Substâncias psicodélicas: estudos mostram avanços no tratamento contra doenças psiquiátricas

Fotografia mostra cogumelos de haste cor creme e píleo em degradê de bege crescendo em um solo coberto por folhas e galhos secos, na parte esquerda da imagem, e uma floresta de árvores altas, com uma pequena abertura no dossel por onde se vê o sol, ao fundo. Crédito: andersfloor | Pixabay.

Duas pesquisas publicadas recentemente trazem resultados consolidados. No Brasil, pesquisas avaliam psicodélico usado por povos tradicionais e em rituais religiosos: a ayahuasca. As informações são do G1

Duas das revistas científicas mais respeitadas do mundo — “The New England Journal of Medicine” e “Nature” — publicaram recentemente resultados consistentes de pesquisas sobre o uso de psicodélicos no tratamento contra a depressão e o estresse pós-traumático.

O “New York Times” falou em “revolução” na psiquiatria ao tratar do uso do MDMA (princípio ativo do ecstasy) e da psilocibina (extraída de cogumelos alucinógenos). Especialistas ouvidos pelo G1 concordam com o termo usado pelo jornal e dizem que a ciência está em uma nova etapa em relação ao tema.

Desde a declaração de guerra contra as drogas e a contracultura nos anos 1960 até o início do século XXI, ficaram pausadas as descobertas científicas sobre os efeitos dos psicodélicos no cérebro. Pesquisadores resilientes insistiram no assunto e, agora, colhem os resultados também apoiados por investimentos milionários de fundações interessadas nas novas descobertas. A Johns Hopkins, universidade estadunidense, criou há dois anos um centro de pesquisas e já arrecadou U$S 17 milhões (quase R$ 90 milhões) para pesquisas e desenvolvimento.

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Um desses cientistas é Rick Doblin, autor do estudo publicado na “Nature” a respeito do MDMA no último 10 de maio. O ensaio de fase 3 randomizado e duplo cego (pacientes escolhidos em sorteio e sem o conhecimento dos autores) traz resultados “robustos” a respeito da ação da substância no tratamento do estresse pós-traumático grave, incluindo problemas relacionados com traumas de infância, depressão e abuso de álcool.

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Detalhes do estudo

  • O recrutamento dos participantes ocorreu entre 2018 e 2020.
  • No total, se inscreveram 345 pessoas, sendo que 91 pessoas estavam aptas.
  • 77 eram dos Estados Unidos, 9 do Canadá e 5 de Israel — 46 receberam MDMA e 44 fizeram parte do grupo placebo (não receberam a substância).
  • Resultados: houve uma melhora significativa dos pacientes que receberam a droga, em comparação com aqueles que não receberam. Dezoito semanas após o início do estudo, 67% dos participantes que receberam o MDMA já não preenchiam mais os critérios para o diagnóstico de estresse pós-traumático grave, contra 32% do grupo placebo. Além disso, entre os que receberam, a remissão da doença foi constatada em 33% após três sessões de uso, contra 2% do grupo controle.

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Cogumelos da revolução

A psilocibina, dos cogumelos alucinógenos, também apresentou bons resultados, em pesquisa publicada pelo “New England Journal of Medicine” em 15 de abril. O artigo, com ensaios randomizados e duplos-cegos, mostrou que a substância tem uma ação semelhante à de um antidepressivo clássico (escitalopram) e conseguiu agir contra a doença, inclusive em casos de pacientes mais resistentes aos tratamentos tradicionais.

Detalhes do estudo

  • A pesquisa envolveu pacientes de 18 a 80 anos (média de 41 anos) com depressão moderada a grave e de longa duração.
  • Cerca de mil pacientes passaram por triagem, mas 59 foram selecionados — 30 receberam a psilocibina e 29 o antidepressivo clássico.
  • A psilocibina e o escitalopram foram comparados em tratamento que durou 6 semanas;
  • Todos receberam apoio psicológico e nenhum evento adverso grave foi observado.
  • Resultado: em comparação com o início do tratamento, ambos os grupos apresentaram uma resposta similar e uma redução no quadro de depressão. Uma limitação do estudo é a curta duração do tratamento com o escitalopram, que geralmente exige um tempo maior de aplicação. Além disso, é necessária a comparação direta com um grupo placebo para uma confirmação dos resultados.

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Psicodélicos no cérebro

Para Stevens Rehen, neurocientista brasileiro do IDOR e da UFRJ e pesquisador dos psicodélicos em células neurais, estamos vivendo um “momento muito interessante” para pesquisar essas substâncias.

“Esses dois estudos acabam sendo um certo divisor de águas. Primeiro por que eles são publicados em revistas científicas mais conceituadas e tradicionais, a ‘NEJM’ e a ‘Nature’, e por instituições de pesquisa que também se consolidaram, como é o caso do Imperial College”, disse Rehen.

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A pesquisa sobre psilocibina é assinada por 12 cientistas, entre eles Robin Carhart-Harris, do Centro de Pesquisas Psicodélicas, na Faculdade de Medicina do Imperial College, em Londres. O Brasil é o terceiro país com a maior quantidade de projetos sobre o assunto, atrás dos Estados Unidos e do Reino Unido. Apenas sobre o MDMA, são mais de 100 estudos em andamento no mundo.

Não é uma alucinação da ciência. Na verdade, são muitas as evidências e razões concretas já reunidas sobre o assunto — a começar pelo fato de os psicodélicos atuarem junto aos receptores de serotonina, a substância do bem-estar e do humor. Isso tem tudo a ver com a depressão, o estresse pós-traumático e outras doenças psiquiátricas. Rehen, inclusive, é um dos cientistas que cria células neurais humanas em laboratório, no Rio de Janeiro, e faz testes com psicodélicos no tecido.

“Eu trabalho com a parte celular e molecular. Nós temos uma tradição de criar esses modelos vivos do cérebro humano. Reprogramamos as células a partir da pele ou da urina de voluntários e criamos neurônios em laboratório que têm os mesmos padrões genéticos dos nossos doadores”, explica. “Estamos tentando entender o que ocorre no cérebro que está exposto a esses psicodélicos”.

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Ayahuasca

O Brasil também pesquisa essas mesmas substâncias psicodélicas — MDMA e psilocibina —, mas tem destaque para uma em específico: a ayahuasca. Ela é uma mistura de duas plantas que, quando combinadas, conseguem fazer o efeito farmacológico necessário para que as pessoas tenham as experiências que incluem alucinações, enjoo e até vômito.

Em 2005, Dráulio Barros de Araújo, neurocientista, começou a desenhar as pesquisas envolvendo plantas misturadas e pacientes com resistência aos tratamentos tradicionais contra a depressão. Ele é pioneiro no mundo em analisar as reações cerebrais por imagem de ressonância magnética durante o uso da ayahuasca.

Ele recrutou em uma das igrejas do Santo Daime, em Ribeirão Preto, interior de São Paulo, voluntários com experiência no uso da ayahuasca. Araújo precisava de pessoas que já conhecessem os efeitos — que duram cerca de 4 horas — para conseguir colocá-las dentro de uma máquina de ressonância. Depois de registrar como funcionava a ayahuasca, passou para uma fase mais clínica, com testes nos pacientes.

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Era a primeira experiência deles [pacientes] com a ayahuasca ou, na verdade, com qualquer outra substância psicodélica. A gente acompanhava no hospital, e esse acompanhamento incluía avaliações para olhar para a severidade dos sintomas de depressão.”

“Depois de uma única sessão com a ayahuasca, um dia depois da intervenção, as pessoas apresentavam uma melhora significativa que persistia por alguns dias. Então, isso é superimportante do ponto de vista da clínica psiquiátrica ou do tratamento de pacientes com depressão, porque todos os medicamentos que a gente tem hoje precisam da ordem de 15 dias para fazer efeito”, explicou Araújo.

Próximos passos

Rehen e Araújo concordam com o “New York Times” a respeito da escolha do termo “revolução”. Segundo os pesquisadores, o que a ciência vive é uma revolução dos tratamentos psiquiátricos com substâncias psicodélicas, principalmente para a depressão e o estresse pós-traumático com MDMA e a psilocibina.

O caminho ainda exige testes para definição de possíveis efeitos colaterais. Todos os medicamentos têm esses riscos, e com os psicodélicos não deve ser diferente. Além disso, pacientes com histórico de transtorno bipolar, esquizofrenia, entre outras condições, têm risco maior de apresentar uma reação adversa no consumo de substâncias psicodélicas.

São necessárias também mais pesquisas para entender possíveis reações cruzadas entre o uso dos psicodélicos em pacientes que já consomem outros medicamentos, como os antidepressivos. Como ambos agem diretamente nos receptores de serotonina, há certo risco de desenvolver uma crise devido ao excesso.

Há, ainda, um longo caminho na estruturação de mais estudos clínicos extensos, uma definição das doses, da frequência de uso, do tipo de aplicação.

“Os estudos estão sendo muito criteriosos na seleção dos pacientes. Obviamente, existem pessoas que não vão poder tomar psicodélicos, que têm quadros psiquiátricos por outros motivos associados e, possivelmente, serão excluídas dos estudos”, disse Rehen.

“Mas eu acho que os estudos têm justamente esse objetivo: você seleciona os pacientes que estão sem os medicamentos tradicionais, em outras palavras, que não tinham tratamento para ajudar. Agora podem ter.”

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