STF decide: tráfico privilegiado de drogas não é crime hediondo

STF adia discussão sobre a descriminalização do uso de drogas para próxima semana

Pessoa pega traficando, sendo réu primário e com bons antecedentes, terá tratamento mais brando, diz STF. Decisão deve impactar especialmente as mulheres: hoje, 68% das presas por tráfico foram acusadas como “mulas”

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu, no dia 23 de junho, que acusados de tráfico privilegiado de drogas não cometem crime hediondo. De acordo com a decisão dos ministros, presos por tráfico que são primários e com bons antecedentes podem ter redução maior de pena e progressão de regime, conforme a Lei de Drogas (Lei 11.343/2006).

Por oito votos a três, os ministros decidiram que o chamado tráfico privilegiado não deve ser considerado crime hediondo, retirando da lista de crimes graves e sem direito a benefícios de pena. Antes da definição do STF, a justiça entendia que o crime de tráfico de drogas era hediondo em todos os casos.

Caso

No julgamento desta quarta, os ministros analisaram o caso de dois homens flagrados transportando 772 quilos de maconha num caminhão no Mato Grosso do Sul. Ambos foram condenados em 2010 a 7 anos e 1 mês de prisão em regime inicial fechado.

Apesar de a sentença ter reconhecido que os acusados cometeram tráfico privilegiado, eles não conseguiram liberdade condicional pelo fato da tipificação também ser considerada como crime hediondo, diante disso a Defensoria Pública recorreu ao STF em nome dos condenados e por fim o Supremo concedeu o habeas corpus para não ser crime hediondo e terem benefícios de redução de pena.

O crime quando considerado hediondo significa que o regime da pena fixada sempre será no fechado, sendo inafiançáveis e a progressão do regime só pode acontecer após o cumprimento de dois quintos da pena, se o réu for primário, e de três quintos, se for reincidente.

A análise da questão iniciada em junho do ano passado. Na a indicação era de que a maioria do Supremo votaria para considerar que o crime de tráfico de drogas deve ser considerado hediondo em todas as situações. Após pedidos de vista, o caso foi retomado nesta quinta, quando os ministros Edson Fachin, Teori Zavascki e Rosa Weber mudaram seus votos e o entendimento adotado pelo tribunal.

Os três seguiram a corrente puxada pela ministra Cármen Lúcia de que um réu primário e com bons antecedentes não pode receber pena grave. “No caso de tráfico privilegiado, tais pessoas devem ter tratamento distinto dos que comandam organização”, disse a ministra no ano passado. Segundo Fachin, a lei que define crime hediondo é cuidadosa e o regime excepcional não se estende ao tráfico privilegiado.

O presidente do STF, Ricardo Lewandowski, e Celso de Mello destacaram o efeito do entendimento especialmente para mulheres presas. Lewandowski disse que estudos apontam que mais de 68% das mulheres presas no país estão envolvidas em tráfico de drogas. O presidente do tribunal disse ainda que muitas mulheres são envolvidas no tráfico em troca de vantagem econômica, atuando como ‘mulas’. Segundo o ministro e presidente do STF, 45% dos condenados por tráfico de drogas – cerca de 80.000 pessoas – poderão se beneficiar da decisão da Corte.

Os ministros Luiz Fux, Dias Toffoli e Marco Aurélio Mello defenderam que a lei é clara e todo o tráfico é crime hediondo. “Recuso-me a entender que um crime pode ser privilegiado”, afirmou.

O que muda?

A decisão do STF não obriga as demais instâncias a decidir dessa maneira, mas como se trata de decisão da mais alta corte do país, a tendência é que seja replicada nos outros tribunais.

Tal decisão confere um tratamento diferenciado para o crime de tráfico de drogas quando o acusado é primário, tem bons antecedentes e não integra organização criminosa. Diante disso, a pessoa condenada por tráfico, nessa situação jurídica poderá ter uma condição diferenciada, como, por exemplo, começar a cumprir a pena no regime semiaberto, em que o preso pode sair durante o dia para trabalhar e voltar à noite para a cadeia, além de pena reduzida de um sexto a dois terços, como os demais condenados por crime comum.

As condições do crime, como a quantidade de drogas, e a situação do acusado, como bons antecedentes, influencia na avaliação sobre o enquadramento de delito hediondo.

Ainda distante de ser uma solução diante de tantas mazelas causadas pela guerra às drogas, tal decisão pode ser a esperança para diversos usuários já condenados por tráfico, que geralmente foram pegos saindo de alguma boca de fumo, portando algumas ‘buxas’ de maconha e por não haver uma definição de uma quantidade de porte para consumo pessoal, estes acabam condenados como traficantes. O mesmo vale para aqueles que foram pegos com um cultivo caseiro, justamente para fugir do crime e acabam sendo condenado a ele.

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Sobre Dave Coutinho

Carioca, Maconheiro, Ativista na Luta pela Legalização da Maconha e outras causas. CEO "faz-tudo" e Co-fundador da Smoke Buddies, um projeto que começou em 2011 e para o qual, desde então, tenho me dedicado exclusivamente.
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