Proposta da Anvisa para plantio de maconha tem resistência dentro da própria agência

Fotografia de várias plantas de maconha, em período vegetativo, sendo cultivadas em um ambiente fechado, sob várias luminárias redondas de luz branca; a foto foi registrada nas instalações da associação Abrace Esperança. Anvisa.

A maior expectativa em relação à aprovação da proposta é pela postura do diretor da Anvisa Antônio Barra Torres, indicado pelo governo Bolsonaro, que demonstra resistência à medida. As informações são da Folha de S.Paulo

Na mira do governo Bolsonaro, a proposta em discussão na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) de dar aval ao plantio de Cannabis para fins medicinais deve passar por mudanças, ao mesmo tempo em que já enfrenta novos pontos de resistência dentro e fora da agência.

A tendência é que o diretor-presidente do órgão e relator da norma, William Dib, mantenha a proposta. Membros da agência, porém, já reconhecem que há risco de que ela não seja aprovada tão cedo.

A maior expectativa é pela postura do diretor da Anvisa Antônio Barra Torres, que tomou posse em agosto, indicado pelo governo Bolsonaro.

Médico e militar, Barra declarou em sabatina no Senado antes de assumir o cargo que tem ressalvas sobre um possível aval ao plantio. “Me causaria muita preocupação uma autorização ampla, geral para que seja plantada. Não vamos poder fiscalizar nem a planta nem tampouco a produção do óleo contendo o princípio ativo.”

Questionado pela Folha na última semana, Barra disse que só se manifestaria “na hora do voto”.

Em consulta pública, a medida teve 1.154 contribuições, a maioria favoráveis. A proposta final da Anvisa deve ser apresentada ainda neste mês. 

A possibilidade de que a União autorize o plantio de Cannabis para fins medicinais e científicos consta da lei 11.343, de 2006, conhecida como Lei de Drogas. A medida, porém, nunca foi regulamentada.

Na reta final à frente da Procuradoria-Geral da República, Raquel Dodge pediu que seja determinado um prazo para que a União e a Anvisa regulamentem o plantio de maconha para fins medicinais.

Em parecer ao STF (Supremo Tribunal Federal), Dodge, que deixou o cargo no último dia 17, disse que houve “omissão inconstitucional” do poder público na implementação das condições necessárias ao acesso ao uso medicinal da Cannabis.

A manifestação ocorreu por conta de uma Adin (Ação Direta de Inconstitucionalidade) proposta pelo PPS, que questiona trechos da Lei de Drogas e do Código Penal.

A ex-procuradora diz que a impossibilidade de cultivo da Cannabis para fins medicinais, em razão da ausência de regulamentação da matéria, gera diferentes impactos.

“Não só sobre a produção científica brasileira relacionada ao tema mas também, e acima de tudo, sobre a saúde de diversos pacientes que possuem indicação médica para tratamento com produtos e medicamentos feitos à base de canabinoides.”

Para o advogado Beto Vasconcellos, que integrou a comissão de juristas para revisão da Lei sobre Drogas da Câmara dos Deputados, não faz o menor sentido postergar a regulação de plantio da Cannabis medicinal.

“As propostas da Anvisa são boas normas, produzidas a partir de regulamentação mundial já testada há dez anos e adaptadas para o Brasil. Do ponto de vista de saúde e científico, há elementos suficientes para fazer contrapontos a qualquer argumento contrário.”

Segundo ele, países que perceberam o mercado bilionário que se abriu com a maconha medicinal, como o Canadá e a Colômbia, saíram na frente em regulações sobre plantio, fabricação de produtos e desenvolvimento de pesquisas.

Estudos do setor mostram que o mercado da maconha medicinal movimentaria de R$ 1,1 bilhão a R$ 4,7 bilhões, se houvesse regulação no país favorável ao plantio.

Leia: Mercado da maconha medicinal no Brasil prevê quase R$ 5 bilhões por ano

Para que as novas regras sobre o tema sejam aprovadas pela Anvisa, é necessário ter voto favorável da maioria dos cinco diretores.

Nos bastidores, a avaliação é que Barra poderia pedir vistas do processo, o que adiaria o debate, dando espaço para novas articulações do governo.

Embora o prazo de vista seja de duas sessões, as regras preveem que diretores podem solicitar maior tempo para análise, mediante justificativa.

Além disso, o governo Bolsonaro deve ter maioria na Anvisa já no início de 2020. Em dezembro, dois diretores, incluindo o presidente, terminam o mandato, o que abrirá espaço para novas indicações.

Desde que foi apresentada, a proposta de dar aval ao plantio de Cannabis e criar regras específicas para registro de medicamentos à base de planta tem sido alvo de divergência junto ao governo.

A principal voz contrária ao processo tem sido a do ministro da Cidadania, Osmar Terra. Em entrevista à Folha em julho, Terra disse que a medida representa “o primeiro passo para a legalização da maconha no Brasil”.

O Palácio do Planalto também já se manifestou contrário ao plantio e favorável a agilizar o processo de importação de produtos com canabidiol, substância derivada da maconha que não dá “barato”. Já o Ministério da Saúde enviou parecer à Anvisa sugerindo que o registro de produtos seja concentrado apenas no canabidiol e para casos de epilepsia refratária.

O Brasil já tem o registro de um remédio à base de Cannabis. Chamado Mevatyl, ele é composto por THC, substância da maconha alvo de controvérsia pelos efeitos psicoativos, e canabidiol. É indicado para casos de espasmos musculares em pacientes com esclerose múltipla.

Em meio aos debates, a Anvisa aprovou na última semana mudanças no processo de importação de produtos à base de canabidiol. O formulário foi simplificado e houve redução de etapas de distribuição interna de documentos. O objetivo é dar mais agilidade ao processo, que hoje leva em torno de 45 dias.

Desde 2015, quando o aumento de demandas judiciais levou a agência a abrir esse processo, mais de 7.785 pacientes já obtiveram esse aval. As doenças mais citadas nos laudos médicos são epilepsia, autismo, dor crônica, doença de Parkinson e transtornos ansiosos.

Para a Anvisa, porém, falta controle sobre esses produtos importados, ao mesmo tempo em que crescem os pedidos por autorização.

Outro impasse são os custos altos, daí a justificativa de propor a liberação do plantio para que novos remédios sejam pesquisados e desenvolvidos no Brasil, reduzindo os custos.

Para contestar as acusações do governo de que o processo possa resultar em uma legalização da Cannabis, Dib tem dado a mesma resposta: “Se vai ser liberada a Cannabis, isso é problema policial, de Estado, do Congresso. Não é problema da agência. A agência não pode discutir isso”.

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) de várias plantas de maconha, em período vegetativo, sendo cultivadas em um ambiente fechado, sob várias luminárias redondas de luz branca; a foto foi registrada nas instalações da associação Abrace Esperança. Foto: Adriano Vizoni | Folhapress.

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