitivamente decidido). Qualquer decisão anulando um Habeas Corpus já decidido seria característico de um estado de exceção, como uma ditadura.

SB – Dos Habeas Corpus para cultivo caseiro de cannabis para fins medicinais em que você participou, direta ou indiretamente, há algum ponto determinante, comum a todos os processos, que você destacaria como fundamental para a obtenção do salvo-conduto?

O ponto fundamental é estar cultivando com efetiva capacidade de preparar o remédio em casa.

SB – O Habeas Corpus é uma ação judicial que pode ser impetrada por qualquer cidadão, não necessariamente por um advogado. Se, de um lado, isto permite democratizar a ferramenta, por outro, você acredita que também pode permitir que a falta de experiência ou conhecimento específico gere jurisprudência desfavorável? Como lidar com isso?

Não há muito o que fazer nessa situação. Cada um que arque com as consequências de seus atos, principalmente de se meter em aventuras jurídicas em casos tão sensíveis. Se vier a ocorrer decisões desfavoráveis, o meu trabalho será demonstrar que esses casos não podem ser considerados paradigmáticos para gerar um efeito de guiar outras decisões.

SB – De acordo com sua experiência, você sente que, na prática, a Justiça está mudando, ao longo dos anos, o olhar para a cannabis medicinal?

Sim, é notável que o judiciário foi o primeiro poder do Estado a reconhecer a Cannabis como uma ferramenta terapêutica. Desde a primeira ação de autorização do “óleo de CBD” até as recentes decisões de Habeas Corpus para cultivo, o judiciário tem sido sensível e eu narro isso em um texto que publiquei em meu perfil no Linkedin.

SB – Qual a importância de capacitar profissionais conscientes sobre a cannabis para um contexto mais amplo, que remeta à função social da legalização?

É fundamental que os profissionais tenham consciência do processo histórico da Cannabis no Brasil, principalmente por ser centrado no racismo e no uso da violência contra um extrato selecionado da sociedade. A construção de um modelo regulatório que seja coerente e eficaz demanda um complexo processo de compreensão dessa realidade.

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Emílio Figueiredo é professor no curso Cannabis: Habeas Corpus e outras medidas judiciais, da Open Green, que tem inscrições abertas até dia 30/6, com 50% de desconto usando o cupom 50%OFFSB.

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#PraCegoVer: fotografia (em destaque) de Emílio Figueiredo vestido com traje social em tons de azul (parte direita da foto), ao lado de um cultivo indoor de cannabis. Foto: Eduardo Monteiro.

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Sobre Thaís Ritli

Thaís Ritli é jornalista especializada em cannabis e editora-chefe na Smoke Buddies, onde também escreve perfis, crônicas e outras brisas.
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