No Espírito Santo, ações obrigam o estado a fornecer medicamentos à base de maconha

Fotografia em vista superior de uma planta de maconha em período vegetativo e, ao fundo desfocado, um solo marrom-escuro.

No Espírito Santo, 17 pessoas recebem medicamento à base de maconha do estado. A mãe de uma jovem portadora de epilepsia acredita que a nova portaria da Anvisa é um avanço que poderá ajudar outras crianças. Com informações d’A Gazeta

A moça que exibe o sorriso marcado pelo batom vermelho na foto é Giovana Guisso, de 17 anos, portadora da Síndrome de Dravet, um tipo de epilepsia que causa crises convulsivas graves. Quem a acompanha na imagem são os pais da adolescente que lutaram na Justiça por cinco anos para receber do Estado medicamentos à base de maconha. Contando com Giovana, a Secretaria Estadual de Saúde (Sesa) fornece esse tipo de medicamento a 17 pessoas no Espírito Santo.

#PraCegoVer: fotografia em primeiro plano da jovem Giovana, junto ao pai (parte esquerda da foto), e sua mãe, logo atrás (parte direita), todos sorridentes. Foto: arquivo pessoal.

A família de Giovana entrou na Justiça depois de ter autorização da Anvisa para comprar o medicamento importado. Cada tubo custava cerca de 950 dólares. A menina usa, em média, dois tubos por mês há três anos. E o que mudou nesse tempo?

“Antes, Giovana chegava a ter até 60 crises epiléticas por mês, algumas por mais de uma hora. Hoje, ela tem quatro crises, anda melhor, demonstra melhor o que quer. Temos qualidade de vida”, descreve Patrícia Guisso, 44 anos, mãe de Giovana.

Mais que isso, o medicamento à base de Cannabis, nome científico da maconha, trouxe qualidade de vida não só para a adolescente, mas sim para toda a família. “Eu voltei a trabalha e viajar, planejamos fazer até uma viagem grande com a Giovana no ano que vem, quem sabe até colocá-la na escola. São planos, pois nossa família ganhou qualidade de vida depois de tentarmos inúmeros medicamentos. A cannabis foi a última alternativa”, descreveu Patrícia.

Na última terça-feira (3), Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou a liberação da fabricação a empresas farmacêuticas brasileiras e da comercialização em farmácias de produtos à base de Cannabis para uso medicinal no Brasil. O extrato da planta deve ser importado para as empresas que desejarem comercializar produtos usando a maconha como base, pois o cultivo da planta para fins medicinais continua proibido. A portaria também não trata sobre o uso recreativo da maconha, que continua ilegal.

“A Portaria é uma autorização da Anvisa que regulamenta os produtos com essa base e, assim, facilita o acesso para quem precisa. Antes, era necessário reunir uma lista de laudos médicos e documentos para que a Anvisa autorizasse a importação da medicação. Agora, basta que o médico prescreva quando for necessário, desburocratizando o trâmite para conseguir o remédio. É um avanço para quem pode ter melhorias da saúde com esse tipo de medicamento”, observou a defensora pública da Infância e da Juventude de Cachoeiro de Itapemirim, Priscila Ferreira Marques Ofrante. No município, há cinco ações judiciais pedindo a concessão do remédio pelo poder público para menores de idade.

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A portaria da Anvisa deve entrar em vigor em 90 dias após ser publicada no Diário Oficial da União. No texto, ela não define como medicamento, mas sim como “produtos à base de cannabis”.

“A Anvisa fez uma designação especial, chamando de produtos à base de Cannabis, pois para se ter um medicamento é preciso ter uma série de estudos clínicos que recomendam a utilização daquele medicamento quanto à eficácia, segurança e intolerabilidade. O canabidiol é uma das moléculas da planta, que afeta o sistema de comunicação entre as células e busca o equilíbrio das funções corporais como um todo. Já há um medicamento de esclerose múltipla à base da cannabis no Brasil. A portaria da Anvisa visa regulamentar a importação desses produtos que não têm conceito de medicamento fora do país, mas que tem critérios que serão avaliados pela Anvisa”, pontuou o psiquiatra, diretor-científico da Sociedade Brasileira de Estudos da Cannabis e professor do curso de medicina da Universidade Federal de Roraima, Wilson Lessa.

Lessa descreve que a Anvisa já liberou 9 mil solicitações de importações de produtos à base de cannabis antes dessa regulamentação existir, atendendo pacientes como laudos de epilepsia, ansiedade, síndrome de Tourette, doenças autoimunes e sequelas de acidente vascular, enxaqueca e fibromialgia.

O professor também explicou que a regulamentação criou duas modalidades de prescrição para o uso desses novos produtos que devem fazer parte do mercado farmacêutico brasileiro.

“Os produtos à base de cannabis que tiverem menos de 0,2 % de tetra-hidrocanabinol (THC), que é o princípio ativo da cannabis, deverão ser prescritos com receita azul, que é menos restrita. São indicadas para patologias que tem indicações de laboratório ou bibliográfica e podem ser usadas como primeira opção de tratamento. E para a compra dos produtos fabricados com quantidade acima de 0,2% de THC será necessária a receita amarela. No caso, poderão ser prescritos para casos de uso compassivo (controle de doença), que é o que já acontece”, pontuou Lessa.

A portaria foi criada, inicialmente, para ter duração de três anos a partir da data que entrar em vigência. “A portaria permite que seja usada a substância por três anos. As pessoas vão servir de cobaia nesse tempo? E daqui três anos, se perceber que não deu certo, quais as consequências? Não sabemos qual o dano para o longo prolongado dessa substância”, pondera o professor da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Valdir Campos, integrante da Associação Psiquiátrica do Espírito Santo.

Campos ainda reforça a diferença do produto à base da maconha para a maconha enquanto droga que causa dependência química. “É uma substância que tem casos positivos, mas uma parte não pode explicar o todo, ainda é preciso fazer avaliação de risco e benefício no uso mais amplo no futuro. Sobre o que conhecemos de maconha em si são danos e prejuízo. Esta forma não deve ser colocada como “maconha medicinal’, pois a maconha provoca dependência”, alertou o professor.

A mãe de Giovana, a adolescente de Guarapari que usa um medicamento importado há três meses, diz que a filha toma duas doses diárias do óleo extraído e processado da cannabis, misturado a óleo comestível, e que acredita que a portaria da Anvisa é um avanço. “O primeiro momento que me fez ver que o tratamento fazia efeito foi quando toda a minha família, incluindo Giovana, se sentou à mesa e fez uma refeição com tranquilidade. Essa regulamentação traz esperança de ajuda para outras crianças”, disse Patrícia.

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#PraCegoVer: fotografia (em destaque) em vista superior de uma planta de maconha em período vegetativo e, ao fundo desfocado, um solo marrom-escuro. Foto: AFP.

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