Piloto detido com 500 kg de cocaína foi vice-prefeito de Ponta Porã e estava solto por decisão do STF

Fotografia que mostra o avião no solo, além dos policiais e uma viatura, logo atrás; no canto inferior esquerdo da imagem, uma foto da cara de Nélio Alves de Oliveira com óculos espelhados e fones de ouvido. Fotos: FAB / LinkedIn.

Habeas corpus para o piloto Nélio Alves de Oliveira foi concedido em novembro de 2018 por Ricardo Lewandowski que embasou a decisão no princípio da presunção da inocência

Neste último domingo (2), a Força Aérea Brasileira apreendeu uma carga com meia tonelada de cocaína a bordo de uma aeronave conduzida por um piloto com longo histórico de envolvimento no transporte de drogas para chefes do tráfico.

Nélio Alves de Oliveira, 70 anos, já fez o transporte de remessas para Jorge Rafaat Toumani, que foi executado em 2016 e citado no passado como um dos principais traficantes da América do Sul.

Ele conduzia um bimotor B-58 Baron quando foi identificado como voo não autorizado pela FAB e não cumpriu as ordens da Defesa Aérea para pousar. A aeronave foi perseguida por caças até ser atingida por tiros de advertência e pousar em uma plantação de cana, em Ivinhema (MS).

Nélio e o copiloto Júlio César Lima Benitez, 41 anos, foram encontrados por policiais militares em uma mata fechada, presos em flagrante e levados para a Delegacia da Polícia Federal de Dourados.

Segundo reportagem da Época, dentro do avião havia 16 fardos com diversos tabletes de droga que totalizaram 486 kg de cocaína e 30 kg de pasta base.

Presunção da inocência

Nélio já tinha sido condenado a 21 anos de prisão por ter transportado 492 kg de cocaína da Colômbia até uma fazenda em Marcelândia, no interior de Mato Grosso do Sul, em 2004. Ele trabalhava para a quadrilha chefiada pelo traficante brasileiro Jorge Rafaat Toumani, conhecido como “Rei da Fronteira”.

Rafaat morreu em junho de 2016, quando foi fuzilado durante um tiroteio que envolveu mais de 100 pessoas no centro de Pedro Juan Caballero, no Paraguai.

A cidade paraguaia faz fronteira com o Brasil, em Ponta Porã, município onde Nélio Oliveira já foi vice-prefeito e presidente da Câmara de Vereadores. Ele estava solto desde dezembro de 2018, quando obteve um habeas corpus no Supremo Tribunal Federal, concedido pelo ministro Ricardo Lewandowski, que citou o princípio da presunção da inocência para embasar a decisão.

Nélio sempre foi “laranja” da quadrilha chefiada por Jorge Rafaat Toumani, de acordo com a sentença do desembargador Cotrim Guimarães, do Tribunal Regional Federal da 3ª Região, proferida em 2004. Ele pilotava para a organização criminosa desde 2000, conforme consta na decisão que o condenou a 21 anos de reclusão por tráfico internacional de drogas, associação para o tráfico e lavagem de dinheiro.

O piloto também foi condenado pela Justiça do Paraguai. Em 2004, ele foi preso com um avião de pequeno porte na região de Chaco. A aeronave estava carregada com 260 kg de cocaína que seria levada para a Colômbia.

Nélio recebeu sentença de 15 anos de prisão no Paraguai, mas foi extraditado para o Brasil em março de 2012. De acordo com a imprensa paraguaia, a droga pertencia ao traficante Iván Méndez Mezquita, conhecido no país como “czar” da cocaína.

Leia – “Quem tá no erro sabe”: 20 anos depois tem cocaína sendo traficada no avião da FAB

Um peso, duas medidas

Enquanto para um piloto condenado por tráfico internacional e associação para o tráfico é dado o direito de aguardar seu julgamento em liberdade, sob o princípio da presunção da inocência, jovens portando quantidades ínfimas de maconha são presos sem direito a habeas corpus, mesmo em tempos de pandemia.

Lucas Morais, 28 anos, foi condenado a cinco anos e dez meses de detenção em regime fechado mesmo sem nenhuma evidência de tráfico de drogas. O jovem morreu no início de julho após contrair coronavírus na prisão.

Quando foi preso por tráfico de drogas em 2018, Lucas trabalhava em um armazém de café. No dia da prisão, ele estava deitado dentro de casa, vestido com o uniforme da empresa. Os policiais chegaram por volta da meia-noite e sem mandado de prisão para averiguar uma denúncia de tráfico de drogas.

Lucas estava com 10 gramas de maconha no bolso da calça, alegou que era para consumo próprio e acabou levado para a delegacia.

Condenado em primeira instância a cinco anos e dez meses em regime fechado, até então o poder judiciário tinha negado três pedidos de habeas corpus, um em 2019 e outros dois em abril de 2020. Lucas não sabia que seu advogado havia sido intimado em 1º de julho para que o recurso de apelação fosse julgado no dia 28 de julho, no qual ele tinha grande possibilidade de ser inocentado. Lucas havia completado 28 anos dois dias antes morrer. No dia 4 de julho, o jovem chegou a ser levado para o Hospital Padre Júlio Maria, com parada cardíaca, e morreu duas horas depois. Lucas deixou dois filhos, um de quatro e outro de seis anos.

No presídio de Manhumirim, Lucas era um dos 159 detentos contaminados por coronavírus, o que correspondia a 80% das pessoas presas no local.

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#PraCegoVer: em destaque, fotografia que mostra o avião no solo, além dos policiais e uma viatura, logo atrás; no canto inferior esquerdo da imagem, uma foto da cara de Nélio Alves de Oliveira com óculos espelhados e fones de ouvido. Fotos: FAB / LinkedIn.

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