Pesquisadora do Conselho Federal de Farmácia defende regulamentação da cannabis medicinal

Fotografia em primeiro plano de Margarete Akemi, sorridente, e um fundo desfocado de uma faixa de prédios que dividem a linha do horizonte com o céu. Cannabis.

Para quem é contra o uso medicinal da cannabis, a professora dá o recado: “Vai estudar um pouquinho. Tira esse preconceito”. Confira a entrevista da coordenadora de fitoterápicos do Conselho Federal de Farmácia, Margarete Akemi, para a Época

Na próxima terça-feira, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) julgar se regulamenta o cultivo e o registro de medicamentos de cannabis medicinal, a pesquisadora Margarete Akemi torcerá pela aprovação.

“Precisa regulamentar, para não ficar esse mercado paralelo, para a gente ter certeza do que o paciente está tomando”, afirma a professora de Farmácia da Universidade Presbiteriana Mackenzie e coordenadora de fitoterápicos no Conselho Federal de Farmácia.

Akemi alerta para os riscos de uma produção sem controle rígido: “A produção caseira é bem complicada. Às vezes recebo vidrinhos de pacientes sem identificação alguma. É tipo uma corrente da felicidade”.

A especialista dá um recado para quem é contra o uso do medicamento, entre os quais o ministro da Cidadania e o presidente da República: “Vai estudar um pouquinho. Tira esse preconceito”.

Leia a entrevista:

A senhora defende que a Anvisa regulamente o cultivo de cannabis com fins medicinais, e o registro desses medicamentos?

Sim. A regulamentação é sempre o caminho mais adequado. Precisa regulamentar, para não ficar esse mercado paralelo, para a gente ter certeza do que o paciente está tomando. Que a cannabis é uma planta medicamentosa, ela é. Mas se virar fumo, droga, maconha, aí vai ser ruim. O caminho do meio é o melhor. Não acho que deva ser um bunker, como a Anvisa quer fazer para o cultivo, nem deixar solto. Empresas estrangeiras estão vindo ao Brasil para produzirem fitocomplexos. Não tínhamos empresas com essa produção aqui. O custo dos remédios vai ser a metade do preço do importado. Vai ser acessível.

O que a senhora diria a quem é contra o uso da cannabis medicinal?

Vai estudar um pouquinho. Tira o preconceito, essa concepção antiga. Eu tenho 61 anos. O mundo evolui. Qual é a diferença de terem aprovado a morfina, da planta da papoula? A papoula também uma droga controlada, planta que fez parte da Rota da Seda. A Digitalis, o medicamento mais vendido da área cardíaca, vem de uma planta, que também mata. O problema é só porque a planta é a cannabis. E aí tudo da cannabis vira maconha. Não existe maconha medicinal. Existe a planta. É como eu digo para as minhas filhas: “Antes de falarem se está certo ou errado, leiam um pouquinho. Ouçam os dois lados da história para terem condições de juízo”. Eu já ouvi: “Lá vem a japa da maconha”. Em uma reunião, um psiquiatra botou o dedo na minha cara e disse: “A senhora não tem vergonha de, nessa idade, fomentar o aumento de usuários de maconha?”, e eu respondi: “Não. Não é isso o que estou fomentando”. Eu não sei qual o interesse real de quem é contra a cannabis medicinal.

O ministro da Saúde, Luiz Mandetta, demorou a tomar uma posição tímida a favor da regulamentação.

Ele disse numa reunião que, enquanto médico com pacientes de epilepsia com traumas durante ataques epilépticos, não pode ser contra. Com todas as evidências científicas.

O ministro da Cidadania, Osmar Terra, é ferrenhamente contra e também é médico.

Ninguém está falando em droga. O Osmar Terra tem seus valores, sabe-se lá.

Quais são os riscos da cannabis ao paciente?

A cannabis é do sistema nervoso central, passa pelo cérebro. Se você tomar para autismo ou epilepsia, e tomar também um calmante, você pode ter um “boa noite, Cinderela”. Não estou dizendo que todo mundo vai ter essa reação. A pessoa pode só dormir. Outro exemplo: você está usando cannabis para conter a epilepsia, mas não deixou de tomar os remédios antiepilépticos. Você pode ter uma interação medicamentosa, parar de ter epilepsia, mas ter outros danos. É o grande problema das mães da cannabis. Eu sou mãe, é claro que na dor da família você busca soluções. Mas enquanto profissional de saúde, eu não posso permitir que as coisas degringolem. Você pode ter problema de sangramento com um chá de camomila, ou lesões no fígado com chás de plantas medicinais. Se uma criança toma isso em dose errada, em vez de melhorar ela pode prejudicar a formação cerebral dela. Ela está melhor no convívio social? Concordo. Ela parou de ter ataques epilépticos? Fantástico. Mas será que está na dose certinha? Você pode ter insônia ou náusea com cannabis. Tudo mal utilizado tem efeito colateral.

O Conselho Federal de Farmácia também é a favor da regulamentação?

Sim. Encaminhamos documentos recentemente dizendo isso ao ministro da Saúde. Sugerimos começar pelo tratamento da epilepsia, que tem o maior uso. Não estamos deixando os pacientes de autismo e Alzheimer de fora. É que 90% dos pacientes são epilépticos, e as pesquisas apontam muito mais para o uso contra a epilepsia. Que tal começar por uma doença? Não precisa abraçar o mundo no primeiro ano.

Que pesquisas a senhora tem conduzido sobre a cannabis medicinal?

Um estudo analisa todos os produtos que os pacientes estão utilizando.  Algumas vezes nos deparamos com resultados meio desastrosos em medicamentos caseiros. Outra pesquisa será uma parceria com duas empresas americanas, que têm pacientes brasileiros. Vamos acompanhá-los para saber não só a ação do medicamento, mas a orientação necessária. Muitos pacientes tomam as doses da forma errada, junto com outro medicamento. Também trabalho com testes sobre epilepsia em animais de pequeno porte, principalmente cachorros.

É mais difícil alcançar pureza em produtos caseiros?

O método caseiro é bem complicado. Começa pela espécie da planta. O Ministério da Agricultura já recebeu solicitação de registro de sementes da cannabis vindas de fora do país. A planta tem uma peculiaridade. Por exemplo, vou produzir laranja. Se eu cuidar da terra de uma forma, se eu adubar de outra forma, eu posso melhorar a qualidade dessa laranja. Com a planta medicinal é a mesma coisa. Dependendo do que você faz, pode ter mais CBD ou THC. Não tenho nada contra quem produz os medicamentos caseiros. Não tem problema, desde que tenha uma orientação correta. Não estou falando mal da semente. Mas não tenho rastreabilidade de que semente eles receberam. De onde veio essa semente? Quem entregou a primeira muda? Pode ser uma muda tranquila, mas pode não ser. Essa planta produz mais CBD ou THC? Existem métodos farmacêuticos que garantem a falta de contaminantes, que regulam as doses exatas de CBD ou THC. Às vezes a gente recebe vidrinhos de remédios de pacientes sem identificação nenhuma. “Quem te deu?”. “Ah, fulano deu, recebeu de não sei quem”. É tipo uma corrente da felicidade. E aí eu não tenho rastreabilidade do processo, não sei de onde veio, como veio, nem como foi extraído. Quem produz pode não ter o equipamento caro que identifica os princípios ativos da planta. Tem produtos caseiros bons no mercado? Tem. Mas também tem produtos que estão aí a deus-dará. Na própria internet você encontra dicas de cultivo e extração. Isso é o que preocupa.

Qual é a diferença técnica de um medicamento sintético, com o isolamento de moléculas em laboratório, e o fitoterápico?

A planta naturalmente tem uma sinergia positiva. É um pouco mais segura. É como se fosse um time de futebol, em que todos juntos ganham o jogo. Isoladamente, nem o zagueiro nem o goleiro ganham. O interessante do fitocomplexo é isso. Ele tem menos chance de reações adversas e de interações medicamentosas. É um medicamento com menos problema. Mas é um medicamento. Independente de ser sintético ou fitoterápico, ele será um medicamento sob o rigor do controle da prescrição. Não é um antibiótico que você vai lá e compra fácil no balcão. Vai ter tarja preta. Senão, qual a finalidade de controlar o uso desse medicamento?

A cannabis regulamentada será restrita, ao contrário do que alardeia o governo?

Sim. Nosso receio é de que, com baixo controle, vai ser como antimicrobiano. O Brasil é o país com maior resistência antimicrobiana. Porque todo mundo compra antibiótico sem receita, mesmo ela sendo obrigatória. O tráfico de medicamento é muito grande no país. O uso é inconsequente.

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) em primeiro plano de Margarete Akemi, sorridente, e um fundo desfocado de uma faixa de prédios que dividem a linha do horizonte com o céu. Foto: reprodução.

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