Programa de governo de Lula inclui nova política de drogas focada em redução de danos
Documento também aborda substituição do modelo bélico de combate ao tráfico e melhoria da qualificação técnica dos policiais
O Partido dos Trabalhadores (PT) apresentou no último dia 21 de junho o documento com as diretrizes para o programa de governo do pré-candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva.
Intitulado “Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil 2023-2026”, o documento aborda pontos importantes, como uma nova política sobre drogas, substituição do atual modelo bélico de combate ao tráfico por estratégias de enfrentamento baseadas em conhecimento e informação e melhoria da qualificação técnica dos policiais.
No âmbito da política sobre drogas, a campanha de Lula indica que seu governo vai adotar uma postura mais evoluída. “O país precisa de uma nova política sobre drogas, intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário”.
A expressão “redução de riscos” se refere a um conjunto de estratégias e ideias práticas que visam reduzir as consequências negativas associadas ao uso de drogas, também conhecido como “redução de danos”.
De acordo com a Harm Reduction International, a redução de danos abarca políticas, programas e práticas fundamentadas na justiça e nos direitos humanos. “Concentra-se na mudança positiva e no trabalho com pessoas sem julgamento, coerção, discriminação ou exigência de que parem de usar drogas como pré-condição de apoio”, explica a organização em seu site.
O plano de governo petista, ao incluir a redução de danos em sua política sobre drogas, está apontando para um caminho que tem se mostrado mais eficaz do que a proposta proibicionista, focada na abstinência compulsória e abordagem violenta ao usuário de substâncias.
Enquanto no Brasil, e em outros países que continuam promovendo a abstinência forçada e criminalização do usuário, o consumo e comércio de drogas só têm aumentado mais a cada ano, com cadeias superlotadas e genocídio das comunidades mais vulneráveis. Em lugares como Suíça e Portugal, que adotaram a redução de danos e a descriminalização como políticas públicas, o número de overdoses fatais e usuários abusivos de drogas caiu drasticamente.
O programa de governo de Lula também afirma que “o atual modelo bélico de combate ao tráfico será substituído por estratégias de enfrentamento e desarticulação das organizações criminosas, baseadas em conhecimento e informação, com o fortalecimento da investigação e da inteligência”. Outro sinal de evolução da política de drogas, levando em consideração que a atual estratégia empregada no país não faz uso da inteligência, com a polícia encarcerando e assassinando milhares de pessoas negras e periféricas todos os anos, enquanto donos de helicópteros e aviões carregados de cocaína seguem ilesos.
O texto fala ainda na “melhoria da qualificação técnica dos policiais”, através de estratégias como a “reformulação dos processos de seleção, formação e capacitação continuada” e a “atualização de doutrinas”. E que “serão realizadas reformas para ampliar a eficiência do Sistema de Segurança por meio da modernização das instituições de segurança, das carreiras policiais, dos mecanismos de fiscalização e supervisão da atividade policial e do aprimoramento das suas relações com o Sistema de Justiça Criminal”.
Melhorar a qualificação da polícia e modernizar a fiscalização de suas atividades também é um ponto crucial no debate sobre a política de drogas do país. O argumento do combate ao tráfico é usado pelas forças policiais como justificativa para o alto número de mortes em ações dentro de comunidades pobres.
Leia também: Chacinas, cracolândias e câmara de gás: por que a guerra às drogas precisa acabar
Em maio deste ano, uma operação policial no Complexo da Penha, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, deixou 25 mortos sob a desculpa de querer prender os chefes de uma facção de tráfico de drogas. A ação ocorreu um ano após a Chacina do Jacarezinho, quando a polícia civil, com o pretexto da guerra às drogas, assassinou 28 pessoas.
As diretrizes que tangem a política sobre drogas no programa de governo do PT, apesar de serem um avanço em relação à atual necropolítica, fazem muito pouco para consertar o estrago proporcionado pela Lei nº 11.343, sancionada em 2006 sob a presidência de Lula, que deixou a cargo de policiais, promotores e juízes a definição de quem é usuário e quem é traficante.
A lei de drogas de 2006 eliminou a pena de prisão para usuários, prevendo punições de advertência, prestação de serviços à comunidade ou obrigação de comparecer em programas educativos. Contudo, o texto não definiu critérios claros para diferenciação entre uso e tráfico, como a quantidade de drogas.
“Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”, diz o parágrafo segundo do art. 28 da lei.
Leia mais: Por oportunismo ou conscientização, Lula se mostra contra a criminalização da maconha
O resultado da subjetividade na distinção entre consumo pessoal e tráfico da lei foi o encarceramento em massa de negros e pobres como traficantes. A polícia não precisa de provas para legitimar a prisão de uma pessoa por tráfico de drogas, bastando o seu testemunho.
Desde 2006, a população carcerária aumentou mais de 250% — atualmente 811 mil pessoas estão privadas de liberdade no país, segundo o Departamento Penitenciário Nacional — enquanto o número de presos por delitos ligados às drogas aumentou 156%. As pessoas negras compõem 67% dos encarcerados. Antes da atual lei de drogas, os negros eram 58%, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.
Os pequenos avanços na seara da política de drogas previstos no plano de governo de Lula podem contribuir para conter o encarceramento em massa das populações negras e pobres. No entanto, para reparar as injustiças cometidas contra essas comunidades, são necessárias, no mínimo, iniciativas de anistia das pessoas presas por delitos relacionados às drogas e reparação histórica para os indivíduos atingidos pela guerra às drogas.
Veja também:
Brasil fica em último lugar em índice que avalia as políticas de drogas
#PraTodosVerem: fotografia do peito para cima de Lula, usando paletó azul-escuro e gravata listrada vermelha e azul, com fundo embaçado em tons de verde. Imagem: Ricardo Stuckert / divulgação.
- Potencial econômico da cannabis é destaque em audiência da Frente Parlamentar de São Paulo - 28 de março de 2024
- Câmara de João Pessoa promulga lei que garante fornecimento de remédios à base de maconha - 27 de março de 2024
- Luana Piovani diz que fumou maconha antes de reencontro com Pedro Scooby - 26 de março de 2024
- Frente parlamentar da cannabis em Pernambuco defende produção local por associações de pacientes - 26 de março de 2024
- Pacientes observam melhora na qualidade de vida após tratamento com maconha, mostra estudo - 25 de março de 2024
- Uruguai pode dar mais uma lição? Dois terços dos legisladores concordam em legalizar todas as drogas - 24 de março de 2024