O ritmo lento da legalização da maconha medicinal está alimentando o mercado ilícito?

Fotografia em plano fechado que mostra alguns buds de cannabis (maconha), de pistilos marrons, sobre a palma de uma mão. Foto: StayRegular | Pixabay. Anvisa

Mesmo para pacientes que conseguiram afetar com êxito mudanças legislativas, a luta raramente dura pouco. Em muitos dos países onde a cannabis medicinal foi legalizada, ainda existem enormes barreiras para o acesso dos pacientes. As informações são da Prohibition Partners, com tradução pela Smoke Buddies

Pesquisas avançadas, ensaios clínicos e campanhas de pacientes apaixonados ajudaram a progredir a legislação sobre cannabis medicinal em escala global. No entanto, apesar disso, os pacientes aparentemente continuam a procurar fornecedores não regulamentados do mercado clandestino da droga para obter seus medicamentos. O que isso nos diz sobre o estado da cannabis medicinal?

A legalização da cannabis medicinal tem sido, em muitos países, um resultado direto dos anos de campanha realizada pelas famílias daqueles com condições dolorosas ou debilitantes, juntamente com um corpo aprimorado de pesquisas científicas que apoiam a eficácia do medicamento. Com todas as outras vias de tratamento médico esgotadas, esses pacientes geralmente procuram medicamentos à base de cannabis como ‘último recurso’.

Mas mesmo para aqueles pacientes que conseguem afetar com êxito as mudanças legislativas, sua luta raramente dura pouco. Em muitos desses países onde a cannabis medicinal foi legalizada, ainda existem enormes barreiras para o acesso dos pacientes.

Entre elas, destacam-se a falta de recursos educacionais e poder de prescrição entre os profissionais médicos, regras inconsistentes de regulamentação e licenciamento e uma falta geral de infraestrutura para apoiar o fornecimento de cannabis medicinal.

O ‘lag legal’ na cannabis medicinal

Essa barreira do tempo extra pode ser ilustrada claramente pelos eventos que ocorreram após a decisão do Canadá de legalizar a cannabis recreativa em 2018.

No primeiro ano de legalização, a agência de saúde do país Health Canada descobriu que seriam necessários mais de um ano para alocar licenças, cultivar colheitas e suprir farmácias e dispensários com produtos de alta qualidade. Esse delay causou um déficit significativo no fornecimento canadense de cannabis, tanto medicinal quanto recreativa, com o primeiro-ministro do país, Justin Trudeau, dizendo na época que os problemas de fornecimento poderiam levar mais um ano para se estabilizar.

Esse atraso, apelidado de ‘Legal Lag’ pela equipe de analistas e consultores da Prohibition Partners, parece inerente à maioria dos mercados que legalizaram alguma forma de cannabis pela primeira vez, pois a parte legislativa do processo pode ser concluída muito antes da logística de fornecimento ou aconselhamento clínico poder ser posto em prática.

O ‘Legal Lag’ deixa os pacientes com uma necessidade legítima frustrada e sem uma maneira de acessar o medicamento que, por direitos, deveria estar disponível para eles. Como resultado, esses pacientes que têm direito legal a produtos de cannabis medicinal estão se voltando para o único local em que os produtos estão prontamente disponíveis — o mercado ilícito.

Leia – Portugal: um ano após legalização, milhares de pacientes ainda não têm acesso à cannabis

O ‘Legal Lag’ no… Reino Unido

O Reino Unido reclassificou os produtos à base de cannabis em outubro de 2018, movendo a cannabis do Anexo 1 para o Anexo 2 sob a Lei de Uso de Drogas do país. No Reino Unido, os medicamentos do Anexo 2 podem ser prescritos legalmente pelos médicos e, portanto, o governo legalizou efetivamente o uso de cannabis medicinal.

Mas um ano depois da legalização, um pedido de liberdade de informação a partir de outubro de 2019 revelou que apenas 18 prescrições haviam sido escritas para medicamentos de cannabis não licenciados através do Serviço Nacional de Saúde (NHS) do país. Outras 104 prescrições foram dadas em clínicas particulares no mesmo período. Em comparação, as estimativas sugerem que agora existem cerca de 1,4 milhão de britânicos usando cannabis obtida no mercado clandestino para tratar condições médicas crônicas.

O ‘Legal Lag’ na… Austrália

No período de março de 2018 a janeiro de 2019, a Administração de Produtos Terapêuticos da Austrália aprovou 3.000 prescrições de cannabis medicinal. E, no entanto, estima-se que existam aproximadamente 100.000 australianos que continuam se automedicando com produtos de cannabis comprados no mercado ilegal.

Na Austrália, existem três maneiras principais de acessar legalmente a cannabis para uso medicinal:

  • Envolvimento em um ensaio clínico
  • Encontrar um médico prescritor autorizado, ou
  • Fazer uma inscrição no Sistema de Acesso Especial (SAS) do país

Apesar dessa aparente variedade de fluxos de acesso, na realidade, o acesso à cannabis medicinal na Austrália também fica atrás do prometido pela legalização. A maioria dos ensaios clínicos tem um número limitado de vagas para os participantes, as leis de privacidade australianas não permitem que os pacientes procurem um médico prescritor e uma falta geral de conhecimento em torno do SAS desencorajou os médicos de se envolverem com o esquema.

Os pacientes estão sendo excluídos pelo preço

Além do ‘lag legal’, que resulta na lenta implementação dos esquemas de acesso para os pacientes, alguns pacientes se veem voltando para o mercado ilícito depois de serem excluídos pelo preço legal.

Um frasco de MediCabilis — um óleo de CBD derivado da cannabis — disponível no SAS australiano pode custar mais de AU$ 500, com alguns pacientes de altas doses gastando até AU$ 140 por dia com este medicamento. Com base nos preços dos produtos encontrados no mercado ilegal que alegam ter uma potência semelhante, o custo diário da mesma dosagem pode ser tão baixo quanto AU$ 7,50 se um paciente optar por usar produtos ilícitos.

Leia mais: Liberada para quem? Pacientes comemoram liberação da Cannabis, mas temem preço

Nos Países Baixos, onde cerca de meio milhão de pessoas usam cannabis medicinalmente, a maioria não tem receita legal de cannabis. Isso ocorre porque o Dutch Care Institute considerou que há uma quantidade insuficiente de evidências que apoiam os benefícios medicinais da cannabis e, portanto, o custo da droga não deve ser coberto pelo seguro básico de saúde. Em uma tentativa de encontrar uma alternativa mais barata, os pacientes estão recorrendo à rede nacional de ‘coffeeshops’, que operam em um mercado cinza.

Um padrão semelhante também é visto na Alemanha, onde apenas dois terços dos pacientes legais de cannabis do país estão recebendo reembolso dos custos de prescrição. Sem cobertura de assistência médica, os tratamentos médicos com cannabis podem custar entre 4.500 e 30.000 euros por ano na Alemanha.

Para obter os custos pagos pelo seguro de saúde, os médicos prescritores devem dar uma explicação detalhada de por que a cannabis é o tratamento mais apropriado. Com pouco disponível para os médicos em termos de recursos educacionais, muitos profissionais de saúde acham difícil fornecer provas adequadas para as seguradoras. Enfrentando o risco de pagar € 25 por grama do bolso pela cannabis medicinal legal, em comparação com apenas € 9 por grama dos produtos ilícitos, tornou-se prática comum para os pacientes alemães de cannabis suplementar suas prescrições legais com algumas alternativas do mercado clandestino.

O mercado legal não corresponde à acessibilidade do mercado ilícito

Para aqueles que receberam uma receita médica de cannabis, mas que não conseguiram acessá-la legalmente (ou de forma consistente), ou que não podem pagar sua dosagem, o mercado clandestino continua a oferecer uma alternativa mais acessível.

Presos entre o risco de processo e condenação criminal pelo uso de cannabis ilícita e a espera dolorosa do mercado legal para resolver seus problemas de acesso, os pacientes em todo o mundo estão ficando com uma escolha sombria.

Embora os programas estaduais e nacionais de cannabis medicinal continuem lutando com esse atraso legal, o mercado ilícito parece ter ganhado um novo tipo de consumidor e está sendo alimentado pelos pacientes que mais precisam de um mercado legal e regulamentado.

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