O que estamos perdendo por ainda não ter legalizado a maconha

Fotografia em vista superior de um leque de notas de R$ 50 e sobre estas, ao centro, uma nota de R$ 100, com alguns buds secos de maconha na base. Foto das notas: Shutterstock. Montagem: Smoke Buddies.

Enquanto em vários locais pelo mundo as pessoas vivem os inúmeros benefícios da legalização da maconha, como em Estados dos EUA, no Brasil a política de proibição segue exaurindo os cofres públicos e matando em nome de uma falsa guerra às drogas.

O ano é novo, mas para muitos as expectativas são as mesmas do passado. Por aqui nem tudo começou do jeito que a direita ou a esquerda desejou, entre presidente empossado, escolhas de aliados, canetadas e até o salário que ficou ‘oito bolso’ abaixo do previsto. Já lá fora, onde muitos brasileiros creem que o céu desabou após a regulamentação da maconha,  tudo vai muito bem e os gringos agradecem: Thanks.

Quase uma década de cannabis legal pelo mundo, em vários formatos e modelos de regulação, no mostra o quanto estamos perdendo em não darmos, como sociedade e governo, um passo a frente. Afinal, se continuarmos fazendo as mesmas coisas teremos os mesmos resultados, mais corrupção, mortes, violência e quem continua pagando a conta sou eu, você, o policial, o bandido, os moradores das comunidades e quem mais entrar na linha de fogo dos drones e seus agentes condenados a executores de uma política contra as drogas que é mortal a toda sociedade.

Dados oficiais do departamento de Polícia Federal, fornecidos à Smoke Buddies, mostram a realidade com os resultados das apreensões realizadas nos últimos três anos. Pegando de análise somente os dados ligados à maconha, podemos observar que a quantidade de “prensado” – produto de baixa qualidade, geralmente originário do Paraguai – apreendida durante 2016 em todo o território nacional foi mais de 234 toneladas. Em 2017, esse número saltou em 51%, atingindo mais de 353 toneladas, e em 2018 caiu para 238 toneladas do principal produto ofertado pelo tráfico de drogas.

Na mesma base de dados, podemos observar que o número de apreensões de sementes em 2016 foram de 5,6 quilos, enquanto em 2018 esse número sobe para 118 quilos. Se considerarmos juntos as mudas e pés de maconha apreendidos no mesmo ano, os números ficam em mais de 935 mil unidades em 2016 e no último ano vai para a casa dos sete dígitos com mais de 1 Milhão.

Ou seja, a guerra às drogas é “um enxuga gelo” que consome recursos financeiros e a vida humana, na tentativa utópica de um país sem drogas. Pelo que me consta, mesmo com tanta erva apreendida, vários baseados continuam sendo acesos.

Enquanto é consumido tudo isso, em ambos os sentidos, um outro ponto chave a ser ressaltado é o crescimento da população carcerária no país com crimes relacionados às drogas.

Na atual legislação penal brasileira, portar ou fazer uso de qualquer tipo de substância como são as chamadas “drogas ilícitas” – Maconha, Cocaína, Crack e outras – é sujeito a uma pena de até 15 anos de prisão em regime fechado. O agravante para uma pena como esta costuma ser a localidade da abordagem, cor de pele e classe social.

A última mudança legislativa ocorreu em 2006, com um texto subjetivo que deixa a autoridade policial como responsável por definir se houve apreensão de ‘usuário’ ou de ‘traficante’. Chegou-se a pensar que isso levaria à descriminalização das drogas, entretanto, após 10 anos da aprovação desta legislação, o encarceramento quase dobrou – passou de 401.200 para 726.700 pessoas presas em 2016, segundo dados do Ministério da Justiça.

Atualmente, um terço dos presos no país responde por crimes relacionados às drogas, segundo levantamento de dados do Infopen, publicados pelo G1. No caso das mulheres é ainda pior e corresponde a 60% da população carcerária feminina no país.

Leia mais: Brasil, o último grande país totalmente proibicionista da América Latina

DESCRIMINALIZAÇÃO. Se prender fosse a solução, desde antes de 2006 os números de usuários, apreensões e prisões teriam reduzido e não aumentado. Encarcerar uma pessoa consumidora ou cultivadora é uma injustiça, além de destruir a vida desta, a direciona para um sistema carcerário que transforma usuários em criminosos. A solução ou ao menos o debate para a mesma tem previsão de retorno para o dia 05 de junho, no Supremo Tribunal Federal. O STF começou a analisar o tema em 2015, mas o julgamento foi interrompido após pedido de vista.

Fotografia em close e vista superior das mãos de uma pessoa triturando um pouco de maconha e vestindo uma camiseta da Marcha da Maconha no Rio de cor verde onde se lê em branco #SoltaOPreso! Juízes.

#PraCegoVer: fotografia em close e vista superior das mãos de uma pessoa triturando um pouco de maconha e vestindo uma camiseta da Marcha da Maconha no Rio de cor verde onde se lê em branco #SoltaOPreso!. Créditos: Dave Coutinho.

SOCIAL. No consumo recreativo/social da maconha é onde mora o desespero dos proibicionistas que insistem em manter o modelo proibitivo, que de nada adiantou. O uso social é sem dúvida a forma pela qual a erva é mais consumida no país, ou seja, sem receita ou prescrição médica, tão quanto o vinho que no final do dia faz bem à pessoa consumidora. O que já desmontaria a fixação de proibir em nome da saúde do usuário, pois se fosse assim nem o açúcar ou a cafeína seriam liberados. Entre 2010 e 2016, mas de 400 mil brasileiros morreram devido a diabetes, segundo o Ministério da Saúde.

MEDICINAL. Se olharmos para o consumo medicinal da maconha e seus derivados notamos que, mesmo diante de alguns avanços – como a prescrição, importação, comercialização e salvos conduto para cultivo caseiro -, a política atual e os líderes não são eficazes em atender aos familiares e pacientes que necessitam, e não têm tempo para aguardar. O que pode vir a mudar com o Projeto de Lei do Senado 514/2017 que visa a descriminalização do cultivo para fins terapêuticos.

Mão apontando em direção a um cultivo de maconha ao fundo.

#PraCegoVer: fotografia de uma mão (vinda do canto inferior esquerdo da foto) apontando em direção a um verdejante cultivo de maconha ao fundo. Créditos: Phill Whizzman.

Fora do viés compassivo e dentro do econômico – o que muitos políticos preferem -, um relatório da Arcview Market Research e da BDS Analytics mostra que o consumo de maconha para fins terapêuticos no Brasil passou de 2 milhões de dólares, em 2017, para US$ 4 milhões em 2018.

Os gastos aumentarão à medida que o programa da maconha medicinal se expanda no país. Em grande parte devido a um considerável aumento no número de pacientes, estima-se que os gastos com maconha medicinal atinjam os US$ 62 milhões, cerca de 240 milhões de reais, em 2022. O relatório não considera o consumo recreativo/social.

EFEITOS, FUNDOS e LUCROS da LEGALIZAÇÃO

Enquanto as Marchas no Brasil cresciam e ganhavam força em 2012, nos Estados Unidos os eleitores aprovaram nas urnas do Colorado, juntamente com o estado de Washington (na costa oeste), a legalização do uso e posse de maconha para pessoas acima de 21 anos. Os dois estados, na ocasião, já haviam aprovado a venda da erva para fins medicinais.

Em 2014, o estado do Colorado, no centro-oeste dos Estados Unidos, se transformou no primeiro do país a permitir a venda da maconha para fins recreativos ou sociais, onde se criou uma lucrativa indústria e uma importante fonte de receitas fiscais. E são sobre os resultados destes cinco anos de legalização que devemos nos debruçar e notar o quanto já perdemos – e continuaremos – de lá para cá.

Em 1º de janeiro agora, a cidade de Denver completou cinco anos da primeira venda de maconha legal no país. A data ficou conhecida por lá como o aniversário da maconha legal para fins recreativos no Colorado. Confira algumas estatísticas e onde está sendo investida toda a grana que a maconha legal circula em Denver:

 – Vendas recreativas de maconha 2014 – 2017: US$ 1,038 bilhão;

 – Vendas recreativas de maconha de janeiro a outubro de 2018: US$ 327 milhões;

 – Vendas totais combinadas de maconha recreativa e medicinal em Denver de outubro de 2014 a 2018: US$ 2,28 bilhões;

 – Receita de maconha recreativa e medicinal em Denver, combinando imposto sobre vendas, retorno da participação do Estado, taxas de licenciamento e o imposto especial sobre a maconha recreativa de outubro de 2014 a 2018: US$ 173,1 milhões;

 – Receita Fiscal orçada para os principais elementos de gestão da regulamentação da maconha, fiscalização e educação em Denver de 2014 a 2018: US$ 36,6 milhões.

Atualmente, são 216 locais onde a maconha medicinal e/ou recreativa pode ser comprada em Denver, no Colorado. Foram destinados US$ 12,8 milhões para a educação entre 2014 e 2018. Isso inclui:

 – Financiamento para 8 programas diferentes de diversão para jovens;

 – Além de programas de treinamento em Escolas Públicas, em 15 unidades diferentes, consistindo em programas de prevenção ao uso de substâncias.

Os notáveis investimentos orçamentários dos impostos da maconha em 2018 foram:

 – US$ 5 milhões de receita da maconha para a manutenção de capital deferido;

 – US$ 4 milhões destinados a consertos de parques antigos e centros de recreação em toda a cidade;

 – US$ 8 milhões por ano para apoiar a duplicação do programa de moradias populares, o Denver’s Affordable Housing Fund.

A maconha recreativa no Colorado é submetida a um sistema altamente regulado, com requisitos de verificação, empacotamento e etiquetagem, assim como regras de segurança.

Ainda há um pequeno grupo que segue cultivando, vendendo e distribuindo fora da lei. No entanto, o Departamento de Segurança Pública do Colorado informou em outubro que as detenções relacionadas à erva caíram 52% entre 2012 e 2017.

Porém, como era de se esperar, o uso da maconha recreativa cresceu entre os adultos nestes cinco anos. Os que consomem essa substância uma vez por mês passaram de 13,6% do total antes da legalização para 15,5% atualmente, enquanto os adultos que a consomem diariamente passaram de 6% para 7,6%.

Não ocorreu o mesmo com os adolescentes, segundo a Pesquisa de Saúde de Crianças do Colorado (HKCS), que mostrou que a legalização da maconha não provocou um aumento do acesso a essa substância entre menores e que, de fato, caiu a porcentagem de menores de 13 anos que a consomem, de 9,2% em 2015 a 6,5% em 2017.

#PraCegoVer: fotografia de um bandeirão preto, que tem o desenho de uma folha de maconha dourada e a escrita em branco “Legalização Já”, sendo agitado durante a Marcha Da Maconha de 2017 em SP. Créditos: Lucas Tavares.

Basta analisar os dados acima, sem ser especialista em economia ou em maconha, para compreender que a regulamentação é mais eficaz, menos danosa e mais lucrativa aos cofres públicos e à sociedade – que por fim se beneficia da legalização através dos programas e benefícios que esta produz a todos.

Para o Brasil deixo o apelo de que a sociedade enxergue a maconha como algo normal, como um produto, e seus usuários como consumidores. Além disso, já está provado por ‘a+b’ que o modelo proibicionista é mais danoso e mortal que a própria substância em jogo.

Por que matamos e morremos por uma planta que não mata pelo consumo? Pense nisso!

Fonte: The Denver Channel

#PraCegoVer: fotografia (capa) em vista superior de um leque de notas de R$ 50 e sobre estas, e ao centro do leque, uma nota de R$ 100, com algumas flores secas de maconha na base. Créditos: Smoke Buddies.

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Sobre Dave Coutinho

Carioca, Maconheiro, Ativista na Luta pela Legalização da Maconha e outras causas. CEO "faz-tudo" e Co-fundador da Smoke Buddies, um projeto que começou em 2011 e para o qual, desde então, tenho me dedicado exclusivamente.
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