Programa de governo de Lula inclui nova política de drogas focada em redução de danos

Fotografia do peito para cima de Lula, usando paletó azul-escuro e gravata listrada vermelha e azul, com fundo embaçado em tons de verde. Imagem: Ricardo Stuckert / divulgação.

Documento também aborda substituição do modelo bélico de combate ao tráfico e melhoria da qualificação técnica dos policiais

O Partido dos Trabalhadores (PT) apresentou no último dia 21 de junho o documento com as diretrizes para o programa de governo do pré-candidato à presidência Luiz Inácio Lula da Silva.

Intitulado “Diretrizes para o Programa de Reconstrução e Transformação do Brasil 2023-2026”, o documento aborda pontos importantes, como uma nova política sobre drogas, substituição do atual modelo bélico de combate ao tráfico por estratégias de enfrentamento baseadas em conhecimento e informação e melhoria da qualificação técnica dos policiais.

No âmbito da política sobre drogas, a campanha de Lula indica que seu governo vai adotar uma postura mais evoluída. “O país precisa de uma nova política sobre drogas, intersetorial e focada na redução de riscos, na prevenção, tratamento e assistência ao usuário”.

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A expressão “redução de riscos” se refere a um conjunto de estratégias e ideias práticas que visam reduzir as consequências negativas associadas ao uso de drogas, também conhecido como “redução de danos”.

De acordo com a Harm Reduction International, a redução de danos abarca políticas, programas e práticas fundamentadas na justiça e nos direitos humanos. “Concentra-se na mudança positiva e no trabalho com pessoas sem julgamento, coerção, discriminação ou exigência de que parem de usar drogas como pré-condição de apoio”, explica a organização em seu site.

O plano de governo petista, ao incluir a redução de danos em sua política sobre drogas, está apontando para um caminho que tem se mostrado mais eficaz do que a proposta proibicionista, focada na abstinência compulsória e abordagem violenta ao usuário de substâncias.

Enquanto no Brasil, e em outros países que continuam promovendo a abstinência forçada e criminalização do usuário, o consumo e comércio de drogas só têm aumentado mais a cada ano, com cadeias superlotadas e genocídio das comunidades mais vulneráveis. Em lugares como Suíça e Portugal, que adotaram a redução de danos e a descriminalização como políticas públicas, o número de overdoses fatais e usuários abusivos de drogas caiu drasticamente.

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O programa de governo de Lula também afirma que “o atual modelo bélico de combate ao tráfico será substituído por estratégias de enfrentamento e desarticulação das organizações criminosas, baseadas em conhecimento e informação, com o fortalecimento da investigação e da inteligência”. Outro sinal de evolução da política de drogas, levando em consideração que a atual estratégia empregada no país não faz uso da inteligência, com a polícia encarcerando e assassinando milhares de pessoas negras e periféricas todos os anos, enquanto donos de helicópteros e aviões carregados de cocaína seguem ilesos.

O texto fala ainda na “melhoria da qualificação técnica dos policiais”, através de estratégias como a “reformulação dos processos de seleção, formação e capacitação continuada” e a “atualização de doutrinas”. E que “serão realizadas reformas para ampliar a eficiência do Sistema de Segurança por meio da modernização das instituições de segurança, das carreiras policiais, dos mecanismos de fiscalização e supervisão da atividade policial e do aprimoramento das suas relações com o Sistema de Justiça Criminal”.

Melhorar a qualificação da polícia e modernizar a fiscalização de suas atividades também é um ponto crucial no debate sobre a política de drogas do país. O argumento do combate ao tráfico é usado pelas forças policiais como justificativa para o alto número de mortes em ações dentro de comunidades pobres.

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Em maio deste ano, uma operação policial no Complexo da Penha, na zona norte da cidade do Rio de Janeiro, deixou 25 mortos sob a desculpa de querer prender os chefes de uma facção de tráfico de drogas. A ação ocorreu um ano após a Chacina do Jacarezinho, quando a polícia civil, com o pretexto da guerra às drogas, assassinou 28 pessoas.

As diretrizes que tangem a política sobre drogas no programa de governo do PT, apesar de serem um avanço em relação à atual necropolítica, fazem muito pouco para consertar o estrago proporcionado pela Lei nº 11.343, sancionada em 2006 sob a presidência de Lula, que deixou a cargo de policiais, promotores e juízes a definição de quem é usuário e quem é traficante.

A lei de drogas de 2006 eliminou a pena de prisão para usuários, prevendo punições de advertência, prestação de serviços à comunidade ou obrigação de comparecer em programas educativos. Contudo, o texto não definiu critérios claros para diferenciação entre uso e tráfico, como a quantidade de drogas.

“Para determinar se a droga destinava-se a consumo pessoal, o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, às circunstâncias sociais e pessoais, bem como à conduta e aos antecedentes do agente”, diz o parágrafo segundo do art. 28 da lei.

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O resultado da subjetividade na distinção entre consumo pessoal e tráfico da lei foi o encarceramento em massa de negros e pobres como traficantes. A polícia não precisa de provas para legitimar a prisão de uma pessoa por tráfico de drogas, bastando o seu testemunho.

Desde 2006, a população carcerária aumentou mais de 250% — atualmente 811 mil pessoas estão privadas de liberdade no país, segundo o Departamento Penitenciário Nacional —  enquanto o número de presos por delitos ligados às drogas aumentou 156%. As pessoas negras compõem 67% dos encarcerados. Antes da atual lei de drogas, os negros eram 58%, segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública.

Os pequenos avanços na seara da política de drogas previstos no plano de governo de Lula podem contribuir para conter o encarceramento em massa das populações negras e pobres. No entanto, para reparar as injustiças cometidas contra essas comunidades, são necessárias, no mínimo, iniciativas de anistia das pessoas presas por delitos relacionados às drogas e reparação histórica para os indivíduos atingidos pela guerra às drogas.

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#PraTodosVerem: fotografia do peito para cima de Lula, usando paletó azul-escuro e gravata listrada vermelha e azul, com fundo embaçado em tons de verde. Imagem: Ricardo Stuckert / divulgação.

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