“Tudo depende de uma regulação em nível nacional”, diz empresário Facundo Garretón sobre avanço da cannabis na Argentina

Fotografia em primeiro plano de Facundo Garretón, usando óculos de armação escura e roupa branca, com a luz do sol incidindo do fundo. Imagem: acervo pessoal / cedida ao Industria Cannabis.

Facundo Garretón é empresário, natural da província argentina de Tucumán, tem 47 anos e investe em cannabis no Uruguai e na Colômbia desde 2018. Pioneiro em seu país nas áreas de finanças e tecnologia e deputado nacional durante um mandato, Garretón atualmente é o responsável pelas empresas de cannabis YVY Life Sciences e Blueberries Medical Corp. O editor de Industria Cannabis, Gabriel Murga, conversou com o empresário sobre suas opiniões a respeito do avanço da cannabis na Argentina e na América Latina, confira a seguir

Como você vê os avanços no mercado de cannabis tanto em termos legais quanto em termos de avanço do investimento global nos últimos três anos?

Há claramente uma demanda global não atendida por produtos de cannabis em geral. Quando falo em cannabis, é preciso entender que é um mercado amplo. Existem três grandes eixos: medicinal, recreativo (uso adulto) e industrial. Acredito que, principalmente nos dois primeiros eixos, existe uma demanda insatisfeita que é enorme. A questão é que essa demanda do mercado é altamente condicionada por questões regulatórias. Embora tenha progredido rapidamente em termos legais, claramente o contexto global faz com que se atrase, principalmente devido aos sistemas de saúde e tudo que entrou em colapso pela Covid-19. Tudo isso significa que as questões regulatórias estão sendo adiadas especificamente. Está progredindo, mas passo a passo e lentamente. Ou seja, essa demanda global, que é enorme, está condicionada principalmente por termos legais. Nesse contexto, há um ponto que é relevante e que não é menor do que essa demanda. Diante dessa demanda, muitos começaram a investir sem entender muito sobre o setor. Isso fez com que surgissem, como no início de qualquer indústria, “bolhas” que crescem e depois explodem. Nesse contexto, muitas coisas foram superdimensionadas. Muitas pessoas fizeram investimentos muito grandes durante 2017 e 2018, principalmente. Essa bolha em parte começou a crescer do final de 2018 até 2019, e no final de 2019 começou a estourar. Sempre faço um paralelo com as “pontcom” em 1998, 1999, quando todo mundo queria investir nas “.com” e claramente uma bolha foi criada. Sem dúvida a oportunidade existia e, naquela época, quem investiu em empresas como Amazon ou Mercado Livre claramente multiplicou sua receita de forma significativa, mas quem escolheu mal teve prejuízo. Acho que algo semelhante acontece nesta indústria. Você tem que ter cuidado com o setor em geral e saber onde investir.

Você acha que a mídia e a tecnologia estão aliadas para uma mudança na imagem da cannabis para o século 21?

Há uma série de fatores: acho que existe uma maturidade social, existe um conhecimento muito maior. E isso sim, se deve em parte à informação que existe, e como você diz à tecnologia, que qualquer um pode acessar muita informação e treinamento, e uma maior amplitude de consciência, e isso faz com que a maioria das pessoas hoje esteja a favor da regulamentação ou legalização da cannabis. Na verdade, uma pesquisa nos Estados Unidos apontou recentemente que mais de 70% da população é a favor e o mesmo está acontecendo na América Latina. E, como diz um amigo meu, “há um clamor popular”. E quando há um clamor popular todos começam a se alinhar. Além disso, os mesmos políticos que estão constantemente medindo o que seus eleitores querem, quando veem esse tipo de iniciativa onde há clamor popular e as pessoas querem algo, acabam por se alinhar. Acredito que este seja o primeiro fator que está fazendo com que se regulamente mais rapidamente, levando em consideração que existe esse clamor que ocorre principalmente por meio da informação e do acesso à tecnologia.

Os avanços no desenvolvimento do chamado turismo canábico têm enfrentado resistências no Uruguai, embora tenha um horizonte visível. Já no norte do continente se consolida com Nova York como exemplo de perspectiva de liderança para esta nova década. Há espaço para a Argentina? E que viabilidade você vê para algo além da cannabis com seu uso exclusivo na saúde?

Na cannabis e seus grandes eixos, tudo o que está ligado ao recreativo tem mais resistência nos diferentes países. Especificamente no Uruguai, temos conversado com alguns senadores, deputados, ministros sobre essa possibilidade, levando em consideração que o Uruguai é um país que foi o primeiro país do mundo a regulamentar a indústria da cannabis, está aberto ao diálogo, para ouvir, embora haja clara resistência em diferentes setores; no entanto, é bom que esse diálogo esteja ocorrendo especificamente no Uruguai. A Argentina quer tomar a cannabis como algo estratégico dentro de sua matriz produtiva também, mas hoje os problemas que a Argentina tem, devido ao seu contexto político e econômico somado à Covid, fazem com que não possa priorizar como se deveria tudo isso. Vejo que é difícil na Argentina, considerando as prioridades que existem. Embora haja vontade política de desenvolver toda uma indústria em torno disso, acho que será bastante caótico e mais lento do que muitos imaginam. Acho que é importante na Argentina que regulamentem aprendendo o que aconteceu no Uruguai, o que está acontecendo no México, vendo exemplos como o Canadá e alguns estados dos Estados Unidos. Portanto, é importante que os diferentes elos da cadeia produtiva de valor sejam regulamentados, não apenas a questão do cultivo. Todo mundo pensa em legalização e pensa em plantar. Quando existem várias outras cadeias de valor, que vão desde quais serão os padrões de extração, se poderá exportar ou não, se haverá manufatura. Se sim, de que tipo? O uso será apenas medicinal ou vai alcançar alimentos, bebidas? Há muitas coisas a fazer e acho que a Argentina tem muitos problemas hoje para focar nisso, espero que consigam, mas me dá a sensação de que não há força para fazer isso.

Há um progresso crescente nas províncias do país na questão da cannabis, mas apenas na questão medicinal, não para o cânhamo ou outros avanços. O senhor foi deputado pela província de Tucumán na última legislatura. Você acha que, do ponto de vista político, a maconha pode ser um assunto em que as discussões podem avançar para um consenso na Argentina?

Existem municípios que estão avançando e também províncias inteiras. Mas tudo depende de um marco regulatório em nível nacional. Portanto, se não houver clareza em nível nacional, é muito difícil fazer algo em nível provincial. Como exemplo, Jujuy obteve todas as autorizações pertinentes para produção, plantio, inclusive extração também, mas não tem certeza do que pode fazer com isso. Então você quer vender isso e não pode fazer. Você quer transportar para outra província para fazer extrações e também não há clareza sobre isso, sem falar na possibilidade de exportação. Em vez de ser claro sobre a legislação municipal e provincial, você precisa ser claro em nível nacional e isso ainda não acontece.

Exceto pela iniciativa entre a Pampa Hemp e o INTA e a mais recente proposta em Mendoza, a maioria dos projetos na Argentina ainda são da esfera pública. O que você acha das iniciativas provinciais estaduais na Argentina, como a de Jujuy com a Cannava S.E., e que horizonte você vê na Argentina em termos de produção privada?

Quanto aos projetos existentes na Argentina, você mencionou Cannava, ou algumas associações como em La Rioja, onde existem associações público-privadas. Não gosto deste modelo. Acredito que cada um tem que focar no que sabe fazer. E o papel do Estado não é desenvolver esse tipo de iniciativa na minha perspectiva. Eu acredito que o que o Estado tem a fazer é gerar regras claras para que o setor privado desenvolva diferentes tipos de negócios, e cobrar impostos dos privados, e com base nessa arrecadação fazer os repasses para a área social. Não me parece interessante que as províncias entrem no mercado. Talvez o modelo mais atraente seja justamente Mendoza, porque está criando um contexto para que os investidores privados aportem financeiramente ali. Se você analisar o que aconteceu em Jujuy, eles começaram com um modelo dessas características e acabou sendo outra coisa. Os privados que estavam em Jujuy foram embora e só ficaram os do Estado. Na minha perspectiva, sim, o Estado tem que fornecer o contexto apropriado para que o setor privado se desenvolva.

Como são as iniciativas em matéria de cannabis que você realiza no Uruguai e na Colômbia? Quais são os principais eixos estratégicos de cada iniciativa no Uruguai e na Colômbia que podem ser replicados na Argentina?

Estamos investindo em empresas que atuam em diferentes elos da cadeia produtiva de valor. No Uruguai, por exemplo, estamos muito focados no cultivo em geral, onde já temos um modelo de negócio baseado na exportação de flores. Obviamente, é um processo que tem sua complexidade, no sentido de que vai desde a genética, as sementes, todo o processo de plantio, cuidado do solo, irrigação, até a colheita, todo processo de secagem, poda, embalagem, bolsa com nitrogênio para exportação. Enquanto na Colômbia nos concentramos mais no próximo elo da cadeia de valor da produção que está relacionado à extração, onde temos equipamentos especiais, fazemos extrações em tecnologia zero supercrítica e oferecemos serviços a terceiros a partir de nossas próprias extrações. Paralelamente a esses dois, estamos avançando também com as operações no México e no Peru, e esperamos que a Argentina o faça em breve, uma vez que haja clareza na legislação.

Além de projeções impressionantes para os próximos anos, a indústria da cannabis tem resultados práticos, como o maior motor de geração de empregos nos Estados Unidos, segundo o relatório Leafly no ano de 2020. Que impacto a cannabis poderia ter do ponto de vista econômico como commodity e como um dos símbolos de um novo aspecto econômico para a Argentina e para toda a América Latina nesta nova década?

Pode ser alto, se bem regulado. No sentido que hoje, quando se olha para a Argentina e sua matriz produtiva, percebe-se que quase 50% das variáveis produtivas estão associadas ao agronegócio, quase na totalidade soja e derivados em geral. Acredito que é importante diversificar esse tipo de matriz produtiva e acredito que a cannabis pode ter uma parte importante disso, mas desde que seja bem regulamentada. Acredito que o maior gargalo que existe hoje está relacionado à regulação. Se for gerado o contexto adequado, como foi feito na época com a soja, ou qualquer tipo de produto dessas características, onde o estado gera regulamentações, mas as privadas desenvolvem, acho que é uma boa oportunidade para o país.

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#PraCegoVer: fotografia em primeiro plano de Facundo Garretón, usando óculos de armação escura e roupa branca, com a luz do sol incidindo do fundo. Imagem: acervo pessoal / cedida ao Industria Cannabis.

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