Questão de Opinião: o que é um ativista profissional?

Fotografia que mostra as mãos de uma pessoa ativista segurando uma placa que tem estampada a imagem de uma folha da maconha verde em um vaso preto e, ao fundo, pessoas e uma grande faixa com as palavras "Legalize Já". Foto: Dave Coutinho | Smoke Buddies.

Longe de desmerecer o trabalho de DeAngelo, tampouco julgar seu lado ativista — ou empreendedor —, o fato é que a afirmação de que ele representa a imagem do “ativista profissional” como “aquele que deu certo” parece não traduzir o que é um ativista de cannabis

Uma coluna on-line publicada ontem (24), na Folha de S.Paulo, com o perfil de Steve DeAngelo, ativista e empresário estadunidense conhecido como “o pai da indústria legal de cannabis”, chama a atenção pelo título.

“Você sabe o que é um ativista de Cannabis?”

 

 

Se, à primeira vista, a pergunta pode nos levar a uma análise dos grupos interseccionais que protagonizam a luta pela legalização e regulamentação da cannabis, fica claro, nas primeiras linhas, que não é exatamente disso que trata o texto.

“Se pensou na figura do jovem alternativo à frente de uma marcha da maconha, não está errado. Mas esta imagem envelheceu. Hoje temos o ativista profissional, aquele que deu certo, integrou-se e se destacou no sistema capitalista. Tem por detrás uma empresa de publicidade e comunicação, e uma mensagem elaborada sobre os valores da Cannabis”.

Longe de desmerecer o trabalho de DeAngelo, tampouco julgar seu lado ativista — ou empreendedor —, o fato é que a afirmação de que ele representa a imagem do “ativista profissional” como “aquele que deu certo” parece não traduzir, nem de longe, o que é um ativista de cannabis.

Por quê?

Em primeiro lugar, por que a figura do jovem alternativo à frente da marcha não envelheceu, nem existe: é um estereótipo que, inclusive, ativistas tentam derrubar. E se a imagem do “jovem alternativo”, algum dia, foi capaz de descrever os participantes das marchas da maconha, estivemos nos atos errados, já que nossa memória traz mães com crianças, pacientes e mulheres à frente das manifestações, plurais e diversas.

Depois, por que fazer da maconha um negócio não necessariamente transforma empresários em ativistas. Inclusive, há profissionais do setor, que se vestem com “roupas sóbrias, mas não clássicas”, incluindo gravata borboleta e sneakers coloridos, com verdadeiro horror à imagem (estereotipada, de novo) do ativista. Deixemos as crianças brincando e vamos, adultos, conversar na sala, eles dizem.

Entenda: não é que as duas coisas não possam se misturar. Nós, na Smoke Buddies, somos a prova de que o empreendedorismo pode, e deve, ser uma forma de ativismo. Estamos “integrados ao sistema capitalista”, assim como tantas outras empresas que se dedicam a atender e dialogar com os consumidores de maconha no Brasil. Mas, há diferença entre ser profissional e ser ativista.

Por fim, chegamos ao ponto crucial: “aquele que deu certo”. Deu certo em quê? A guerra às drogas continua, mesmo nos Estados Unidos e, do ponto de vista da luta antiproibicionista, que cruza com outras, como a pelo desencarceramento de pobres e negros, pelo acesso à saúde e redução de danos e pela equidade e igualdade social, por enquanto parece que está dando tudo muito errado, mesmo. Ativista só “dá certo” quando vence sua batalha.

Imaginamos que a intenção não foi diminuir o papel do ativista da cannabis, e é certo que há muitos perfis dentro de uma simples definição — dentro da qual se encontra, sim, Steve DeAngelo, mas muitas, muitas outras figuras. E não é preciso, para isso, sair do país.

Basta olhar para as famílias que protagonizam a luta por acesso à maconha medicinal e para os cultivadores que, em muitos casos e correndo riscos, fornecem matéria-prima a estas famílias. Olhar para os jovens de favelas, que combatem, na linha de frente, a guerra às drogas como política genocida. Para os advogados dedicados a criar jurisprudência favorável ao cultivo doméstico, para pesquisadores, psicólogos, jornalistas, juízes, youtubers, artistas, isso para ficar apenas nos “profissionais”.

Mas, se for para encontrar uma definição simples e clara do que é o ativista de cannabis, acreditamos que seria algo como qualquer cidadão que se propõe a construir uma nova narrativa em torno da planta.

#PraCegoVer: fotografia (de capa) que mostra as mãos de uma pessoa segurando uma placa que tem estampada a imagem de uma folha da maconha verde em um vaso preto e, ao fundo, pessoas e uma grande faixa com as palavras “Legalize Já”. Foto: Dave Coutinho | Smoke Buddies.

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Sobre Thaís Ritli

Thaís Ritli é jornalista especializada em cannabis e editora-chefe na Smoke Buddies, onde também escreve perfis, crônicas e outras brisas.
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