OPERAÇÕES RACISTAS NAS FAVELAS

Ilustração que mostra uma pessoa negra ao chão, de costas, com as mãos algemadas e vestindo uma camiseta verde com a bandeira do Brasil, e, no segundo plano, um policial fardado que deixa o local, segurando uma pistola de onde sai fumaça, em um fundo branco. Ilustração: Carlos Latuff / D’Incao.

“A justificativa de entrar nas favelas para reprimir o tráfico de drogas é falsa. Trata-se, evidentemente, de uma repressão racista, pois não se combate qualquer mercado a partir do varejo, muito menos o da favela”. Entenda mais no artigo do advogado e ativista Dr. André Barros*

O combate ao tráfico de drogas é a justificativa do sistema penal para entrar matando nas regiões onde vivem há décadas e séculos negros e pobres. Uma planta, a maconha, e um pó, a cocaína, são as mercadorias tornadas ilícitas. A primeira foi criada pela natureza e a segunda pela Merck, indústria farmacêutica Alemã, a partir da mistura de folha de coca com produtos químicos.

A maconha sempre foi vendida nas favelas como parte da cultura dos negros, trazida da África e plantada nos quilombos, como o de Palmares, no século XVII. A elite branca de homens livres já consumia a cocaína em canudos de ouro, antes da metade do século XX, e chamava a maconha, de forma racista e classista, de ópio do pobre. A cocaína foi introduzida pelos cartéis nos morros do Rio de Janeiro bem no início dos anos oitenta do século passado. Se antes a boca de fumo só vendia o “preto” em mutucas, protegido por alguns revólveres 38 cano longo, o “branco” trouxe as escopetas e depois os fuzis.

O mercado tem vários produtos e a cada produto corresponde um mercado. A cerveja, fabricada a partir da fêmea do lúpulo, planta dioica, prima da Cannabis sativa e da mesma família cannabaceae, tem seu mercado com sua própria cadeia produtiva. Da mesma forma, a maconha, como outras substâncias tornadas ilícitas a partir do começo do século XX, também é um mercado, com produção, distribuição, atacado e varejo.

O mercado de produtos ilícitos é disputado à bala, enquanto o de produtos lícitos é por práticas infrativas à concorrência. Ambos precisam do poder de polícia para controlar suas disputas. A polícia do mercado ilegal usa armas e a lei criminal nº 11343/2006 e a do mercado legal usa a caneta, ou melhor, hoje em dia, o computador e a Lei administrativa nº 12529/2011.

O cerne da questão é que os aplicadores da lei sobre as infrações contra a ordem econômica de produtos legais reprimem o mercado pela distribuição ou produção, enquanto os da lei de produtos ilegais reprimem o mercado no varejo da favela. O Tribunal Administrativo de Defesa Econômica jamais reprimiria um mercado no varejo. Já pensou, se o Conselho Administrativo de Defesa Econômica – CADE fiscalizasse a cadeia produtiva de um mercado pelo varejo? Logo cairia no ridículo!

A justificativa de entrar nas favelas para reprimir o tráfico de drogas é falsa. Trata-se, evidentemente, de uma repressão racista, pois não se combate qualquer mercado a partir do varejo, muito menos o da favela!

*André Barros é advogado da Marcha da Maconha, mestre em ciências penais e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros.

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#PraCegoVer: imagem de capa traz ilustração que mostra uma pessoa negra ao chão, de costas, com as mãos algemadas e vestindo uma camiseta verde com a bandeira do Brasil nas costas, e, no segundo plano, um policial fardado que deixa o local, segurando uma pistola de onde sai fumaça; com um fundo branco. Ilustração: Carlos Latuff / D’Incao.

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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