Pessoal do “Legalize” foi quem viabilizou a vinda das grandes corporações de maconha ao Brasil
Em artigo publicado recentemente na IstoÉ Dinheiro, executivo da VerdeMed afirma que “é essencial tirar o pessoal do ‘Legalize’ e da ‘erva do demônio’, e deixar apenas os adultos na sala”, alegando que esta é uma discussão sobre saúde pública e potencial econômico. Porém, não fosse o pessoal do “Legalize”, sua empresa e outras nem no Brasil estariam
Sob o título “Brasil está atrasado 40 anos no uso medicinal da cannabis” na seção de negócios da Revista IstoÉ, um artigo publicado esta semana mostra que grandes empresas do setor de cannabis medicinal começam a chegar ao Brasil prontas para investir num mercado que pode se tornar bilionário. Nele, José Bacellar, CEO e sócio-fundador da VerdeMed, afirma que “É essencial tirar o pessoal do ‘legalize’ e da ‘erva do demônio’, e deixar apenas os adultos na sala. Essa é uma discussão sobre saúde pública e potencial econômico”. Sediada em Toronto, no Canadá, a empresa da qual o brasileiro é CEO tem planos de investir US$ 80 milhões na América Latina até 2022, sendo que metade no Brasil, provável maior fonte de receitas da região.
Bem, entre cifras de milhares de reais em investimentos e potenciais de bilhões de reais, o artigo em questão pinta um cenário que já vemos acontecer em outros países e que pode também acontecer no Brasil, que é: após décadas de luta, a legislação é alterada por pressão social, e grandes companhias se instalam, ignorando todo o processo que as fizeram chegar onde estão e, como se não bastasse, ‘tirando da sala’ justamente quem começou com o ciclo.
Com uma coisa concordamos: o potencial. A expectativa, segundo dados da New Frontier Data em parceria com o The Green Hub, é de que o uso de cannabis medicinal no Brasil, 3 anos após a regulamentação, chegue a 3,5 milhões de pacientes, que vão consumir R$ 4,7 bilhões em produtos relacionados à medicina canábica. O potencial econômico do mercado de cannabis no Brasil é um dos maiores do mundo. Este fato, aliado à abertura de consulta pública da Agência Nacional de Vigilância Sanitária sobre o assunto, já deu origem a um “Eldorado da Maconha”, uma verdadeira corrida do ouro no mercado canábico brasileiro.
Porém, diferentemente do fundador e CEO da VerdeMed, que disse em entrevista à IstoÉ também acreditar na tal “corrida do ouro”, pensamos que é preciso encontrar espaço na sala para o pessoal do “Legalize”, da “erva do demônio”, do “medicinal” e, inclusive, do “uso adulto”, se é que é isso que o executivo sugere ao falar sobre “deixar apenas os adultos na sala”.
O começo de tudo
Pode até parecer que a luta pelas mudanças legislativas sobre a maconha e seus usos, adulto e terapêutico, seja uma novidade no Brasil, mas não é! Essa luta já chegou ao três poderes brasileiros – legislativo, judiciário e executivo – graças à paixão, ao esforço e à dedicação do pessoal do ‘Legalize’, que mobilizou muito do que vemos se desenrolar em várias esferas hoje – para se ter uma ideia, há projetos sobre a maconha rolando na Anvisa, no Senado e no STF.
Manifestações pela descriminalização do consumo e cultivo da planta são oriundas desde a década de 80, ganhando força em 2011, quando as Marchas da Maconha deixaram de ser criminalizadas sob voto do Supremo Tribunal Federal. A militância vai, desde então, às ruas, exigindo uma política mais justa, que leve em conta fatores sociais, medicinais e industriais da proibição da planta. E olha, este ano bateu recorde, com a maior Marcha da Maconha do Brasil, em São Paulo.
Um mergulho rápido pela história recente da maconha no Brasil é o suficiente para perceber que, se hoje empresas como VerdeMed, HempMeds, Fluent Cannabis Care e Canopy Growth chegam ao país com investimentos de milhões de dólares, o terreno foi arado e preparado pelas ‘pessoas do legalize’, ou seja, pessoas, grupos ou associações que batalham, nas ruas ou através das instituições brasileiras, para mudar a realidade da maconha por aqui.
Portanto, sejamos gratos ao pessoal do “Legalize”
Tais avanços que hoje são vistos no país não vieram de iniciativas próprias da Anvisa ou do governo, mas por impulso de decisões judiciais que, ao longo do tempo, não deixam esconder tamanha injustiça que vem sendo feita com a planta. Emílio Figueiredo, advogado da Reforma Drogas, já explanou em artigo publicado no LinkedIn e aqui, que os tribunais brasileiros vêm decidindo favorável ao uso medicinal dos canabinoides, o que levou a toda essa movimentação que conhecemos.
Por isso, quando a publicação da VerdeMed no LinkedIn ressaltou a fala de seu CEO sobre excluir quem levantou a causa no Brasil, não podíamos esperar menos do que reações contrárias.
“Sou do ‘legalize’ e estou aqui esperando ele vir me tirar da sala. Por acaso já estávamos nessa sala antes dele chegar”, comentou Emílio Figueiredo, que complementou: “VerdeMed chegando super bem diante do mercado brasileiro com seu CEO desconsiderando o trabalho pelo reconhecimento do uso medicinal da cannabis no Brasil”.
Gabriel Santos Elias, da Plataforma Brasileira de Política de Drogas – PBPD, também criticou a postagem ao comentar que “foi o ‘pessoal do legalize’ que garantiu boa parte dos avanços para a cannabis medicinal no Brasil. Desde as autorizações para Cultivo, a regulamentação da ANVISA e a aprovação do PLS 514 no Senado” .
Antes de chegar ao fim deste texto, e fazendo coro aos que já se posicionaram, deixo a sugestão às empresas canábicas mirando o Brasil que não ignorem a história de luta antiproibicionista do nosso país e trabalhem em conjunto com o “pessoal do ‘Legalize'” para que se alinhem aos ideais de quem, há anos, e sem apoio financeiro, luta por uma mudança.
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