The Hashish Club: o haxixe e o movimento romancista de Paris

Pintura realística de um homem com os olhos cerrados, do peito para cima, vestido com blazer e cartola amarelos e camisa branca, segurando uma luva branca junto a uma bengala; uma fumaça amarela vem de baixo, no primeiro plano, e, circundando a cartola, vai até o plano de fundo em tom de azul (parte direita da imagem), com detalhe para uma mão de cor azul-claro e grandes unhas vermelhas sobre seu ombro; na parte esquerda, pode-se ver sua sombra produzida sobre a pintura de um corpo feminino. Imagem: B. Emmett | High Times. Haxixe.

Na edição de julho de 1979 da High Times, a icônica história do haxixe e sua introdução na cultura europeia por entusiastas e autores do movimento romancista foi relatada no artigo de Albert Goldman. Saiba como foi a curiosa trajetória do hash parisiense na tradução pela Smoke Buddies

Embora o cânhamo tenha sido uma droga familiar há milhares de anos no Oriente, ele não entrou nos recintos cuidadosamente guardados da cultura europeia até o século XIX. Então, fez uma aparição sensacional ao ser injetado no centro nervoso do mundo ocidental: a brilhante e influente Paris dos anos 1840. A descoberta da droga neste momento e local em particular pode estar associada a vários fatores: a conquista do Egito por Napoleão e a subsequente moda de tudo que é oriental; o florescimento do movimento romântico francês, com seu apego a imagens e sensações exóticas; a influência dos primeiros grandes escritores sobre drogas, particularmente Thomas De Quincey, cujas “Confissões de um Comedor de Ópio” (Confessions of an English Opium-Eater) foram logo traduzidas em 1828 por Alfred de Musset e cujos discípulos incluíam Charles Baudelaire, que reverenciava De Quincey como um gênio do Romantismo, prestando-lhe o tributo de uma segunda tradução, mais eloquente, juntamente com um comentário sobre o caráter nobre do autor inglês.

No entanto, apesar de todas essas circunstâncias favoráveis, não haveria moda de cânhamo em Paris naquele momento se um certo jovem psiquiatra francês não tivesse trazido a droga de volta do Oriente Médio e começado a experimentá-la para fins que não tinham nada a ver com ficar chapado ou ter visões ou escrever peças brilhantes na Revue des Deux Mondes. Como todo esse episódio da história cultural depende tão completamente da Conexão Francesa original, o lugar mais natural para começar a história do narcótico no Ocidente é pela introdução do “médico seráfico”.

Jacques Joseph Moreau iniciou sua carreira médica acompanhando psicóticos ricos em viagens prolongadas a lugares pitorescos: a distração é, como observou o Dr. Johnson para seu colega melancólico James Boswell, o principal dispositivo para “o gerenciamento da mente”. Durante uma dessas viagens, que incluía estadas no Egito e na Turquia, o jovem psiquiatra descobriu o haxixe e ficou fascinado por seus efeitos psicológicos. Observando que muitos dos sintomas do inebriamento por haxixe eram idênticos aos da loucura, Moreau decidiu experimentar a si próprio e a outros em um ambiente controlado para ver se o haxixe não ofereceria a chave para a loucura.

As experiências que Moreau iniciou no início da década de 1840 no Hospital Bicetre, nos arredores de Paris, fizeram história médica. Ao empregar o haxixe como um psicotomimético, uma substância que imita os efeitos da loucura, Moreau estabeleceu o ramo da medicina hoje conhecido como psicofarmacologia. Como experimentadores posteriores com LSDmescalina e outros hipnóticos, ele estava determinado a capitalizar o fato de que não importava o quão extremo que fosse o delírio, quão vivas fossem as alucinações, e quão convincentes fossem as ilusões do comedor de haxixe, ele nunca perderia a capacidade de auto-observação e comunicação. “Para entender os delírios de um louco”, Moreau escreveria mais tarde, em seu notável livro Hashish and Madness (Haxixe e Loucura), que “é preciso delirar, mas sem perder a consciência da loucura”.

O método de Moreau era audaciosamente simples: primeiro ele tomava a droga e se submetia às observações de seus estagiários; então, ele dava a droga a um dos estagiários e se tornava ele próprio o observador.

Moreau preparou seu haxixe da maneira que observara entre os árabes. Usando plantas importadas (suas próprias tentativas de cultivo nas dependências do hospital não produziam plantas com potência suficiente), inventou uma preparação farmacêutica obsoleta chamada de electuário. Sua receita é interessante: “os topos floridos da planta são fervidos em água à qual foi adicionada manteiga fresca. Quando esta mistura é reduzida por evaporação para um líquido xaroposo, ela é esticada através de um pano. Obtém-se assim uma manteiga de cor esverdeada que contém o ingrediente ativo. Este extrato nunca é absorvido em sua forma pura por causa de seu odor funesto e nauseante. É adoçado com açúcar e aromatizado com frutas perfumadas ou extratos de flores”.

A dose básica de Moreau do que os árabes chamam de dawamesc era um “caroço do tamanho de uma noz”. De acordo com os cálculos da principal autoridade em farmacologia da cannabis, professor Gabriel G. Nahas, essa dose de 30 gramas continha aproximadamente 150 miligramas de THC: uma dose muito grande, de fato, considerando que o cigarro médio de maconha fornece apenas 4 a 5 miligramas. Com metade ou um quarto dessa dose, escreve Moreau, “a pessoa se sentirá feliz e alegre e poderá ter alguns acessos de riso incontrolável”. Somente com a dose completa, no entanto, chega-se ao estado em que os árabes chamam de “al-kief”. Uma vez, durante os experimentos, o farmacêutico do hospital tomou uma dose tripla. Durante três dias, ele experimentou todos os sintomas da psicose aguda: alucinações, incoerência e grande agitação. Geralmente, no entanto, o procedimento era tomar a dose normal, que produzia um padrão de reações que Moreau resumiu em uma lista de oito pontos que até hoje é a mais concisa e reveladora de todas as descrições de inebriamento por haxixe. Organizados em uma ordem crescente de perturbação mental, os efeitos da ingestão de haxixe são:

1. Sentimento de felicidade

“O comedor de haxixe é feliz, não como o homem esfomeado que está faminto e satisfaz seu apetite, ou como o hedonista que satisfaz seus desejos, mas como o homem que ouve notícias que o dominam de alegria, como o avarento contando seus tesouros, como o jogador favorecido pela sorte, como o homem ambicioso intoxicado pelo sucesso.”

2. Excitação: dissociação de ideias

“Um dos primeiros efeitos visíveis do haxixe é o enfraquecimento gradual do poder que temos para orientar nossos pensamentos como desejamos. Imperceptivelmente, nos sentimos sobrecarregados por ideias estranhas não relacionadas àquelas em que queremos nos concentrar. Essas ideias, das quais não queremos lembrar, surgem em nossa mente, não se sabe por que nem como, se tornam cada vez mais numerosas, mais animadas e mais nítidas. A memória e a imaginação predominam então; as coisas presentes se tornam estranhas para nós, e estamos preocupados inteiramente com as coisas do passado e do futuro.”

3. Erros de tempo e espaço

“Sob a influência do haxixe, a mente pode cair nos erros mais estranhos a respeito do tempo e do espaço. O tempo parece a princípio se arrastar com uma lentidão que exaspera. Minutos se tornam horas, horas, dias. Logo, com mais e mais exagero, todas as ideias precisas da duração do tempo nos escapam, o passado e o presente se fundem.”

4. Desenvolvimento do sentido da audição: a influência da música

“Agradáveis ​​ou desagradáveis, felizes ou tristes, as emoções que a música cria são comparáveis ​​apenas às que se sente em um sonho. Não basta dizer que elas são mais vívidas do que as do estado de vigília. Seu caráter é transformado, e é somente ao atingir um estado alucinatório que elas assumem toda a sua força e podem induzir paroxismos reais de prazer ou dor.”

5. Ideias fixas (ilusões)

“Você se vê às vezes imaginando as coisas mais incríveis, as monstruosidades mais estranhas, às quais entrega o corpo e a alma. Então, repentinamente, em um golpe de relâmpago, o pensamento consciente retorna: você se apodera, reconhece o erro que havia cometido. Você estava louco e se tornou razoável.”

6. Perturbação das emoções

“Com o haxixe, as emoções exibem o mesmo grau de superexcitação das faculdades intelectuais. Elas passam a ter a mobilidade e também o mesmo despotismo das ideias. Da irritação, pode-se passar rapidamente à fúria, do descontentamento ao ódio e desejo de vingança, do amor mais calmo à paixão mais selvagem. O medo se torna terror, a coragem, uma dedicação que ninguém pode parar e que ignora o perigo.”

7. Impulsos irresistíveis

“Vendo uma janela aberta no meu quarto, tive a ideia de que, se quisesse, poderia me jogar daquela janela. Embora não achasse que cometeria tal ato, pedi que a janela fosse fechada.”

8. Ilusões e alucinações

“Progressivamente, a pessoa se torna o brinquedo, primeiro de simples ilusões e depois de verdadeiras alucinações, que são como sons remotos, as primeiras luzes, que vêm sendo usadas em um mundo imaginário e fantástico… Já me aconteceu muitas vezes um estado de inebriamento bastante animado e, olhando atentamente para um retrato, vi de repente o retrato ganhar vida. A cabeça se moveu um pouco e parecia querer se destacar da tela. O rosto inteiro tomou uma expressão que somente a vida pode conferir; os olhos estavam especialmente vivos; eu os vi girando em suas órbitas para seguir todos os meus movimentos.”

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O livro de Moreau foi publicado em 1845. Ele vendeu apenas algumas centenas de cópias e nem sequer concedeu ao autor uma eleição para a Academia de Medicina. No entanto, poucos cientistas já registraram um impacto tão direto nas melhores mentes literárias de sua geração. A influência de Moreau (e do haxixe) nas artes começou dois anos antes da publicação de seu volume, quando ele ofereceu um pouco de haxixe a um jovem escritor conhecido como Théophile Gautier.

Um dos mais extravagantes dos românticos franceses, Gautier se destacou a princípio por liderar as manifestações históricas que acompanharam a apresentação inicial de Hernani, de Hugo – o primeiro tiro da revolução literária que era o romantismo francês -, gritando: “Morte às velhas perucas!”. Ele então compôs um romance, intitulado Mademoiselle De Maupin, que contava as aventuras de uma travesti feminina. Formador de frases, ele proferiu o primeiro grito de guerra do Romantismo: “Arte pela Arte” (Ars Gratia Artis, em latim). Gautier também era um hedonista descarado. No prefácio de Mademoiselle De Maupin, ele escreveu: ”[Eu] daria um grande prêmio a quem inventasse um novo prazer, pois o prazer me parece ser o fim da vida e a única coisa útil no mundo”.

Dar a Gautier sua primeira prova de haxixe produziu efeitos sensacionais, que logo foram publicados na imprensa parisiense. Gautier experimentou três episódios distintos de alteração da consciência. No primeiro, ele alucinou com torrentes de pedras preciosas em padrões caleidoscópicos florais (uma imagem clássica das drogas com muitas contrapartidas, tanto na literatura subsequente de mescalina e LSD quanto nos antigos escritos religiosos dos povos hebraico e oriental). Ele também experimentou grande hilaridade e começou a jogar travesseiros no ar como um malabarista indiano. Meia hora depois, a segunda onda de inebriamento o atingiu; dessa vez, ele viu “bilhões de borboletas com asas tremulando como leques”, além de flores gigantes que explodiam de maneira fantástica, e ele experimentou sinestesia: “Ouvi sons de cores… Uma palavra sussurrada ecoou em mim como um trovão… nadei em um oceano de sons”. Gautier nunca sentira tanta felicidade; sua imagem básica é a de uma esponja absorvendo delícias, alegrias, sons, perfumes, luzes. A experiência pareceu durar 300 anos, mas na verdade ocupou apenas 15 minutos. O terceiro turno foi o mais intenso. Ele ficou completamente louco. Ele alucinou sobre todo tipo de coisas grotescas: ”caprinos, bestas com rabo de cavalo, filhotes de ganso amontoados, unicórnios, grifos, íncubos que rodopiavam, dançavam, pulavam e guinchavam pela sala”. Pegando um lápis, ele esboçou Moreau por trás, tocando piano enquanto se vestia em um traje turco com um sol nas costas do casaco – o desenho sobrevive. As notas musicais são visualizadas saindo do instrumento como em uma história em quadrinhos moderna.

O que aconteceu a seguir é uma clara antecipação de Timothy Leary e seu cenáculo ou de Ken Kesey e seus Merry Pranksters. O jovem revolucionário cultural decidiu espalhar o haxixe como um novo sacramento e organizar seus devotos em uma sociedade secreta. Tomando uma dica do grande árabe francês Antoine Sylvestre De Sacy – que argumentou que a palavra assassino era derivada de hashishin, ou seja, “comedores de hash” – Gautier chamou sua nova organização de “The Assassins Club”. Os membros originais incluíam Gerard de Nerval, que escrevia romances orientais e, posteriormente, viajou extensivamente pelo Oriente Médio; o pintor Fernand Boissard e um escultor, F.B. de Bois-denier; Dr. Moreau e outro médico, Louis Aubert-Roche; e, seis anos depois, Baudelaire. Honoré de Balzac visitou o clube, mas não engoliu a colher oferecida de dawamesc, temendo a perda de controle mental (embora posteriormente tenha confessado em uma carta a uma amiga que havia provado a droga sob outros auspícios). Alexandre Dumas às vezes é listado como membro, mas ele pertencia a outro mundo; seu relato de haxixe no O Conde de Monte Cristo é altamente factício.

As reuniões mensais do clube eram paródias boêmias das reuniões de um clube convencional. A sobremesa – dawamesc – e café (turco) eram servidos antes do prato principal, para que a droga de ação lenta pudesse entrar em vigor até o final da refeição. A mesa e os utensílios eram um conglomerado bizarro de antiguidades desgastadas e armas exóticas: krises, punhais, adagas. A própria sociedade era uma equipe heterogênea de homens de cabelos compridos, barbudos e fantasiados estranhamente, cujos rostos assumiam estranhas aparências à luz das lâmpadas e velas tremeluzentes. Quando a refeição terminava, os membros iam para o imenso salão da mansão do século XVII, onde Gautier residia: essa sala de estar era “o mais puro estilo Luís XIV, com seus painéis em folha de ouro manchada. Abaixo da cornija saliente, algum aluno de Lasueur ou Poussin havia pintado uma cena de ninfas perseguidas por orangotangos através dos juncos. Sobre a enorme lareira de mármore dos Pirinéus, manchada de branco e vermelho, havia um relógio na forma de um elefante dourado, que usava nas costas uma torre armada na qual estava esculpida uma face de esmalte com algarismos azuis. As poltronas e os sofás eram velhos e estofados com tapeçarias desbotadas de cenas de caça”. Então, a diversão começava. Música era tocada e conversas chapadas e monólogos começavam. Os membros rolavam pelo chão gritando em êxtase ou sentavam-se nos enormes sofás, onde experimentavam estados congelados, e, em transe, as alucinações de fluxo produzidas por doses muito grandes.

Por três anos, as atividades do clube permaneceram em segredo, até Gautier imprimir uma descrição deslumbrante de toda a cena no mais famoso jornal literário e cultural da França, La Revue des Deux Mondes (1º de fevereiro de 1846). O artigo aplicou um estilo extravagante a uma experiência extravagante. Os leitores modernos o trataram com ceticismo ou assumiram que era apenas um produto da imaginação do Romantismo. Moreau, o melhor juiz de tais questões, considerou a descrição de Gautier da experiência com haxixe de maneira bastante diferente, permitindo o “exagero estilístico” do autor, ele concluiu que “os efeitos do haxixe não poderiam ter sido melhor descritos”. De fato, quando alguém sujeita esse famoso artigo a uma análise literária próxima, o que se descobre é que todas as oito categorias de experiência de haxixe de Moreau foram brilhantemente realizadas em passagens de imagens hiperbólicas, mas essencialmente autênticas. Embora seja ingênuo ler a narrativa como uma transcrição literal, a peça deve ser pronunciada como uma representação brilhante de uma trip de hash arquetípica.

O artigo, que se parece com Edgar Allan Poe em alta velocidade, começa como um filme de terror com uma longa e carregada série de panorâmicas e zooms, quando o narrador, que recebeu um convite misterioso para o clube, chega à antiga mansão no meio do rio Sena, em uma noite fria e tempestuosa em dezembro. Guiado pelo dedo magro do porteiro, ele atravessa o pátio e sobe a vasta escadaria palaciana adornada com pinturas e afrescos, com Quimera e Cupido. Entrando em um aposento abobadado que o transporta de volta há dois séculos, ele encontra o “médico seráfico”, que lhe oferece uma colher de prata dourada cheia de pasta verde, comentando com pressa: “Isso será subtraído da sua parte do paraíso”. Após a refeição, os convidados se afastaram para a sala de estar. O narrador, que já estava tão alto que “não conseguia distinguir um pêssego de uma costeleta”, entra no canto da chaminé e senta-se para olhar sua cabeça. Instantaneamente, surge uma aparição grotesca que está destinada a presidir todo o Sabbath das Bruxas que começaria agora na mente do comedor de hash. Um pequeno demônio esquisito com bico de pássaro, pele de homem e pernas de raiz de mandrágora bifurcada cobertas de terra, essa criatura é identificada como “Daucas-Carota – do Pote de Ouro” (uma história do grande fantasista alemão E.T.A. Hoffmann, que era tão popular em Paris nessa época que ele se tornou o herói da obra-prima de Offenbach, Tales of Hoffmann , Daucas-Carota não está no Pote de Ouro , mas é idêntica a uma criatura do folclore alemão que aparece em outros lugares da estória de Hoffmann: o Alraunder : um íncubo engendrado pelo esperma que pinga do pênis ereto de um enforcado na terra).

Anunciando, “Hoje, devemos morrer rindo”, Daucas-Carota convoca uma rota de aparições como Hieronymous Bosch, encantado para pintar: “Monges com rodas nos pés e caldeirões nas barrigas; guerreiros, com armaduras feitas de pratos, brandindo espadas de madeira nas garras de pássaros; estadistas movidos por engrenagens em um espeto; reis mergulhados até a cintura em torres salinas; alquimistas com as cabeças dispostas como foles e os membros retorcidos em alambiques; figuras obscenas feitas de abóboras estranhamente macias”. Enquanto o narrador se dissolve em gargalhadas histéricas, um membro do clube (provavelmente Moreau), que permaneceu em linha reta (sóbrio) para poder monitorar os outros e impedir que se jogassem pelas janelas, senta-se ao piano e começa a tocar uma melodia etérea de Weber.

Instantaneamente, o humor de Gautier reverte; de “fantasia”, ele passa sem transição para “al-kief”, o estado de êxtase feliz e eroticamente tingido. Olhando para as ninfas perseguidas pelos corços, ele se imagina Syrinx sendo perseguido pelo excitado deus das cabras, Pan. Desesperado para evitar o estupro, ele se encolhe, ofegante, atrás dos juncos pintados.

A próxima mudança de humor é um pesadelo, quando ele mergulha numa paranoia bem típica de uma viagem de haxixe. Imaginando que o demônio perverso arrancou sua cabeça e a substituiu por outra, ele corre para o espelho e fica horrorizado ao descobrir que ele se parece com um ídolo hindu ou javanês: “Minha testa subiu; meu nariz, alongado em um tronco, enrolado no meu peito; minhas orelhas varreram meus ombros; e para agravar a queixa, eu estava em cor de anil”. Esmagando o trol até que ele restaure a cabeça real do narrador, o louco dopado sucumbe ao lado de outra ilusão. Uma voz pequena e desconhecida sussurra para ele: “Cuidado, você está cercado por inimigos… você é um prisioneiro aqui: tente sair e você verá”. Levantando-se com grande esforço, ele tentou fugir pela porta, mas se viu praticamente paralisado e suas pernas transformando-se em mármore!

Quando ele cambaleia para sair e olha para a escadaria, fica horrorizado ao ver que as escadas se estenderam até o infinito. Quando ele pisa nos degraus de mármore, eles afundam sob seus pés como barrigas de sapo. Quando ele chega ao pátio, ele se estende diante dele como o Campo de Marte. Agora ele se sente velho e cinzento. Um coro triste garante a ele que “o tempo está morto”. Ele nunca desfrutará de seu encontro às onze horas com sua amante, porque o relógio permanecerá por toda a eternidade às nove e quinze. Apenas quando esse anel mais baixo do inferno narcótico é alcançado, o homem sóbrio do clube lança um ar alegre no piano e o narrador sai de seu pesadelo. Apressando-se pelas escadas para a carruagem que o aguardava, ele se apressa para a missão, testando sua razão compondo rimas triplas.

Ao longo do restante do século XIX, muitos outros autores, tanto na Europa quanto na América, contribuíram para a crescente literatura sobre haxixe. No final da vida, Baudelaire fez sua declaração final sobre o assunto. Viciado basicamente em ópio e álcool, como seu herói, De Quincey, Baudelaire provavelmente não foi um grande comedor de haxixe. No entanto, ele havia provado a droga nas circunstâncias mais interessantes em que poderia ter sido consumida, e compilou seu pequeno estoque de anedotas do haxixe; portanto, quando surgiu a ocasião em sua carreira jornalística de contribuir com um artigo sobre o assunto, ele deve ter se sentido bem qualificado para a tarefa.

O trabalho que surgiu, “The Hashish Poem”, é um tratamento profundamente icônico de seu tema. A impressão geral é a de um professor exausto, mas obediente, ansioso por fechar suas anotações e ir para casa. A casa, nesse caso, aparece no final da peça, quando Baudelaire afunda, quase com gratidão, em uma meditação muito sombria sobre o mal dessa droga paradisíaca. Sermonizando com o eco do púlpito em torno de suas palavras, ele exorta a aspiração do Romantismo à divindade humana. Tendo denunciado a droga como propícia ao pecado final do orgulho, ele finalmente se volta para destruir o mito de seus poderes de inspiração faustianos: ‘‘Vamos admitir”, argumenta ele, “que o haxixe dê, ou pelo menos aumente, o gênio, ainda não se pode esquecer que é da natureza do haxixe diminuir a vontade; assim, dá com uma mão o que tira com a outra; dá a imaginação sem a capacidade de usá-la”. Com essas palavras pessimistas, os anais do Assassins Club são concluídos.

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#PraCegoVer: a imagem de capa traz uma pintura realística de um homem com os olhos cerrados, do peito para cima, vestido com blazer e cartola amarelos e camisa branca, segurando uma luva branca junto a uma bengala; uma fumaça amarela vem de baixo, no primeiro plano, e, circundando a cartola, vai até o plano de fundo em tom de azul (parte direita da imagem), com detalhe para uma mão de cor azul-claro e grandes unhas vermelhas sobre seu ombro; na parte esquerda, pode-se ver sua sombra produzida sobre a pintura de um corpo feminino. Imagem: B. Emmett | High Times.

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