Um presente dos Deuses: os usos da cannabis nas religiões

Fotografia que mostra um homem, em primeiro plano e meio perfil, usando um turbante de cor amarelo-açafrão e fumando cannabis em um chillum que segura entre os dedos indicador e médio, enquanto junta as mãos formando uma câmara por onde passa a fumaça antes de ser inalada. Foto: Abishek Photographer | Wikimedia Commons. Religiões

Classificada como erva santa por quem se beneficia de seus poderes, mas também como a erva do demônio pelos proibicionistas, a maconha possui alguma ligação com a religião?

Como a população ocupante do planeta Terra é majoritariamente ligada, de alguma forma, a religiões, cultos ou credos, é inevitável, até para os mais ateus, ver doutrinas coibindo o uso e ocultando os benefícios da maconha. Mas nem sempre foi assim, e o que descobrimos pode te surpreender.

A maconha não apenas foi usada em cerimônias religiosas, como também tem uma tradição de longa data, assim como várias religiões pelo mundo. Nosso ponto de partida nesta viagem mística é uma região que tem relação milenar com a planta: a China.

Cannabis no Taoísmo — China

Os xamãs taoístas usavam cannabis combinada com Ginseng para revelar a verdade sobre o futuro, acreditando que a planta tinha a capacidade de lançar seu espírito no tempo. No Taoísmo, o consumo de maconha era reservado aos religiosos e não era compartilhado com pessoas comuns, o que poderia explicar sua estranha exclusão dos textos antigos. Por volta de 206 a.C., a dinastia Han da China Imperial abraçou o confucionismo, abandonando o taoísmo e, com ele, a maconha.

Cannabis no Xintoísmo — Japão

A cannabis foi a substância mais importante para as pessoas e a cultura no Japão pré-histórico. Os primeiros vestígios da planta foram sementes e fibras descobertas no oeste do país, datadas do período Jomon, que durou de 10.000 a.C. até 300 d.C. Os arqueólogos sugerem que as fibras de maconha, conhecidas por sua resistência, foram utilizadas em roupas bem como em cordas de arco e linhas de pesca e, com o passar do tempo, o cultivo se tornou um dos traços marcantes da identidade japonesa, especialmente, no contexto religioso.

“No Xintoísmo, marcado por fé ancestral e animismo, não há doutrinas, deuses ou gurus absolutos. Busca-se um estado que requer dois pontos: uma limpeza visível e um tipo de limpeza ‘invisível’ do corpo. A limpeza física é feita com água. A invisível, com fibras de cannabis. Isto é, a planta é absolutamente necessária para rituais xintoístas. Cannabis está na raiz da religião japonesa”, explica Junichi Takayasu* à BBC Brasil.

*Junichi Takayasu é um defensor japonês dos direitos do cânhamo, considerado “um dos principais especialistas do Japão em maconha”. Ele é o curador do Taima Hakubutsukan em Nasu, província de Tochigi, que ele fundou em 2001.

Cannabis no Hinduísmo — Índia

Ao tempo em que o consumo da cannabis ligado ao Taoísmo desaparecia na China, o uso da planta estava apenas começando na Índia. Dizem que os deuses enviaram o cânhamo por compaixão pela raça humana, para que possam obter deleite, perder o medo e aumentar os desejos sexuais. Algumas histórias hindus sugerem que a maconha se originou de um néctar que caiu do céu.

A crença mais popular conta que, em certa ocasião, vários deuses e demônios agitavam o oceano cósmico de leite para obter amrita — o elixir da imortalidade —, quando se depararam com muitas substâncias incomuns, incluindo um veneno mortal, o halahala. Aterrorizados, os deuses se aproximaram de Shiva para pedir ajuda e compaixão por todos os seres vivos. A divindade atendeu ao pedido e bebeu a toxina. No caminho por onde passaram, os deuses acabaram derrubando algumas gotas do elixir, que produziu milagres nos locais onde foi derramado. Em um desses lugares, Shiva encontrou o ‘bhang’, o comeu e foi curado do envenenamento.

Qualquer que seja a história em que você acredite, não há dúvidas de que a maconha têm um lugar sagrado na fé hindu até os dias de hoje. Flores, incenso e outras ofertas são feitas, enquanto orações e cânticos devocionais são cantados sobre a planta. O Bhang, elixir feito a partir da cannabis, é consumido por muitos, na ocasião do Shivratri, uma festa religiosa celebrada na 13ª noite / 14º dia do mês de Magha/Phalguna, no calendário hindu, pelos devotos que oferecem orações especiais ao deus Shiva, o qual acredita-se ser o deus da destruição e da dança cósmica.

Cannabis no Budismo — Tibete

A Índia e o Tibete compartilham, além de uma fronteira, uma rica tradição de consumo religioso da maconha. O Tibete é uma nação historicamente budista. No budismo mahayana, um dos dois principais ramos da religião, dizem que o Buda Gautama sobreviveu com uma semente de cânhamo por dia durante seis anos para ajudar no desenvolvimento do seu caminho para a luz. Às vezes, Buda é representado segurando uma tigela de “soma”, possivelmente de cannabis. Os praticantes do budismo costumavam consumir maconha para facilitar a meditação ou aumentar a conscientização durante as cerimônias religiosas.

Cannabis na Antiga Religião Grega — Grécia

As antigas culturas de Scythia e Assyria eram conhecidas por ter o incenso de cannabis como item indispensável em cerimônias religiosas. Heródoto, historiador grego do século V a.C., conhecido como “Pai da História”, escreveu que os scythianos realizavam cerimônias religiosas em estruturas parecidas com tendas, onde queimavam plantas de cânhamo em incensários. Os participantes inalavam fumaça para fins ritualísticos e euforia.

Acredita-se que os assírios usavam incensos de cannabis já no século IX a.C., embora ainda não haja evidências arqueológicas para apoiar essa alegação. Sabe-se, no entanto, que os assírios usavam incenso de cannabis para afastar os maus espíritos. Era comumente queimado durante rituais funerários e para expulsar espíritos malignos dos quartos das crianças.

Cannabis na religião Rastafári — Jamaica

O movimento Rastafári acredita na existência de um único deus, Jah, e envolve o uso espiritual da maconha e a rejeição do materialismo e da opressão. O rastafarismo tornou-se popular graças a Bob Marley nos EUA e no mundo, o que levou o uso de maconha pelos rastafáris ser debatido no século XX. Processos judiciais prolongados culminaram na Lei de Liberdade Religiosa e Restauração, de 1993, nos EUA, que declara a legalidade do consumo da maconha e outras substâncias para fins espirituais e religiosos.

Cannabis no Cristianismo e no Judaísmo

A maconha é claramente proeminente nas antigas religiões orientais, mas há estudiosos que acreditam que as tradições judaica e cristã também usavam a planta. Em 1936, a etnóloga polonesa Sula Benet propôs uma nova interpretação radical do texto hebraico do Antigo Testamento: segundo ela, uma tradução incorreta que ocorreu da versão original para o grego do Antigo Testamento confundiu a palavra hebraica para cannabis, Kaneh bosm, como calamus, uma planta tradicionalmente usada para fazer fragrâncias. Se a tradução dela estiver correta, isso mudaria fundamentalmente nossa compreensão do Antigo Testamento. Referências ao Kaneh bosm são feitas em Êxodo, Cântico dos Cânticos, Isaías, Jeremias e Ezequiel. No Êxodo, Deus ordenou a Moisés que fizesse um óleo sagrado que consistisse em mirra, canela, cássia e Kaneh Bosm.

O que podemos aprender com isso?

A cannabis não só existe há muito tempo, como é parte importante das tradições religiosas pelo mundo. Com o passar do tempo, poucas religiões mantiveram suas tradições, mas à medida que a cannabis é regulamentada e volta a ser vista como algo normal pela sociedade, antigas e novas tradições espirituais voltam a aparecer.

Leia também – Dicionário da maconha: termos, expressões e nomes do universo canábico

#PraCegoVer: fotografia que mostra um homem, em primeiro plano e meio perfil, usando um turbante de cor amarelo-açafrão e fumando cannabis em um chillum que segura entre os dedos indicador e médio, enquanto junta as mãos formando uma câmara por onde passa a fumaça antes de ser inalada. Foto: Abishek Photographer | Wikimedia Commons.

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