Alguém com passagem pode conseguir HC de cultivo? Pergunte ao Doutor!

Imagem que mostra uma faixa translúcida verde com a frase “Pergunte ao Doutor”, em branco, e a foto e nome de Erik Torquato e, atrás desta, a foto de uma balança antiga e um fundo totalmente desfocado. Papai Noel.

Entre as questões jurídicas que envolvem o cultivo de maconha no Brasil, alguns temas, como o habeas corpus para cultivo e a distinção entre os artigos 28 e 33 da Lei de Drogas (11.343/2006), são recorrentes. É preciso infringir a lei para impetrar o HC? Quantos pés de maconha posso cultivar como usuário? Alguém que teve problemas com a justiça pode obter salvo-conduto para o plantio com fins terapêuticos? O Dr. Erik Torquato esclarece cinco perguntas enviadas pelos buddies no Instagram da SB. Confira a seguir

Alguém com passagem pode conseguir HC de cultivo?

Sim, é possível que alguém que já tenha tido problemas com a justiça obtenha o salvo-conduto para cultivo de cannabis com finalidade terapêutica. O HC é uma garantia de que com o cultivo caseiro o Paciente manterá sua saúde e dignidade, direitos fundamentais de toda pessoa humana. Portanto, independente se a pessoa já possui histórico de problemas com justiça ainda terá direito a pleitear por saúde e dignidade. O que precisa ser comprovada é a finalidade terapêutica daquele cultivo, ainda clandestino. E aí entra a necessidade de farta documentação e respaldo médico, comprovando a necessidade da medida. Tendo como provar, qualquer um poderá se socorrer da justiça para afastar o risco de prisão arbitrária e a indevida interrupção de seu tratamento via cultivo caseiro, lembrando que, quem decide pela concessão ou não da medida é o Judiciário.

Até quantos pés alguém pode cultivar e ser considerado usuário?

Essa pergunta não tem resposta exata. Para determinar se o cultivo é para consumo próprio, as autoridades devem levar em consideração múltiplos fatores, previstos no art. 28 §2º da Lei de Drogas (Lei nº 11.343/2006). Ainda que a lei diga que o juiz deverá levar em consideração a quantidade, a lei não diz qual seria esta quantidade. Então acabam pesando muitos outros elementos também previstos em lei: o local do fato, personalidade do agente, natureza da substância, circunstâncias do flagrante. Ou seja, são critérios pouco objetivos que dão margem para interpretações pouco precisas. Devido a isto, na prática, “local do fato” quase sempre é distinguido entre periferia/área nobre; “personalidade do agente” pesa muito cor da pele e condição social, por exemplo. Sendo assim, não posso dizer se alguém vai ser considerado traficante ou usuário por ter poucos ou muitos pés: depende muito de quem tem este cultivo, por conta da aplicação extremamente racista e classista da lei penal no país.

 

Leia também: Como me proteger enquanto usuário de maconha? Pergunte ao Doutor!

O que pode acontecer se alguém for pego transportando 4 pés de maconha pequenos?

Quem transporta pés de maconha pode ser surpreendido e enquadrado tanto como usuário quanto como traficante. Isto por que a Lei de Drogas utilizou quase os mesmos verbos para determinar as condutas de usuários e traficantes, estando o verbo “transportar” tanto no Art. 28 quanto no 33. O que vai definir a decisão do juiz sobre usuário/traficante serão aqueles mesmos critérios da primeira resposta, importando muito mais quem é a pessoa que carrega as plantas e as circunstâncias do flagrante do que a quantidade eventualmente apreendida.

O HC para cultivo só pode ser invocado se já estiver em delito?

A meu ver é sim necessário que haja um delito (neste caso, a prática do cultivo) em curso para pleitear o HC para cultivo. O instrumento de habeas corpus visa proteger o cidadão de prisões ilegais: na forma repressiva, caso a pessoa já tenha sido presa, e na forma preventiva, caso só exista o risco de ser presa. E o que seria este “risco de prisão” no contexto do HC para fins de tratamento de saúde? É a existência real do cultivo clandestino. Não é a mera pretensão de cultivar que põe alguém em risco de ser preso. Da mesma forma, não é a necessidade de ter um tratamento com maconha que põe o paciente em perigo de ser preso. O perigo real de prisão só existe, neste contexto, quando alguém realmente joga a semente na terra e inicia o cultivo. Do contrário, não há fundamento para pedido de habeas corpus e aí o caminho seria diferente: não se trataria mais de um salvo-conduto, mas de uma autorização prévia para cultivar, que poderia ser alcançada em outra ação diferente do instrumento do habeas corpus.

Quais critérios são estabelecidos para quem obtém HC para cultivo?

As decisões de habeas corpus variam de juiz para juiz e de caso a caso. No entanto, eu já tive oportunidade de acompanhar diferentes decisões judiciais — algumas com garantias mais amplas, outras com definições mais rígidas quanto ao direito salvaguardado. Há decisões, por exemplo, que não definem quantidade de plantas e sementes que poderão ser importadas. Por outro lado, há decisões que dizem exatamente quantas sementes poderão ser importadas por ano e quantas plantas poderão estar florindo ao mesmo tempo. Há decisões também que são dadas por período determinado, devendo ser renovadas com comprovação médica que recomenda a continuidade do tratamento com maconha; outras apenas dizem que o paciente poderá ter que prestar informações sobre seu tratamento caso o juízo peça, sem especificar período. Esses são só alguns exemplos de critérios que já vi. Vai muito de juiz para juiz.

Leia também:

Afinal, o que é um Habeas Corpus para cultivo de maconha? Pergunte ao Doutor!

#PraCegoVer: em destaque, imagem que mostra uma faixa translúcida verde com a frase “Pergunte ao Doutor”, em branco, e a foto e nome de Erik Torquato e, atrás desta, a foto de uma balança antiga e um fundo totalmente desfocado.

Sobre Erik Torquato

Advogado criminalista e ativista pelo fim da guerra às drogas. Membro da Rede Jurídica pela Reforma da Política de Drogas - Rede Reforma. Conselheiro do Núcleo de Álcool, Drogas e Saúde Mental da Comissão de Direitos Humanos da OAB-SP. Co-fundador da RENCA. Militante da Marcha da Maconha. (11) 97412-0420. E-mail eriktorquato.adv@gmail.com Tel: 21-97234-1865 / e-mail eriktorquato.adv@gmail.com
Deixe seu comentário
Assine a nossa newsletter e receba as melhores matérias diretamente no seu email!