Regulamentação de produto à base de cannabis no Brasil deve reduzir gasto de pacientes
O assunto ainda é controverso no meio, mas alguns pacientes veem com otimismo a nova regulamentação da Anvisa sobre a produção nacional de produtos à base de cannabis. Com informações do G1
Desde que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) anunciou uma nova regulamentação para produtos derivados da planta cannabis, surgiu uma esperança para pacientes que fazem a importação da substância para tratamentos de saúde, como é o caso de uma paciente de Poá, que sofre de uma doença que afeta o nervo do rosto. Ela gasta R$ 14 mil por ano para importar o remédio para o tratamento.
De acordo com a norma da Anvisa, esses produtos vão poder ser produzidos e vendidos no país a partir da publicação do regulamento no Diário Oficial, prevista para março deste ano.
Com isso, aumentou a expectativa de baratear os custos de quem, com a autorização da Anvisa, antes só tinha a opção de comprar de outros países.
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No caso da aposentada Ilza Carvalho Marques, de Poá, passaram décadas até procurar o tratamento para o problema e ela só encontrou com o uso da cannabis. O simples gesto de falar já era algo incômodo. Só aos 40 anos ela começou a saga para diagnosticar a neuralgia do trigêmeo.
“Fiquei com o rosto todo torto. Não fechava o olho. Tinha dia que eu não falava, porque mexia o rosto, a boca, passava o dia com água, porque eu não conseguia comer nada. Era uma dor terrível”, diz.
Por mais de 20 anos, ela conviveu com a doença, que atinge 4 em cada 100 mil pessoas no mundo. A aposentada fez várias cirurgias e tentou diversos tratamentos.
“Um dia eu falei para o doutor que eu não aguentava mais. Ele me falou assim, se eu conhecia a cannabis. Eu até perguntei a ele quantos cigarros por dia e ele me disse que não era cigarro e sim um óleo. Nos primeiros dias já começou a melhorar. Foi uma melhora bem significativa. Eu falo hoje que eu tive de 95 a 98% de melhora. Eventualmente eu sinto um pouco de dor”, relembra.
Para ter acesso ao medicamento importado precisa de autorização da Anvisa e receitas médicas, além dos termos de compromisso garantindo o uso correto do óleo de cannabis. Uma embalagem dura em média um mês. São 12 por ano e, na última vez que comprou, gastou quase R$ 14 mil.
“Hoje eu consigo trazer de uma firma idônea. Vem dos EUA e eu consigo comprar. Talvez outras pessoas não consigam trazer, porque é muito caro.”
De acordo com uma determinação da Anvisa, a partir de 7 de março deste ano fica autorizada a produção de medicamentos à base de cannabis no Brasil.
A regulamentação mantém a proibição do plantio, que é crime segundo a legislação brasileira. As empresas interessadas precisam atender a todas as exigências previstas na regulamentação, como ter uma autorização especial, certificado de boas práticas de fabricação e conhecimento da concentração dos principais canabinoides presentes na formulação.
A diretora-adjunta da Anvisa, Daniela Marreca, explica que apesar dos produtos de cannabis não estarem classificados como medicamentos, a fiscalização é a mesma praticada para medicamentos.
“Quando a gente percebeu a grande necessidade da população para uso desses produtos, que são números que crescem exponencialmente de autorizações que a Anvisa deu para a importação de cannabis. A partir daí, a gente trabalhou com uma inauguração de uma normativa, que é essa que resolução 327, publicada recentemente, que vai permitir que esses produtos também sejam disponibilizados no mercado nacional”, diz.
Mesmo com a importação da substância base dos medicamentos, a diretora adjunta da Anvisa acredita que os preços serão reduzidos.
“A partir do momento que a gente tem a disponibilização dos produtos no mercado nacional, que vai ser vendido em drogarias e farmácias, com a maior disponibilidade, a gente acredita, sim, que pode haver uma redução no preço que hoje é praticado”, destaca.
O que pensam pacientes, mães, associações, empresários e advogados sobre a decisão da Anvisa?
Uso medicinal
Yuri Pedro Bento Barbosa, médico generalista e diretor-conselheiro da Sociedade Brasileira de Estudos para Cannabis explica que o THC é uma das substâncias, canabinoides, presentes na planta da cannabis.
“Ela é psicoativa, ou seja, ela altera as funções cerebrais e euforizantes. Ela é substância que sempre houve um processo de demonização por questões culturais, filosóficas, religiosas, raciais e hoje a gente percebe que tem uma finalidade terapêutica muito grande e que precisa ser explorada”, diz.
Sobre a nova norma, ele explica que qualquer médico pode prescrever a substância que está no seu escopo de formação. “Ele é indicado para neuropatias, encefalopatias, doenças neurológicas gerais, psiquiátricas, insônia, pressão, dor de difícil controle, a gente pode lançar mãos dessa substância”, explica.
O médico detalha ainda que sobre as garantias do tratamento, como qualquer substância, começa com um processo de estudo com grupos de patologias iguais, em que um utiliza e o outro não, para ver se de fato há boas respostas. “Eles já estão avançados, há cerca de 20 anos são testados, então, na verdade, o que a gente precisa agora é lançar mão dos tratamentos”, diz.
Já os efeitos colaterais dependem do tipo de medicamento utilizando no tratamento. Se for com o perfil maior de THC vai ter euforia, fome, sensação de taquicardia, já o canabidiol é mais depressor, diminui as funções cerebrais e deixam mais calmo.
“Toda e qualquer terapia não é uma imposição médica. É um acordo entre o médico e o paciente, em que ambos vão selecionar qual será a melhor terapia”, detalha o médico.
Ele diz ainda que a maior expectativa com a nova regulamentação é de diminuir o preço, então espera que agora com o barateamento as pessoas comprem a medicação de forma controlada.
Prescrição
As embalagens dos produtos devem seguir regras da Anvisa e, mesmo com a aprovação do novo regulamento, a decisão estabelece que a norma deve ser revisada em até três anos depois da publicação.
Ainda de acordo com a Anvisa, em razão do estágio técnico-científico em que se encontram os produtos à base de cannabis mundialmente, as empresas não devem abandonar as suas estratégias de pesquisa para comprovação de eficácia e segurança das suas formulações.
Para a prescrição do produto, segundo a nova norma, as regras variam de acordo com a concentração do chamado tetra-hidrocanabinol, o THC.
Nas formulações com concentração de THC menor que 0,2%, o produto deverá ser prescrito por meio de receituário tipo B, de cor azul, com numeração fornecida pela Vigilância Sanitária local e renovação de receita em até 60 dias.
Já os produtos com concentrações de THC maiores que 0,2% só vão poder ser prescritos a pacientes terminais ou que tenham esgotado as alternativas terapêuticas de tratamento. Nesse caso, o receituário para prescrição será do tipo A, de cor amarela, fornecido pela Vigilância Sanitária local, padrão semelhante ao da morfina, por exemplo.
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#PraCegoVer: em destaque, fotografia de um pequeno frasco cilíndrico transparente contendo um óleo amarelo e as pontas dos dedos que o seguram próximo à câmera (parte esquerda da foto) e, ao fundo desfocado, algumas folhas de cannabis com fundo branco. Foto: 123RF.
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