Raça ainda é fator principal em detenções ligadas à maconha em Nova York

Racista desde a sua origem, a proibição da maconha persegue até os dias de hoje as populações não brancas. Segundo o New York Times, em Nova York o número de prisões de pessoas negras por pequenos delitos ligados à cannabis é três vezes maior do que o de pessoas brancas e cinco vezes maior o de hispânicos. As informações são da Folha de S.Paulo.

Eles ficam sentados em bancos de madeira de tribunais, quase todos rapazes negros, aguardando sua vez de serem chamados diante de um juiz de Nova York para enfrentar uma acusação criminal que não existe mais em alguns Estados do país: posse de maconha.

Contam que foram flagrados fumando maconha no corredor de um conjunto habitacional, ou em um carro com um amigo que estava fumando, ou, ainda, acendendo um charuto Black & Mild que a polícia confundiu com um cigarro de maconha envolto em folha de tabaco.

#PraCegoVer: Fotografia de manifestantes com diversos cartazes em ato a favor da legalização da maconha na assembleia do estado de Nova York, em Albany. Créditos: Hans Pennink – Associated Press.

Existem muitas maneiras de ser detido por posse ou consumo de maconha, mas um elemento não mudou ao longo de anos de modificações da política em relação à maconha em Nova York: os alvos principais da polícia são negros e hispânicos.

O New York Times constatou que em toda a cidade, nos últimos três anos, houve três mais prisões de pessoas negras por acusações pequenas ligadas à maconha do que de pessoas brancas e não hispânicas. O número de hispânicos detidos foi cinco vezes maior que o de brancos.

O desnível é ainda maior em Manhattan: são feitas 15 vezes mais detenções de negros que de brancos por motivos ligados à maconha.

Com a criminalidade em queda e o Departamento de Polícia sob pressão para justificar o número de detenções que faz por delitos leves, um representante sênior da polícia disse recentemente, depondo diante de parlamentares, que há uma explicação simples do desequilíbrio racial: mais moradores de bairros de maioria negra e hispânica chamam a polícia para prestar queixas sobre maconha.

Uma análise realizada pelo NYT concluiu que esse fato não explica toda a disparidade racial. Em bairros diferentes em que a polícia recebe um número igual de chamadas ligadas à maconha, é nos bairros de maioria negra que ela quase sempre prende mais pessoas.​

No Brooklyn, policiais do distrito que abrange Canarsie prenderam quatro vezes mais pessoas por posse de maconha que no distrito que inclui Greenpoint, apesar de terem recebido o mesmo número de ligações para os números 311 e 911 com queixas sobre maconha. Em Canarsie, 85% da população é negra, porcentagem que cai para 4% em Greenpoint.

Em Queens, o índice de detenções por maconha é dez vezes maior no distrito policial que abrange Queens Village que no distrito que atende Forest Hills. Os dois distritos receberam o mesmo número de denúncias envolvendo maconha, mas um pouco mais de metade da população de Queens Village é negra, enquanto apenas uma parcela minúscula dos moradores de Forest Hill é negra.

E, em Manhattan, policiais de um distrito que abrange o lado oeste de Harlem fazem o dobro de prisões por maconha que seus colegas de um distrito que abrange a parte norte do Upper West Side. Os dois distritos recebem o mesmo número de denúncias, mas a zona oeste de Harlem tem duas vezes mais habitantes negros, em termos proporcionais, que o Upper West Side.

Somada a entrevistas com policiais, advogados e réus acusados de delitos envolvendo maconha, a análise do New York Times traça um quadro de ação policial desigual. Em alguns bairros, diante da expectativa de seus comandantes de que sejam assertivos nas ruas, os policiais se guiam pelo cheiro de maconha e prendem pessoas que estão fumando. Em outros, as pessoas fumam maconha em público abertamente sem temer serem interpeladas por um policial.

Os bairros negros frequentemente enfrentam mais criminalidade violenta, e a polícia muitas vezes tem uma presença maior nesses bairros, de modo que mais de seus habitantes podem ter contato com a polícia.“A presença de mais policiais em certos bairros significa que a polícia tem mais chances de encontrar alguém fumando”, comentou Jeffrey Fagan, professor da Escola de Direito de Columbia que assessorou o NYT na análise sobre detenções ligadas à maconha.

Mas, segundo um estudo de Fagan, historicamente falando mais policiais são lotados em bairros negros do que se esperaria pelos índices de criminalidade desses bairros. E pesquisas descobriram que não há evidências de que as prisões por maconha em Nova York estejam ligadas a uma redução na criminalidade grave.

Policiais que flagram alguém fumando maconha podem legalmente revistar a pessoa e verificar se existem mandados de prisão contra ela. Alguns criminologistas e advogados de defesa dizem que essas revistas e verificações de mandados de prisão são o que realmente motiva a implementação mais rígida das leis sobre maconha em determinados bairros.

Leia: Político proibicionista do Kansas confirma origem racista da proibição da maconha

A análise do NYT mostra que pelo menos algumas prisões por infrações menores se devem mais às estratégias do Departamento de Polícia que a pedidos de ajuda feitos por moradores, contrariando um dos argumentos usados pela polícia para justificar o fato de deterem grande número de pessoas por infrações menores, em uma era em que a criminalidade grave está em queda.

A análise examinou a relação entre prisões por maconha e o índice de queixas ligadas à maconha, raça, níveis de criminalidade violenta, índice de pobreza e parcela de residentes que vivem em imóvel próprio em cada distrito. Também levou em conta o distrito onde as prisões foram feitas, para analisar as práticas de policiamento diferentes em diferentes partes da cidade.

As prisões representam casos em que a acusação mais grave feita contra uma pessoa foi a posse de pequena quantidade de maconha.

Pesquisas do governo revelam que o consumo de maconha é mais ou menos igual entre brancos e negros.

A fumaça de maconha se espalha por ruas de toda a cidade, desde casas de alto padrão em áreas de alta classe média de Manhattan até prédios em bairros de classe trabalhadora em outros distritos. ​

O prefeito Bill de Blasio disse no final de 2014 que em vez de deter pessoas por posse de maconha para consumo pessoal, a polícia passaria a enviar intimações judiciais às pessoas, reservando as detenções principalmente para quem fuma maconha em público.

Desde então a polícia deteve 17.500 pessoas por ano, em média, por posse de maconha, sendo que em 2014 deteve 26 mil, e emitiu milhares de intimações. O número de prisões caiu fortemente desde o pico recente de mais de 50 mil por ano em alguns dos anos em que o prefeito era Michael R. Bloomberg.

Mais ou menos 87% dos detidos nos últimos anos foram negros ou hispânicos, uma proporção que se mantém há décadas, segundo pesquisa liderada por Harry G. Levine, professor de sociologia no Queens College.

“O que temos são pessoas fumando maconha nos mesmos lugares em qualquer bairro da cidade”, comentou Scott Levy, advogado da assessoria de defesa criminal Bronx Defenders, que estuda as prisões ligadas à maconha. “É apenas que o patrulhamento desses bairros é muito, muito diferente. E os moradores desses bairros são encarados de modo muito diferente pela polícia.”

Em resposta à análise do NYT, o Departamento de Polícia disse que bolsões de criminalidade violenta —e o patrulhamento policial mais intensivo decorrente deles— elevam as prisões por maconha em alguns bairros.

J. Peter Donald, comissário assistente do setor de informações ao público do Departamento, disse que mais pessoas fumam maconha em público em alguns bairros que em outros, o que elevaria o número de detenções. Ele disse que as queixas sobre maconha feitas aos telefones 911 e 311 aumentaram nos últimos anos.

“Os policiais de Nova York aplicam a lei de maneira justa e equitativa, não apenas onde e quando observam infrações, mas também atendendo a chamados aos números 311 e 911, a denúncias de associações de locadores, conselhos comunitários e reuniões de bairro”, disse Donald em comunicado.

Falando à Câmara Municipal em fevereiro, o chefe de polícia Dermot F. Shea disse: “As detenções que fazemos correspondem exatamente às áreas da cidade de onde recebemos queixas do público”.

Dados da polícia mostram que, de fato, geralmente são feitas mais queixas sobre maconha aos números 311 e 911 em bairros com muitos moradores negros e hispânicos.

Os proponentes de reformas da justiça criminal dizem que isso não ocorre porque o consumo de maconha seja maior nesses bairros. Na realidade, os moradores de bairros pobres chamam a polícia porque têm menos chances de ser ouvidos pelos donos de seus imóveis, os síndicos ou outros.

As críticas às prisões ligadas à maconha alimentaram a campanha de De Blasio para a prefeitura, em 2013, quando ele venceu prometendo “reverter o impacto racial das prisões por infrações menores ligadas à maconha”.

No ano seguinte, o novo procurador do distrito do Brooklyn, Ken Thompson, desafiou o Departamento de Polícia e disse que seu gabinete deixaria de processar muitos detidos por infrações pequenas ligadas à maconha.

Mas as disparidades permanecem. Negros e hispânicos são os principais alvos de prisões, mesmo nos bairros de maioria branca. No distrito policial que cobre a parte sul do Upper West Side, por exemplo, há seis ou sete moradores brancos para cada negro ou hispânico, mas sete em cada dez pessoas acusadas criminalmente por posse de maconha nos últimos três anos são negras ou hispânicas, revelam dados estaduais.

No distrito policial que abrange Park Slope, no Brooklyn, onde um quinto da população é negra ou hispânica, três quartos dos presos por ligação com maconha são negros ou hispânicos.

A questão de como lidar com essas disparidades divide políticos democratas em Nova York. Cynthia Nixon, que disputa a candidatura democrata ao governo com o governador atual Andrew M. Cuomo, prometeu que vai legalizar a maconha e limpar a ficha de prisões das pessoas. DeBlasio e Cuomo relutam em apoiar as mesmas medidas.

Benjamin Mueller , Robert Gebeloff e Sahil Chinoy
THE NEW YORK TIMES

Leia também: Depoimento em vídeo denuncia maconha e racismo nos EUA

#PraCegoVer: Fotografia das mãos de uma pessoa negra apertando um baseado. Créditos: Brian Snyder – Reuters.

Deixe seu comentário
Assine a nossa newsletter e receba as melhores matérias diretamente no seu email!