1ª Paralimpíada com canabidiol gera expectativa em brasileiros

Fotografia, em perfil, de Susana Schnarndorf no momento em que a nadadora executa um treino para a seletiva, usando touca branca com logos de patrocinadores em azul e vermelho e óculos azuis. Foto: Ale Cabral | Comitê Paralímpico Brasileiro.

Talisson Glock, Susana Schnarndorf e Roberto Alcalde, atletas de altíssimo rendimento da natação do Brasil, medalhistas em mundiais, Jogos Paralímpicos e Parapan-Americanos, que estarão no Japão disputando medalhas, perceberam diferenças na preparação pra este ciclo paralímpico devido ao canabinoide

Por Felipe Blumen, para o Yahoo Esportes

Depois da melhor campanha do Brasil em Olimpíadas, com 21 medalhas conquistadas, Tóquio está prestes a ver mais história sendo feita. Mas agora serão os paratletas brasileiros quebrando barreiras — e algumas delas começaram a cair antes mesmo do início dos Jogos Paralímpicos de Tóquio, marcado para o próximo dia 24. Isso por que pacientes em tratamento com óleo de canabidiol poderão participar pela primeira vez de uma Paralimpíada com a substância liberada pela Agência Mundial Antidoping (WADA).

O canabidiol, mais conhecido como CBD, é uma das substâncias extraídas da planta Cannabis sativa. Ao contrário do THC, não provoca euforia. Atua no sistema nervoso central e é visto com grande potencial terapêutico para o tratamento de doenças psiquiátricas ou neurodegenerativas como esclerose múltipla, esquizofrenia, mal de Parkinson, epilepsia ou ansiedade.

Três pessoas em tratamento com CBD são Talisson Glock, Susana Schnarndorf e Roberto Alcalde, atletas de altíssimo rendimento da natação do Brasil, medalhistas em mundiais, Jogos Paralímpicos e Parapan-americanos. Os três estarão no Japão disputando medalhas e perceberam diferenças na preparação pra este ciclo paralímpico devido à substância. Dentro e fora das piscinas.

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Melhor qualidade de vida e melhor desempenho

Antes da barreira do doping cair, a ideia de ter óleo de CBD na rotina de treinamentos de atletas era algo impensável. A dificuldade para conseguir liberação, prescrição ou suporte para adquirir o medicamento no país foi diminuindo nos últimos anos — hoje, a Anvisa tem uma categoria de medicamentos derivados da cannabis que podem ser comercializados sob sua aprovação. Mas o estigma da maconha está sempre presente.

“Eu já conhecia o CBD há bastante tempo, mas nunca foi possível pensar isso no Brasil porque me parecia algo muito distante e extremamente mistificado”, conta o catarinense Talisson Glock, nadador de 26 anos medalhista de bronze nos 200 m medley na Paralimpíada do Rio 2016. “Não era uma alternativa, o acesso era difícil. Mas o fato da WADA liberar o óleo já mostra que eles estão acompanhando a ciência e querendo quebrar esse tabu. Não tem como não olhar para os benefícios que o CBD pode trazer”, continua.

Glock conta que resolveu ir atrás do óleo para tratar seus recorrentes problemas de insônia — com sucesso. Mas o CBD também influencia indiretamente no desempenho esportivo. “Tem me ajudado demais na recuperação entre os treinos, no descanso e principalmente na qualidade do sono”, relata.

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O resultado levou o atleta a pregar os benefícios do composto para o companheiro de treinos Roberto Alcalde. “Nós convivemos há uma década e eu já vinha percebendo os resultados que o CBD trouxe para o Talisson, que, por conhecer meus problemas de ansiedade, sempre me recomendou o uso”, diz o nadador gaúcho, 5º colocado nos 100 m peio no Rio em 2016. “Quando minha própria médica me receitou por causa de um outro tratamento, digamos que eu uni o útil ao agradável”, brinca Alcalde.

O nadador revela que teve dificuldade para acreditar na rapidez dos efeitos em tão pouco tempo. “Demoro para sentir efeito de remédios e estranhei logo de cara a diminuição da minha ansiedade. Comecei a treinar melhor, com mais pensamentos positivos e estou muito mais concentrado”, resume. “Não tem a ver com ganho esportivo, questão muscular ou aumento de potência, mas sim com melhores condições gerais na vida, que me dão a tranquilidade de seguir a rotina de treinamentos equilibrando as coisas, dentro e fora das piscinas. Antes eu estava totalmente desregulado. E eu que já fui até o fundo do poço, hoje consigo me controlar para não voltar para lá”, desabafa.

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Último adversário: o preconceito

Apesar do momento de abertura e mais aceitação, o uso do CBD ainda enfrenta preconceito. “Tem gente que não quer entender e já rotula logo de cara, mas que bom que a WADA deu esse passo gigante e agora temos voz para contar, competindo em alto nível, que nossas vidas melhoraram”, diz a gaúcha Susana Schnarndorf, triatleta que descobriu, aos 37 anos, que sofria de MSA (atrofia de múltiplos sistemas). Hoje com 53, ela virou nadadora e encontrou na cannabis medicinal um alívio para as crises de ansiedade e de insônia.

“Resolvi usar o CBD buscando uma nova alternativa, uma vez que o tratamento convencional não estava proporcionando a qualidade de vida que eu queria”, conta a medalhista de prata no revezamento misto nos Jogos Paralímpicos do Rio 2016. “A minha doença, que é degenerativa, pode não ter melhorado, mas eu sinto que ela progride bem mais devagar. Dormia duas horas no máximo e acordava irritada, não perdia peso e desde que comecei a tomar canabidiol quebrei um ciclo de coisas negativas para o meu organismo, colocando ele em dia”, celebra.

Alcalde concorda e acrescenta que, aos poucos, a informação pode virar uma aliada contra o preconceito. “É um processo de aceitação pela sociedade, assim como foi dentro do esporte paraolímpico”, reflete. “Com o tempo, os resultados dos atletas e as experiências reais e concretas, as pessoas vão conhecendo nossa história e diferenciando as coisas. Vão entendendo também que suas opiniões eram baseadas em algo que não conheciam. É uma porta enorme que está se abrindo para gente. E está me ajudando demais”, comemora.

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Mais resultados, mais interesse

Especialista em medicina integrativa e terapias complementares, o médico Rodrigo Mistrinel explica que o CBD tem ações anti-inflamatórias, termorreguladoras, controla dores e age também no psicológico e no relaxamento das pessoas, como no caso dos nadadores. Para ele, o composto é o grande expoente dessa área e seu tratamento deve ser mais popularizado — ministrado sempre de acordo com a individualidade de cada paciente.

“Eu comecei a prescrever o óleo como uma forma de realização pessoal, porque tive muita resistência por trabalhar com medicina integrativa, um conceito por si só novo e baseado em terapias ainda pouco difundidas”, conta. “Mas a forma que você tem de mostrar algo novo é através das validações de amplo universo, com pesquisas e principalmente resultados. Aos poucos, pacientes com casos que não estavam sendo resolvidos de forma clássica tinham resultados expressivos com o CBD. E contra resultados não há argumentos”, pontua.

Mistrinel é um exemplo do maior interesse — social, científico e econômico — no CBD. Segundo projeções, o mercado de produtos com base em canabinoides pode movimentar R$ 4,7 bilhões por ano ainda nesta década.

“Está aumentando o número de médicos brasileiros que buscam qualificação sobre canabidiol e nos procuram dispostos a ouvir sobre CBD, prescrição e pedidos para a Anvisa, que também só crescem a cada ano”, conta Renan Miguel, COO da Pangaia, empresa distribuidora de cannabis medicinal no Brasil. “As histórias de atletas, por exemplo, são importantes para o mercado como um todo. Ouvir que tiramos eles do fundo do poço ou que resgatamos a esperança em viver dias de mais qualidade, saúde e bem-estar é o nosso ouro”, conclui.

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#PraTodosVerem: fotografia, em perfil, de Susana Schnarndorf no momento em que a nadadora executa um treino para a seletiva, usando touca branca com logos de patrocinadores em azul e vermelho e óculos azuis. Foto: Ale Cabral | Comitê Paralímpico Brasileiro.

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