Primeiro fundo de maconha do Brasil estreia hoje e meta é captar R$ 100 milhões

Fotografia em plano fechado que mostra uma porção de vários buds suculentos de maconha (cannabis) em tons de verde, laranja e roxo. Fundo.

A partir de hoje (29), uma opção para quem quer investir em ações de maconha chega às prateleiras de aplicações no Brasil, com o lançamento do fundo Vitreo Canabidiol, o primeiro do país voltado para esse mercado. As informações são do Valor Investe

A indústria legal de cannabis, popularmente conhecida como maconha, movimentou US$ 12 bilhões em todo o mundo no ano passado, segundo a Euromonitor. Com a legalização da planta em diversos países, seja para uso medicinal, cosmético ou adulto, a previsão do mercado é que esse segmento movimente US$ 166 bilhões por ano até 2025.

Até ontem, os brasileiros que tinham interesse em apostar financeiramente no desenvolvimento desse mercado ficavam praticamente de fora dessa festa, já que não há empresas desse setor listadas na bolsa brasileira. Para acessar o mercado de cannabis, o investidor tinha que abrir uma conta em uma corretora no exterior, o que acabava afugentando quem queria colocar apenas uma pequena parcela da carteira de investimentos no segmento.

A partir de hoje (29), uma opção chega às prateleiras de aplicações no Brasil, com o lançamento do fundo Vitreo Canabidiol FIA IE, o primeiro do país voltado para esse mercado, no mês em que a gestora de R$ 2,5 bilhões sob gestão completa um ano de atividade.

O fundo investirá no mercado financeiro dos EUA e do Canadá, com dois terços do portfólio de estreia em ETFs (Exchange Traded Funds, fundos negociados em bolsa) e um terço em ações de cinco a seis companhias.

George Wachsmann, sócio e chefe de gestão da Vitreo, explica que a estratégia de deixar a maior parte da carteira exposta a ETFs é a de apostar como um todo nesse mercado que, segundo ele, está no começo de um potencial ciclo de crescimento grande. “No ETF, você está mais diversificado, é mais uma aposta em um tema grande do que em uma empresa. Já as ações são escolhidas com base nas teses de investimento que nos chamam mais atenção”, explica.

Segundo a Vitreo, existem hoje mais de 100 companhias do setor com ações listadas em bolsa, sem contar as especulações sobre novas ofertas públicas iniciais (IPOs, na sigla em inglês). A maioria desses papéis são negociados no mercado de balcão, mas alguns circulam nas bolsas de valores.

Fundos de investimentos geralmente colocam um teto de valor de patrimônio líquido para manter a capacidade de gestão eficiente da carteira.

No caso do Vitreo Canabidiol, os gestores não determinam um volume-alvo de captação. “Por ser um produto inédito e tão diferenciado, é difícil determinar”, diz Patrick O’Grady, CEO da Vitreo.

Mas os gestores dizem que um marco importante seriam os primeiros R$ 100 milhões. “Acho que não vamos chegar tão rápido lá, mas esse seria um ponto em que eu pararia para dar uma respirada, olhar para trás e analisar antes de seguir em frente”, diz Wachsmann.

Nesse aspecto, um dos pontos importantes observados é a liquidez e é justamente ela, que ainda é baixa no setor de canábis, que mais vai pesar na análise dos gestores para limitar a captação.

Para brasileiros, mas poucos

Como o fundo Vitreo Canabidiol será 100% exposto ao mercado internacional, a CVM (Comissão de Valores Mobiliários) impõe a restrição de acesso apenas para investidores qualificados, ou seja, aqueles com pelo menos R$ 1 milhão em aplicações financeiras.

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O investimento mínimo é de R$ 5 mil, com taxa de administração de 1,5% ao ano e taxa de performance de 20% sobre o que exceder o desempenho do S&P 500 Total Return (índice que embute os dividendos pagos pelas empresas e que costuma rodar cerca de 2% acima do S&P 500). Por enquanto, o fundo Vitreo Canabidiol está disponível para investimento apenas na plataforma da própria gestora.

O prazo de resgate é em D+30, ou seja, seu dinheiro poderá ser resgatado 30 dias após a solicitação de saque. Já a cotização acontece em um dia.

Mercado volátil

As ações dessas empresas têm alta volatilidade, não só devido às tradicionais variações na oferta e na demanda, como acontece com qualquer ativo de renda variável, mas também por riscos específicos desse segmento, como aqueles associados a proibições de governos.

Vale destacar que embora essas empresas não sejam estatais, elas estão à mercê de eventuais mudanças nas composições dos governos e nas regulamentações do setor.

George Wachsmann vê o risco como um leque de oportunidades, uma vez que as chances de as liberações já existentes retrocederem são menores, segundo ele, enquanto novos países podem entrar no mercado, como é o caso do Brasil (leia mais abaixo). “As coisas podem ir mais rápido ou mais devagar, mas o que observamos no mundo todo é que isso caminha para frente, com crescente aceitação, especialmente o uso medicinal”, diz O’Grady.

O gestor da Vitreo conta que hoje 22 países já têm algum uso liberado do canabidiol, o que representa uma população total de mais de 1,5 bilhão de pessoas.

Além da exposição às oscilações das ações e dos ETFs, o desempenho do fundo da Vitreo – e seus investidores – estará exposto à variação cambial no período.

Apesar de o investidor precisar ter esse risco no radar, os gestores explicam que não veem no horizonte de curto e médio prazo potenciais solavancos na cotação da moeda americana frente ao real.

Baixa é janela de oportunidade?

Desde outubro de 2016, por exemplo, o Marijuana Index – índice que reflete o desempenho de 47 ações de empresas americanas e canadenses com capitalização superior a US$ 30 milhões e giro diário acima de US$ 600 mil – caiu 11,9%.

No período, o S&P 500, principal índice da NYSE, subiu 42,9%. O S&P 500 Total Return, que servirá de referência para o fundo, acumula rentabilidade de 51,8% no mesmo intervalo.

Mas este revés pode significar oportunidades. Nos EUA, especialistas têm identificado na atual baixa dos preços das ações uma oportunidade para começar a investir em ativos de canábis.

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Dicas para começar

Mesmo terceirizando a gestão, os especialistas da Vitreo orientam que seus clientes entendam pelo menos um pouco do setor em que o fundo aplica para que compreendam os riscos e oportunidades envolvidos.

O Valor Investe já mapeou os principais pontos nesta reportagem e apresenta abaixo os principais pontos para você pensar antes de investir no setor.

Faz sentido para seu perfil apostar nisso?

“Muita gente é contra queimadas na Amazônia, mas tem ações de empresas que fomentam isso. Ou é contra o aborto, mas investe em laboratórios que vendem pílulas”, pondera Fábio Gallo, professor de finanças da FGV-EAESP.

Entenda a terminologia

Entender os modelos de negócio requer aprender alguns termos. Por exemplo, você sabe o que é o canabidiol? Ou quais os princípios ativos na maconha medicinal e na recreativa?

A gente ajuda: o canabidiol, ou CBD, compõe até 40% das plantas e é remédio para doenças, da epilepsia à fibromialgia – há experimentos para Alzheimer. O CBD não dá barato, como o tetrahidrocanabinol (THC), embora pesquisas indiquem que não é possível obter efeitos medicinais sem combinar os dois.

Como esses, há dezenas de outros termos e conceitos a entender antes de sair investindo. Estude.

Entenda os riscos

Conheça o mercado e os produtos existentes. Por exemplo: investir em firmas que produzem para uso recreativo requer ter em mente que só nove Estados americanos o autorizam. Esse número está para aumentar? Ou, do contrário, pode ser reduzido caso mudem os governantes?

Mesmo na maconha medicinal, é preciso avaliar os critérios locais para requisição dos remédios, que podem ser mais ou menos restritivos – isso influencia o potencial da empresa.

Comece pequeno

É importante começar com proporção pequena do portfólio – 5% a 10%, segundo os especialistas ouvidos pelo Valor Investe. Para um investidor com perfil moderado, George Wachsmann orienta uma parcela em torno de 5%.

Perfil de investidor por “pontos”

Falando em perfil de investimento, os gestores da Vitreo defendem uma abordagem menos ortodoxa sobre o chamado “suitability”. Segundo esse entendimento, investidores de perfil conservador, por exemplo, não precisam se limitar a produtos com esse rótulo; o que determina a adequação é a composição total da carteira.

“No mundo tradicional de suitability, era tudo meio ‘cara-crachá’: você é moderado? Então está aqui o produto para moderados. Você é arrojado? Está aqui o arrojado. A gente prefere um meio-termo”, diz Wachsmann.

Ele explica com uma analogia com restrições alimentares ou dietas: mesmo alguém de regime, diz, pode comer alimentos gordurosos, desde que ajuste corretamente sua quantidade e proporção na dieta como um todo. “No dia a dia, isso se traduz quase como uma ‘dieta de pontos’. Temos nove gradações diferentes sobre perfil de investidor, do iniciante ao conhecedor, e a partir disso dizemos quanto risco a pessoa pode tolerar. E isso está diretamente relacionado ao tamanho da perda de patrimônio que aguenta perder. Posso ter um cliente conservador que compra 2% no fundo de canábis e 98% em pós-fixado, e ainda será conservador. Ou posso ter alguém moderado que compra 20% de bolsa e 80% de pós-fixado. Claro que só vou permitir comprar 100% disso para o cara mais arrojado do mundo, mas são inúmeras as combinações possíveis”, explica Wachsmann.

Como está esse mercado no Brasil?

Executivo e Legislativo debatem atualmente a descriminalização da maconha. No governo, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) começou a votar na semana passada a regulamentação do uso medicinal da maconha, após consulta pública aberta no primeiro semestre. Mas a votação foi interrompida por pedidos de vista feitos por dois conselheiros, Antônio Barra Torres e Fernando Mendes Garcia Neto.

O diretor-presidente da entidade, William Dib, já votou a favor da autorização de medicamentos à base da planta e da permissão do cultivo da maconha, por empresas, para fins medicinais.

Não há previsão de quando esse julgamento pode ser retomado.

No Supremo Tribunal Federal (STF), uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADIN) proposta em 2017 pelo Partido Popular Socialista – legenda que em março de 2019 mudou de nome para Cidadania – aguarda a retomada à pauta de julgamento. A ação questiona trechos da Lei de Drogas e do Código Penal e defende que o Senado Federal regule “o uso recreativo, medicinal e industrial da maconha”.

O julgamento, que tem repercussão geral, voltará a ser apreciado a partir de 6 de novembro, após o ministro Alexandre de Moraes, que havia pedido vista do processo, devolvê-lo à pauta no fim de 2018.

Leia: Julgamento sobre prisão em segunda instância faz STF adiar decisão sobre porte de drogas

Na atualização mais recente, em setembro, Raquel Dodge, então ainda no cargo de Procuradora Geral da República, pediu que a ação fosse julgada parcialmente procedente, classificou como “omissão inconstitucional” a falta de ação sobre o tema por parte dos poderes Executivo e Legislativo e solicitou que seja fixado prazo para manifestação da União e da Anvisa.

Investir em maconha pode ser crime?

Não há fundamentos legais para processar um investidor por aportar recursos em ações de empresas produtoras de maconha no exterior ou em fundos que investem nessas empresas.

Ainda assim, na opinião de advogados e procuradores federais ouvidos pelo Valor Investe, os princípios da autonomia e da discricionariedade que regem a atuação dos promotores públicos e dos juízes fazem com que exista uma chance – ainda que irrisória – de o investidor ser alvo de um inquérito ou de uma ação penal, ainda que ao final esses procedimentos resultem em absolvições.

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) em plano fechado que mostra uma porção de vários buds suculentos de maconha em tons de verde, laranja e roxo. Foto: Weed Streetwear | Flickr.

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