Pai de filho autista, que faz uso de canabidiol, lamenta decisão do STJ sobre planos de saúde

Fotografia, tirada de cima pra baixo, mostra uma folha de cannabis e um frasco âmbar com rótulo branco e tampa preta sobre uma superfície em tom claro de salmão. Imagem: Freepik.

“Poucas pessoas têm condições de bancar esses tratamentos”, disse ao g1 um morador de Campinas (SP) que precisou recorrer à Justiça para assegurar o tratamento com CBD para o filho que sofre com crises convulsivas

A decisão da Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que as operadoras dos planos de saúde não precisam cobrir procedimentos que não constem na lista da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS), nessa quarta-feira (8), mexeu com quem precisou recorrer aos tribunais para garantir tratamento médico adequado ao filho. É o caso de Almir Severino, 60 anos, morador de Campinas (SP), que é pai de um jovem autista que faz uso de canabidiol há três anos.

“Poucas pessoas têm condições de bancar esses tratamentos. Eles são caros, e de longo prazo. Espero que os pais continuem ganhando as ações contra os planos. O benefício é muito grande”, conta.

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Almir é pai de Maxiê Durigo Severino, de 24 anos, que sofre com crises convulsivas desde o primeiro ano de vida. Diagnosticado com síndrome de West, o jovem passou por diversos tratamentos com os medicamentos convencionais até chegar à recomendação de uma neurologista pelo uso do canabidiol.

O problema é o custo do tratamento. Segundo Almir, que buscou autorização junto à Anvisa para a compra e adquiriu os medicamentos nos primeiros meses de tratamento, um frasco de 30 ml, que dura por cinco dias, custa em torno de 150 dólares — o equivalente a R$ 735 na cotação atual.

“Um custo de quase R$ 5 mil por mês, algo inviável, até por que ele sempre vai precisar de acompanhamento. Não é por um período curto”, destaca Almir.

Frasco de canabidiol usado no tratamento de Maxiê, de 24 anos, morador de Campinas (SP) — Foto: Arquivo pessoal

#PraTodosVerem: fotografia mostra dois frascos com tampa preta e rótulo branco e azul com as informações “Cannameds CBD oil 3.000 mg”. Foto: acervo pessoal.

Ganhos no tratamento

Segundo o pai do jovem, o uso do medicamento trouxe dois ganhos para a família. O controle das crises, que deixaram de passar das dezenas diárias para algumas, de forma esporádica, e a melhora comportamental e de interação.

“Com o canabidiol ele ficou mais atento, antes parecia alheio a tudo. Ele não fala absolutamente nada, mas passou a prestar mais atenção, passou a interagir com gestos, apontar, coisas que ele não fazia. Para a gente é bem significativo”, explica.

Processo em fase de apelação

O advogado Fabio Candello, que representa a família do Maxiê, explica que o processo que garante o tratamento já foi julgado em primeira instância e está em fase de apelação no Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP)

“Já foi concedida a liminar e o plano já cumpre. O entendimento que a gente tem hoje, atualmente, nesse exato momento no TJSP, é que vigora uma súmula, o resultado das jurisprudências no tribunal. É a súmula 102, que diz que os planos de saúde são obrigados a custear o tratamento indicado pelo médico assistente do paciente, mesmo que isso não esteja previsto naquele rol da ANS”, explica o advogado.

Segundo Candello, a possibilidade de exceções prevista na decisão do STJ abre espaço para que ainda ocorram discussões sobre o custeio de tratamentos médicos que estejam fora do chamado rol taxativo.

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O que diz a decisão do STJ?

Seis dos nove ministros que votam na Segunda Seção entenderam que o chamado rol de procedimentos da ANS é taxativo — ou seja, que a lista não contém apenas exemplos, mas todas as obrigações de cobertura para os planos de saúde.

A decisão abarca a cobertura de exames, terapias, cirurgias e fornecimento de medicamentos, por exemplo.

A decisão do STJ não obriga as demais instâncias a terem que seguir esse entendimento, mas o julgamento serve de orientação para a Justiça.

O entendimento do STJ representa uma mudança na jurisprudência que vinha sendo aplicada por boa parte dos tribunais do país, que entendiam que o rol era apenas exemplificativo.

Decisão prevê exceções

O entendimento de que a lista é taxativa foi modulado pelos ministros do STJ para admitir algumas exceções — por exemplo, terapias recomendadas expressamente pelo Conselho Federal de Medicina (CFM), tratamentos para câncer e medicações “off-label” (usadas com prescrição médica para tratamentos que não constam na bula daquela medicação).

A tese considerada correta pela maioria dos ministros foi proposta pelo ministro Villas Boas Cuêva e incorporada ao voto pelo relator, Luis Felipe Salomão. Em resumo, o entendimento do STJ é de que:

  • o rol da ANS é, em regra, taxativo;
  • a operadora não é obrigada a custear um procedimento se houver opção similar no rol da ANS;
  • é possível a contratação de cobertura ampliada ou a negociação de um aditivo contratual;
  • não havendo substituto terapêutico, ou após esgotados os procedimentos incluídos na lista da ANS, pode haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente.

Para que essa exceção prevista no quarto tópico seja aplicada, é preciso que:

  • a incorporação do tratamento desejado à lista da ANS não tenha sido indeferida expressamente;
  • haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências;
  • haja recomendação de órgãos técnicos de renome nacional, como a Conitec e a Natijus, e estrangeiros;
  • seja realizado, quando possível, diálogo entre magistrados e especialistas, incluindo a comissão responsável por atualizar a lista da ANS, para tratar da ausência desse tratamento no rol de procedimentos.

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#PraTodosVerem: fotografia, tirada de cima pra baixo, mostra uma folha de maconha e um frasco âmbar com rótulo branco e tampa preta sobre uma superfície em tom claro de salmão. Imagem: Freepik.

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