O RACISMO E O PITO DO PANGO

Ilustração de um homem negro, com cabelos, barba e camisa brancos, que segura um cachimbo; no plano de fundo, pode-se ver uma jarra de cor marrom e bege e um copo transparente; a arte parece ser uma pintura a óleo sobre tela. Racismo.

A proibição da maconha é racista, uma vez que a lei que criminalizou a erva no país, em 1830, penalizava os escravos com três dias de cadeia por consumirem o “pito do pango”, enquanto o vendedor, branco e livre, recebia apenas multa. A legalização da maconha faz parte da luta contra o racismo no Brasil. Entenda mais o tema no artigo do Dr. André Barros*

Está em vigor no Brasil a Lei 12519/2011, que estabelece o seguinte:

“Art. 1º É instituído o Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra, a ser comemorado, anualmente, no dia 20 de novembro, data do falecimento do líder negro Zumbi dos Palmares.”

Em razão desta data histórica e sua finalidade de conscientização, lembrei-me do magnífico livro “O Quilombo dos Palmares”, do historiador, etnólogo, negro, baiano, membro do PCB, formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela Faculdade de Direito da Bahia, Edison Carneiro, que diz que o quilombo consistia no local onde os negros buscavam a liberdade e fugiam do trabalho escravo da monocultura para exportação. Como grande líder daquele quilombo centenário, Zumbi venceu históricas batalhas contra bandeirantes paulistas que, financiados pela Coroa e pelos fazendeiros, tentaram várias vezes destruir o Quilombo dos Palmares. Zumbi só foi derrotado porque foi delatado por um homem de sua confiança e sofreu uma emboscada. Sua cabeça foi cortada, salgada e exposta em praça pública em Recife/PE.

A obra aborda a forma de organização religiosa, política, jurídica, econômica e social de Palmares. Cabe destacar uma passagem sensacional onde demonstra a harmônica relação dos quilombolas com a natureza e que a maconha foi trazida pelos negros da África como parte da sua cultura:

“Da fauna e da flora dos Palmares, portanto, os negros retiravam grande parte de seu sustento, azeite, luz, a sua vestimenta, os materiais, com que construíam as suas choças e as cercas de pau a pique com que se fizeram famosos na guerra.

E, nos momentos de tristeza, de banzo, de saudade da África, os negros tinham ali à mão a liamba, de cuja inflorescência retiravam a maconha, que pitavam por um cachimbo de barro montado sobre um longo canudo de taquari atravessando uma cabaça de água onde o fumo esfriava (os holandeses diziam que esses cachimbos eram feitos com os cocos das palmeiras). Era fumo de Angola, a planta que dava sonhos maravilhosos.”

Os portugueses também trouxeram o cânhamo, que é um anagrama e sinônimo de maconha, nas fibras das cordas e velas das caravelas, um tecido mais forte e elástico, que dava maior velocidade às embarcações. Decretos imperiais incentivaram a produção de maconha no Brasil, como a Feitoria do Cânhamo de Canguçu em Pelotas, no Rio Grande do Sul, que não prosperou.

No Brasil, a maconha ficou muito conhecida como “fumo de Angola”, e não como cânhamo. A denominação da planta que dava sonhos é uma prova de que a rainha dos vegetais, como a ela se referiu Rabelais em Pantagruel, foi trazida para o Brasil pelos negros como parte da sua cultura.

A forma como era consumida pelos negros dos Palmares, em cachimbos de barro, levou a maconha a ser chamada de “Pito do Pango”. A denominação tem relação com a maneira pela qual a maconha era fumada e o tipo de um crime sempre descreve uma conduta, que, no caso, é usar maconha em cachimbos de barro. A maior população escravizada do mundo foi no Rio de Janeiro, o primeiro lugar do planeta a criminalizar a conduta de fumar maconha, evidentemente por racismo.

Vejamos, nas Posturas da Câmara Municipal do Rio de Janeiro, em sessão de 4 de outubro de 1830, na Seção Primeira Saúde Pública, Título 2º, Sobre a Venda de Gêneros e Remédios, e sobre Boticário, onde entrou em vigor o seguinte § 7º:

“É proibida a venda e o uso do “Pito do Pango”, bem como a conservação dele em casas públicas: os contraventores serão multados, a saber, o vendedor em 20$000, e os escravos, e mais pessoas que dele usarem, em 3 dias de cadeia.”

A lei é evidentemente racista, pois criminaliza a cultura dos negros e ainda penaliza os escravos com três dias de cadeia por consumirem maconha, enquanto o vendedor do Boticário, branco e livre, recebia apenas uma pena de multa.

A legalização da maconha faz parte da luta contra o racismo no Brasil.

*André Barros é advogado da Marcha da Maconha, mestre em ciências penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros.

 

Leia também: CRIMINALIZAÇÃO RACISTA DA MACONHA

#PraCegoVer: a imagem de capa mostra a ilustração de um homem negro, com cabelos, barba e camisa brancos, que segura um cachimbo; no plano de fundo, pode-se ver uma jarra de cor marrom e bege e um copo transparente; a arte parece ser uma pintura a óleo sobre tela. Imagem: blog A Chama Violeta.

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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