No ritmo que segue, decisão sobre descriminalização das drogas tem longo caminho no STF

Fotografia em plano fechado que mostra um cultivo de planta de cannabis, com pistilos de cor creme concentrados onde será desenvolvida a inflorescência. Foto: Luiz Michelini. doutora

A descriminalização do porte de drogas para consumo próprio, pauta que está nas mãos do Supremo Tribunal Federal desde 2015, segue sem perspectiva de definição – se continuar neste ritmo, a votação termina apenas em 2030

Uma pergunta comum nas rodas de quem debate o tema (e que renderia boas apostas) é a clássica de quando o Brasil vai “legalizar a maconha”. A questão é tão complexa quanto impossível de prever. Afinal, o Brasil parece ainda engatinhar quando se trata de definir sobre a descriminalização do consumo da erva e a diferenciação entre uso pessoal (que, hoje, não é punido com prisão) e tráfico. Imagine “legalizar”.

Nesta segunda-feira (28), a pauta sobre a inconstitucionalidade do artigo 28 da Lei de Drogas, que considera criminoso quem “adquire, guarda, transporta ou leva consigo drogas para consumo pessoal”, foi excluída do calendário de julgamentos pelo Presidente Dias Toffoli, com a justificativa de que há outro tema com prioridade na fila – no caso, o julgamento sobre prisão para condenações em 2ª instância. O assunto começou a ser julgado pelos ministros do STF em 19 de agosto de 2015 e seria retomado no dia 6 de novembro.

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A decisão sobre o Recurso Extraordinário (RE) 635659, que se arrasta por quatro anos, dois meses e dez dias, teve, entre pedidos de vista, imprevistos (como a trágica morte de um dos ministros, o Teori Zavascki) e retiradas de pauta, o parecer de três ministros, que votaram pela liberação do porte de maconha para uso pessoal. Um deles, o ministro Gilmar Mendes, incluiu todo tipo de droga em seu voto, enquanto Luís Roberto Barroso se limitou apenas à cannabis, estabelecendo, inclusive, uma quantia limítrofe para distinguir usuários de traficantes – Edson Fachin juntou-se ao coro e seguiu o voto de Barroso.

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Matemática não é bem o forte da nossa redação, tampouco a previsão de futuro é, mas levando em conta o tempo gasto do início deste julgamento até agora, e considerando este ritmo como um padrão, arriscaríamos especular que só saberemos sobre cada um dos onze votos em 2030. Na mesma lógica, para garantir a maioria simples favorável, se os próximos três ministros votassem como os anteriores, seriam mais quatro anos, dois meses e dez dias de espera.

O exercício de estimar um prazo para a descriminalização do porte de maconha no Brasil não tem base empírica e não pode ser levado a sério, já que vários fatores influenciam no processo, mas é um indicativo sobre a (falta de) disposição em lidar com o assunto.

Enquanto isso…

A negligência do STF sobre o tema vai muito além de restringir a liberdade individual de quem escolhe fumar um baseado, mas aprofunda desigualdades e gera consequências sociais e econômicas ao país.

Enquanto não há definição clara sobre o tema, jovens, sobretudo os negros e pobres, pegos com pequenas quantidades de maconha continuam sendo encarcerados em massa, tratados como traficantes, assim como as mulheres em condições mais vulneráveis, que superlotam as penitenciárias – segundo o INFOPEN (2018), “crimes relacionados ao tráfico de drogas correspondem a 62% das incidências penais pelas quais as mulheres privadas de liberdade foram condenadas ou aguardam julgamento em 2016”.

Enquanto aguardamos uma decisão, quem faz consumo abusivo ou problemático da maconha continua sem acesso a um tratamento adequado na rede pública de saúde, e o resto fica à mercê de interpretações enviesadas de uma lei falha.

Enquanto deixamos em aberto a descrição de quem é usuário, quem é traficante, o que pode e o que não pode, uns continuam tendo acesso a produtos cada vez mais sofisticados, com o privilégio da garantia de impunidade, enquanto outros se expõem aos riscos de um mercado ilícito, sem qualquer garantia de qualidade.

E, enquanto ainda damos passos de formiga para decidir sobre a constitucionalidade de se criminalizar usuários no Brasil, gerando todos os impactos acima, países que seguem na contramão e abrem espaço para o uso adulto de maconha vislumbram como reparar os danos causados pela fracassada guerra às drogas que insistimos em travar por aqui. Não sabemos por quanto tempo essa história ainda vai se arrastar, mas sabemos que, nestas condições, cada dia que passa já é muito tempo.

#PraCegoVer: fotografia (de capa) que mostra um cultivo de planta de cannabis, com pistilos de cor clara concentrados onde será desenvolvida a flor. Foto: Luiz Michelini.

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Sobre Thaís Ritli

Thaís Ritli é jornalista especializada em cannabis e editora-chefe na Smoke Buddies, onde também escreve perfis, crônicas e outras brisas.
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