Pandemia e a ironia da justificação formal para o crime de tráfico de drogas

Ilustração, com fundo vermelho, que traz representações do coronavírus como esferas com pregos e a cabeça de uma pessoa de cor preta utilizando uma máscara branca. Imagem: Alexey Hulsov | Pixabay.

Diante do total desdém do governo para com as vítimas da Covid-19, como se pode, ainda, defender o encarceramento em massa com o argumento de que se precisa prezar pela saúde pública. As informações são do Canal Ciências Criminais

A Lei nº 11.343/2006 tem o condão de enumerar os crimes relacionados às substâncias ou produtos capazes de causar dependência nos moldes da lei, além de trazer outras normas e diretrizes.

Para os fins deste escrito, será analisado o crime previsto no art. 33 do referido ditame — nada obstante a ponderação aqui trazida seja válida para outros delitos correlatos.

De antemão é perceptível que a quantidade da pena é muito alta, especialmente nas condutas tipificadas na parte inicial do artigo, deixando claro que o legislador deu grande ênfase ao seu combate e à suposta prevenção geral que parte dos operadores do direito acredita existir na prática. Em outras palavras, é possível argumentar e criticar a proporcionalidade (ou falta de) no que tange ao delito em questão.

Consiste em um dos melhores exemplos de crime de ação múltipla (também conhecido como de conteúdo variado ou plurinuclear), ou seja, aquele que possui vários verbos nucleares do tipo, descrevendo assim diversas condutas no mesmo artigo. Desta maneira, basta a configuração de apenas um dos verbos do núcleo para que o crime seja praticado.

Somente o caput do artigo supramencionado conta com 18 verbos nucleares, deixando um grande leque de possibilidades para que o crime de tráfico de drogas seja configurado. Para mais, se o autor da conduta porventura realiza mais de um verbo previsto (ainda que esgote o rol taxativo) dentro da mesma situação fática, terá cometido apenas um crime, por força do princípio da alternatividade.

Após o breve exame realizado acerca dos aspectos técnicos inerentes ao delito, passa-se a refletir sobre outro aspecto, qual seja, qual é a fundamentação por trás do crime de tráfico de entorpecentes e afins? A doutrina ensina que o bem jurídico tutelado é a saúde públicaSaúde pública.

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Não se tem neste escrito a intenção de entrar no mérito que diz respeito à descriminalização das drogas, mas não podemos deixar de reavaliar este fundamento supostamente legitimador da criminalização inerente às drogas, ainda mais diante da situação trazida pela pandemia.

O número de mortos pela Covid-19 é cada vez maior: os dados oficiais no dia 15 de junho de 2020 traziam 888.271 casos e 43.959 mortos, muito embora esta seja apenas uma fração do que acontece na realidade, uma vez que a subnotificação pode estar na casa de 14 ou 16 vezes — talvez ainda mais.

Nada obstante toda a tragédia decorrente da pandemia, o governo insiste em negar a gravidade da situação, através de fake news e populismo exacerbado, situação que traz em seu cerne uma grande preocupação com a despreocupação das autoridades.

Diante do total desdém para com as vítimas e suas famílias, como se pode, ainda, defender o encarceramento em massa (na maioria das vezes desproporcional), este verdadeiro amontoamento de corpos que se perfaz justamente com o argumento de que se precisa prezar pela saúde pública. Há uma falta de lógica gritante.

Destarte, a legitimação formal proposta para a criminalização de condutas como o tráfico de entorpecentes simplesmente não se sustenta. A pandemia veio a escancarar algo que já era visível. A criminalização das drogas é um projeto muito lucrativo para muitas pessoas de potencial econômico muito grande. A proteção da saúde pública não passa de uma falácia, funcionando como uma coberta pseudolegitimadora de uma necropolítica brutal.

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#PraCegoVer: em destaque, ilustração, com fundo vermelho, que traz representações do coronavírus como esferas com pregos e a cabeça de uma pessoa de cor preta utilizando uma máscara branca. Imagem: Alexey Hulsov | Pixabay.

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