Atletas Cannabis: substância da maconha ganha adeptos no esporte, mas sofre preconceito

Foto em plano fechado de um frasco âmbar com tampa preta, um conta-gotas e uma folha de maconha (cannabis), sobre um tecido bege. Crédito: CBD-Infos-com / Pixabay.

Permitido por agência de controle antidoping, o canabidiol ajuda na recuperação muscular, na qualidade do sono e no controle da ansiedade. As informações são d’O Globo

Em 2017, o corredor de longa distância Daniel Chaves foi ao fundo do poço, abandonou o esporte e pensou em suicídio. Só voltou à superfície no ano seguinte, após receber o diagnóstico de síndrome bipolar depressiva e iniciar tratamento psiquiátrico. Entre recaídas, ele encontrou ajuda no canabidiol, uma das inúmeras substâncias encontradas na planta cannabis (maconha) — mais conhecida pelo uso adulto. O CBD entrou como ajuda nos treinos para a Maratona de Londres. Em abril de 2019, ele fez a prova em 2h11min10 e conseguiu índice para Tóquio — a vaga ainda tem de ser confirmada pela federação em maio.

Naquele momento, foi o que me deixou estável para conseguir o índice — conta o maratonista, de 32 anos.

Dos mais de 100 canabinoides da planta — e mais de 500 compostos —, só o CBD é permitido pela Agência Internacional Antidopagem (Wada), dentro ou fora de competição, desde 2018. Os outros canabinoides, inclusive o THC, que também é psicoativo, acima de determinado limite, são proibidos.

No Brasil, não há levantamentos de quantos atletas usam CBD. O acesso ao produto no país ainda emperra na burocracia, no alto valor e no preconceito. Mas a importação autorizada pela Anvisa, entre 2019 e 2020, mais que dobrou: foram 18.850 autorizações concedidas a pacientes no ano passado, ante 8.522 nos 12 meses anteriores. Ainda que apenas 0,4% dos médicos tenha prescrito algum derivado da cannabis.

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Depois de uma parada no uso por não se sentir seguro em relação a um possível doping, hoje, Daniel quer ampliar o acesso ao CBD, de forma confiável e mais barata. Para isso, mergulhou de cabeça, em meio aos treinos, no projeto “Atleta Cannabis” ao lado do triatleta Fernando Paternostro.

Pai da ideia, Paternostro criou uma conta no Instagram em outubro e iniciou o contato com Chaves. O projeto tomou corpo e está prestes a se tornar uma associação com objetivos claros: além de ajudar outros atletas amadores ou de elite a chegar aos produtos de qualidade, criar protocolos de uso prescritos por médicos.

— A ideia principal é o uso para performance no esporte, não para tratar uma patologia especificamente — diz Paternostro, que entrou em contato com clínicas na tentativa de elaborar estudos específicos em atletas.

Desde que retomou o uso, com um produto importado feito sob medida para não correr riscos, o maratonista enumera os benefícios do óleo oriundo da maconha:

— Como usei e parei, consigo mensurar bem os efeitos. A recuperação muscular pós-treino mudou muito. O corpo reage muito melhor. A noite de sono é sensacional, é um sono realmente que descansa. Sinto mais disposição para o treino e muito menos ansioso.

Especialistas, entretanto, recomendam cuidados.

— O CBD foi retirado da lista por não dar ganho de performance, não causar riscos à saúde e não ter uma questão ética. Mas há de se ter cuidado no uso para não consumir um produto contaminado na manipulação sem saber. E há muitos, por não passarem por controle de qualidade — explica Fernando Solera, coordenador da Comissão de Controle de Doping da CBF.

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Do skate ao tênis

Em países como EUA e Canadá, onde os produtos à base de cannabis são vendidos sem tanta burocracia, atletas fazem uso do canabidiol abertamente. Exemplos são inúmeros, como a jogadora de futebol Megan Rapinoe.

Muitos, inclusive, entram no mercado de cabeça — há estimativa que o faturamento global supere US$ 80 bilhões (mais de R$ 400 bilhões) em 2023, segundo a Statista, empresa alemã especializada em dados mercadológicos. O skatista brasileiro Bob Burnquist, que mora na Califórnia, é um dos que criaram empresa com produtos à base de maconha. O mundo do skate é um dos que discute há mais tempo o uso medicinal e terapêutico dos produtos.

O paulista Ítalo Penarrubia, que tenta vaga em Tóquio, faz uso do CBD há cinco anos. Antes de voltar para Curitiba por causa da pandemia, ele morava nos EUA e aproveitou a liberação.

— Já tive três concussões, tenho dificuldades para dormir e dores crônicas por ter quebrado muitos ossos. Acordava com dores e indisposto. O óleo me ajudou a melhorar e estar mais ativo — afirma o skatista, diagnosticado com distúrbio de déficit de atenção (DDA) na infância. — Também me sinto mais concentrado.

Foi por meio de relatos de atletas, como Burnquist, que o tenista Bruno Soares resolveu, há dois anos, entender melhor o uso. Atualmente, utiliza o óleo para dormir e pomadas anti-inflamatórias. Tudo com prescrição médica. A relação com o produto deu tão certo que Bruno passou a ser patrocinado, em 2020, pela 1Pure CBD, uma das inúmeras empresas que fabricam óleo de canabidiol.

— Não gosto de usar medicamentos sintéticos, com muitas químicas, sempre busco o que tiver de mais natural — afirma.

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Ser natural e com poucos efeitos colaterais em dosagens controladas é o principal argumento dos defensores dos produtos no esporte. Há um movimento na NFL, inclusive, para que o CBD seja mais difundido como substituto aos opioides — analgésicos com alto teor de dependência e efeitos adversos. Especialistas só ressaltam para que não seja visto como uma panaceia e cura de todos os males. O CBD atua no sistema endocanabinoide, que coordena outros sistemas e mantém o equilíbrio interno do organismo. Atua na interface do físico, mental e psicológico.

— Há pesquisas com CBD desde os anos 1970. Hoje já se usa como opção em epilepsia em crianças, autismo, esclerose múltipla… Existe pouca literatura no esporte, mas há a ciência de que o CBD e outros componentes da planta atuam em inflamação, dores, ansiedade, consolidação óssea, trauma cerebral. Por causa do interesse comercial, há uma verdadeira corrida do ouro e há mais pesquisa, mais mídia — diz o neurologista Eduardo Faveret, que está elaborando protocolos de uso do CBD em adultos e crianças.

O fim do preconceito dependerá do grau de informação repassada aos atletas e à comunidade médica.

— A aceitação no esporte tem sido grande, fiquei surpreso. Mas o pensamento das pessoas é enviesado e só pela educação vamos mudar isso. Ainda estamos atrasados, mas com atletas de alto nível divulgando, isso pode mudar — diz Daniel.

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#PraCegoVer: foto em plano fechado de um frasco âmbar com tampa preta, um conta-gotas e uma folha de maconha, sobre um tecido bege. Crédito: CBD-Infos-com / Pixabay.

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