Sala de consumo de drogas em Lisboa atinge 1.300 usuários em um ano

Fotografia de uma sala do espaço para uso assistido de drogas em Lisboa, onde duas pessoas estão sentadas às baias, que aparecem na parte esquerda da imagem, e um balcão com pia é visto ao fundo, na parte de fora de uma sala com paredes de vidro. Foto: António Cotrim / Lusa.

O espaço, que é o primeiro e único que existe em Portugal para uso de substâncias com vigilância de profissionais de saúde, é gerido por uma associação que se dedica à recuperação de toxicodependentes e tem a Câmara Municipal como parceira. As informações são da Lusa

A sala de consumo assistido de drogas de Lisboa tem cerca de 1.300 usuários após um ano de funcionamento e já teve um reforço da equipe de enfermagem para responder a um universo várias vezes superior ao esperado.

O espaço, vulgarmente conhecido como “sala de chuto”, é o primeiro e o único que existe em Portugal para consumo de drogas com vigilância de técnicos de saúde e foi inicialmente pensado para 300 usuários ao final de um ano.

Era este o número que indicava um levantamento feito há mais de três anos na zona onde está instalado o espaço, no Vale de Alcântara, nas imediações do antigo Casal Ventoso.

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“Não consigo deixar de pensar que este sucesso não significa uma coisa boa, é sinal de que a dimensão do problema era muito maior do que esperávamos”, disse à Lusa o enfermeiro Paulo Marques, coordenador da área de saúde do projeto.

A sala começou a receber usuários em 18 de maio de 2021 e funcionou como projeto-piloto até março, quando fez um ano da autorização de funcionamento por parte do Serviço de Intervenção nos Comportamentos Aditivos e nas Dependências (SICAD).

O espaço é gerido pela associação Ares do Pinhal, que se dedica à recuperação de toxicodependentes, e tem ainda como parceira a Câmara Municipal de Lisboa, que já assegurou o financiamento até ao final do ano. Depois, deverá ser o SICAD, que tutela o projeto, a assumir o financiamento, segundo explicaram os responsáveis da associação.

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Tanto a Câmara de Lisboa como o SICAD reconheceram que este é um projeto bem-sucedido e que deve continuar, como prova a percepção de que era necessário “e urgente” aumentar a equipe de enfermagem para haver “segurança e capacidade de intervenção social e na saúde”, disse à Lusa Rodrigo Dias Coutinho, diretor clínico dos programas da Ares do Pinhal.

O objetivo de um espaço como este é retirar os consumos de drogas das ruas, do meio da comunidade, dar segurança a quem consome, com a assistência em caso de overdose, mas também com rastreio médico de doenças aos usuários, e o encaminhamento para tratamentos e programas de recuperação de toxicodependência.

No caso da sala de Lisboa, há ainda resposta para usuários em situação de rua, com acesso a banhos e a um banco de roupa.

Como funciona uma sala de consumo assistido de drogas?

A equipe de enfermagem foi reforçada na sequência da avaliação feita ao fim de um ano de projeto-piloto, o que permite que haja, neste momento, dois enfermeiros por turno.

Com isso, há mais segurança nos consumos e na atuação em casos de overdose, que foram 17 até agora, todos revertidos e concentrados nos últimos seis meses, coincidindo com o crescimento do número de usuários que usam a sala para injetar drogas.

Na sala, há consumo de drogas por via endovenosa (injetada) ou fumada, sendo que o espaço para quem fuma já está lotado, com uma frequência que gira em torno dos 95 consumos diários, próxima da capacidade máxima. No espaço para o consumo endovenoso, há ainda margem de crescimento.

Segundo os dados da Ares do Pinhal, há neste momento cerca de 200 pessoas a frequentar a sala diariamente e o número de consumos diários ronda os 135.

A idade média dos usuários é de 44 anos e 85% são homens.

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No primeiro ano de projeto-piloto (até final de fevereiro), houve 16.942 consumos fumados de drogas e 6.889 consumos endovenosos (71% e 29%, respetivamente). Se forem considerados apenas os últimos três meses deste período, a taxa de consumos endovenosos sobre para 38% e a de fumados fica nos 62%.

“Nessa avaliação [de março, no final do projeto-piloto] é que foi possível negociarmos algumas necessidades. Não vai suprir todas as necessidades, como é obvio, a equipe continua a ser muito justinha. Mas, pelo menos já veio aqui dar um reforço e algum alívio também nas rotinas diárias”, explicou Elsa Belo, coordenadora técnica da Ares do Pinhal.

O aumento do número de enfermeiros deu mais segurança aos usuários, perante a subida do consumo endovenoso e das overdoses, e permitiu também “que aumentasse brutalmente” o número de rastreios de doenças infecciosas e que começassem a ser feitos tratamentos para hepatites, segundo Rodrigo Dias Coutinho.

“Em 15 dias, igualamos os testes de todos os meses anteriores”, acrescentou o enfermeiro Paulo Marques.

“Ter mais enfermeiros” significa também “liberar mais um técnico que possa investir mais no acompanhamento das pessoas, em outro nível”, para as encaminhar para programas de recuperação, por exemplo, afirmou Elsa Belo.

“Estávamos ali um pouco reféns do consumo. Isto estava a condicionar tudo”, acrescentou, dando como exemplo as limitações nas saídas da equipe comunitária à rua, no bairro onde está situada a sala, para contatos com a comunidade, recolha dos vestígios de consumo no exterior (como seringas) ou intervenção junto de consumidores e potenciais novos usuários.

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Coincidindo com o primeiro ano de funcionamento, começa nesta semana a testagem, numa unidade móvel, das substâncias que os usuários levam para consumir dentro da sala, fruto de um protocolo com uma empresa que faz este tipo de análise.

A testagem será voluntária, “um serviço” que é colocado à disposição dos usuários, com vista à sua segurança, tendo já sido feita uma sessão de esclarecimento com quem frequenta a sala.

Para os técnicos que ali trabalham, a análise das substâncias é também uma “questão fundamental para a intervenção em caso de overdose”, explicou Dias Coutinho.

O diretor clínico dos programas da Ares do Pinhal considerou que se podem fazer “vários tipos de balanço” do primeiro ano da sala de consumo assistido de drogas de Lisboa e realçou que, “em termos da necessidade desta resposta, está completamente comprovada a necessidade”.

Entre outros aspetos, referiu a adesão crescente, nos últimos meses, dos consumidores que injetam drogas, cuja confiança é mais demorada e difícil de conquistar, sendo que é este o consumo que “traz mais problemas”.

“Satisfaz-me muito esta adesão e esta confiança que os utilizadores têm na nossa sala”, afirmou.

“Acho que o balanço, em termos gerais, é muito, muito positivo”, resumiu, acrescentando ter esperança na resolução da estabilidade do financiamento do projeto, a partir do próximo ano.

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#PraTodosVerem: fotografia de uma sala do espaço para uso assistido de drogas em Lisboa, onde duas pessoas estão sentadas às baias, que aparecem na parte esquerda da imagem, e um balcão com pia é visto ao fundo, na parte de fora de uma sala com paredes de vidro. Foto: António Cotrim / Lusa.

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