Psicodelia, funcionalidade e estilo para consumidores de haxixe

Com nome que remete à ‘impressão digital de Deus’ e a proposta de atender amantes de haxixe com soluções originais para o armazenamento e o consumo de derivados de cannabis, marca conquista espaço em um nicho superespecializado

“A galera brinca que a pista tá sempre perfumada”, diz o DJ de psytrance Igor Rosetti ao explicar o perfil de consumo de cannabis que predomina nas festas de música eletrônica em que ele — e sua marca, a Fractal — costumam marcar presença. “Eu sempre gostei muito de festa de música eletrônica”, e continua: “e aqui no Espírito Santo é muito forte a cultura do haxixe”.

Da natural união de paixões intrínsecas, pelo psicodélico, pelo haxixe e pelo estilo, o capixaba de 33 anos se viu diante da criação de uma marca que transita nestes mundos e dialoga com um nicho superespecializado, para o qual poucas empresas olharam, até hoje, com cuidado e atenção.

Por acaso

Detalhes meticulosos de um acervo criterioso, como o material fluorescente das cuias ou a tampa antiaderente do pote de vidro, dão a impressão de que a trilha da Fractal segue caminhos planejados, mas a verdade é que essa história começa por acaso, em 2015, com a máquina de costura de Dona Sônia, que permitia fazer alguns bordados.

“A máquina da minha mãe fazia uns desenhos específicos”, conta Igor. “Aí fui procurar um desenho que fosse mais a minha cara, e achei esse padrão fractal. Um desenho que gostei e mostrava muito o que acontecia nas minhas experiências psicodélicas, e decidi usar a logo para fazer uma tabaqueira para os meus amigos”.

Com o logo antes mesmo do nome e com a intenção de satisfazer uma necessidade específica da galera da cremaria nas festas de psytrance, a Fractal só virou um projeto sério na vida de Igor anos depois, quando, também por acaso, ele encontrou uma grande oportunidade em pequenas cumbucas de silicone feitas para servir molho shoyu.

Visão

“Eu trabalho numa empresa de exportação e importação, e sempre fiquei na busca de comprar artigos de tabacaria pra mim mesmo, coisas diferentes que não tinham no Brasil”, conta. “Comecei a comprar essas cumbucas, fui comprando e revendendo, até que chegou uma hora que acabaram. O fornecedor falou: vou ser bem sincero com você, a gente não fabrica mais essas cuias. Era estoque antigo e você é a única pessoa do mundo que compra isso da gente. Aí eu comecei a entrar na mente do fornecedor”.

Ao persuadir o fabricante chinês sobre o potencial do mercado de acessórios para consumo de cannabis e derivados no mundo, Igor o convenceu a personalizar um lote de cuias, com silicone que brilha no escuro e logo da Fractal, ideia que se confirmou como sucesso em vendas — e entrou para o portfólio da marca.

Curadoria 

As cuias somaram-se às tabaqueiras originais, em couro e aprimoradas, costuradas pela mãe e pela tia de Igor, e depois ao modelo de mixing bowl indiano, também em couro, em uma linha de produtos própria para rituais haxixeiros que leva em conta funcionalidade, originalidade e estilo.

“A partir do momento que as cumbucas começaram a ter pedido de tabacaria com renome nacional, eu percebi que tinha que levar um pouco mais a sério”, conta Igor. “Mas, no momento que eu lancei as tesouras, vi que era hora de começar a me dedicar a isso de uma forma diferente. Começou a vir pedido de Roraima, Bahia, Santa Catarina, Goiás, Mato Grosso”.

A afiada curadoria de produtos para o nicho também resultou em collabs da Fractal com outras empresas canábicas, como a cuia Mazar, feita em parceria com a The Hash Crew, as piteiras de vidro produzidas pela KPipes e, claro, as clássicas tesouras dobráveis, em uma collab com a Smoke Buddies.

“Eu pesquiso produtos de outros mercados que serviriam para o consumidor de haxixe”, diz, relevando ainda que seu processo de pesquisa e escolha do portfólio também leva em conta necessidades específicas do consumidor. “Se tem gente que paga R$ 100, R$ 150 ou R$200 na grama de um concentrado, vai querer pagar um preço justo, mesmo que sendo mais alto, para um produto que garante conservar aquilo”.

Neste caso, Igor encontrou no mercado recém-regulamentado a solução para um problema que produtos convencionais não atendiam: haxixe grudado na tampa dos potes. “Demorei três meses para convencer o fornecedor de enviar para o Brasil”, ele conta. “Apesar de ser um produto para um mercado muito específico e não ter um valor barato, por todas as características, arrisquei nessa. E deu certo”.

Propósito

“A rotina é uma loucura, tem dia que a gastrite está nas alturas, estômago queimando”, confessa Igor, que se desdobra para dar conta da jornada dupla, às vezes tripla, de funcionário, empreendedor e DJ.

Mas, para quem entrou nessa por iniciativa e motivação próprias, não há espaço para lamentar. “Se não tivesse a Fractal no mundo, eu ia criar. O que me move é saber que estou sendo útil pra uma galera e saber que a gente está fazendo isso com estilo ainda”.

Apesar das dificuldades de uma microempresa nichada no Brasil, com gargalos logísticos, burocracias e custos de importação, a Fractal (que recentemente deixou de ser empresa de uma pessoa só) é um exemplo da força do setor que, mesmo diante de incertezas, acompanha tendências tão certas como os intrigantes padrões geométricos fractais.

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#PraCegoVer: fotografia de capa mostra modelo de tesoura dobrável, com base em furta-cor metálico, da Fractal em collab com a Smoke Buddies, com o nome e o logo da marca gravados na lâmina do produto. O fundo é a foto de uma flor de cannabis. Imagem: Smoke Buddies.

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Sobre Thaís Ritli

Thaís Ritli é jornalista especializada em cannabis e editora-chefe na Smoke Buddies, onde também escreve perfis, crônicas e outras brisas.
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