Neurocientista Sidarta Ribeiro fala sobre sonhos e epidemia de drogas lícitas no Conversa com Bial

Fotografia em plano fechado de Sidarta Ribeiro, vestido com camisa de cor azul-claro e olhando para a câmera, com um fundo desfocado de um ambiente interno.

“Acho que estamos vivendo uma epidemia de drogas no Brasil sim, mas de drogas lícitas, vendidas em farmácia e as pessoas estão utilizando drogas para acordar, dormir, fazer sexo, para tudo” – segundo o neurocientista Sidarta Ribeiro no programa Conversa com Bial

O que acontece com o nosso cérebro enquanto dormirmos? Como e porque sonhamos? Para responder essa e outras questões, o Conversa com Bial desta segunda-feira, 4/11, recebeu Sidarta Ribeiro, um dos neurocientistas mais respeitados no Brasil e no mundo. Ele falou sobre seu livro “O Oráculo da Noite: A História e a Ciência do Sonho”, e tirou dúvidas também sobre o sono.

Bial comentou sobre dados do Sindicato da Indústria de produtos Farmacêuticos que apontam que por ano, são vendidos 63 milhões de caixas de medicamentos para transtorno do sono. O neurocientista falou sobre os danos desses hábitos:

“Atrapalham os sonhos. Existem remédios para dormir que são mais benignos, por exemplo, a melatonina, porque a melatonina é produzida pelo próprio cérebro. Agora os remédios hipnóticos, são remédios que produzem simulacro de sono, eles dão uma desligada no cérebro. Não é um sono reparador, bom para a memória, você acorda pronto para tudo, é o contrário, vou usar um termo meio pesado, mas tem algo de coma aquilo ali”.

“Acho que estamos vivendo uma epidemia de drogas no Brasil sim, mas de drogas lícitas, vendidas em farmácia e as pessoas estão utilizando drogas para acordar, dormir, fazer sexo, para tudo, então, estão substituindo a nossa farmácia interna por uma série de substâncias e nós não funcionamos assim. Uma hora você começa a ter um prejuízo”.

Confira a prévia da entrevista

Sidarta revelou que na infância tinha um sonho recorrente originado por uma tragédia familiar e que precisou de tratamento terapêutico.

“Me deu um gancho para mudar aquele enredo que era insuportável”.

Bial abordou questões presentes no livro. Ribeiro contou sobre a necessidade do ser humano em dormir.

“Se a gente quiser entender porque a gente dorme hoje e porque a gente sonha hoje é necessário voltar no passado. Não tem como entender um produto da evolução sem uma narrativa histórica. Uma narrativa do desenvolvimento disso ao longo do tempo”.

O sono é fundamental para repor os metabólitos que foram dispendidos durante a vigília e para desintoxicar o cérebro de produtos que o próprio cérebro gera, então, por exemplo, a gente sabe que dormir mal, ou de maneira fragmentada ou pouco, é fator de risco para doença de Alzheimer“.

Ainda falando das necessidades do nosso corpo, o neurocientista contou que o sono é um elemento muito importante para o aprendizado e da necessidade das escolas compreenderem esse fator.

As pessoas estão vivendo cada vez mais com um débito de sono maior por causa de todas as mídias eletrônicas, além disso, as pessoas que vivem na pobreza têm muita dificuldade de dormir bem, seja por fome, seja porque alguém chegou de madrugada, ou seja porque divide a mesma cama, então é necessário que a escola ofereça isso, tanto para a criança que chega com sono quanto para aquela criança que já assistiu uma aula, que aprendeu bastante coisa e agora precisa consolidar”.

Bial perguntou sobre os motivos de sonharmos. O neurocientista contou que apenas os mamíferos são capazes de sonhar e que os nossos sonhos não são aleatórios.

“O sonho não é simplesmente ativação de memórias, mas ativação de memórias com um propósito que é buscar recompensas e evitar punições.”

“Ele permite misturar memórias que normalmente não seriam misturadas. Por isso o sonho é uma fonte de criação”.

#PraCegoVer: fotografia em primeiro plano de Sidarta Ribeiro, vestido com camisa de manga longa de cor azul-claro e olhando para o lado com um sorriso fechado, com um fundo em tons de marrom. Foto: TV Globo.

Ainda sobre essa mistura de memórias, Sidarta explicou sobre a relação entre o nome de sua obra com a probabilidade do sonho virar realidade.

“O livro chama ‘Oráculo da noite’ porque o argumento do livro é que o sonho é um oráculo capaz de prever um futuro, mas é um oráculo probabilístico. Ele não é determinístico. A gente não sabe o que vai acontecer amanhã, mas com base no que aconteceu no passado eu tenho uma certa ideia do que pode acontecer amanhã”.

O brasiliense também explicou os motivos para algumas pessoas não lembrarem do que sonharam e contou que a melhor forma de interpretar os sonhos é através da introspecção.

“Você sonha muito, mas ao despertar não presta atenção nessa memória. Essa memória do sono, ela é muito fraca porque não tem, nesse momento, no cérebro, noradrenalida, um neurotransmissor específico. Esse neurotransmissor é importante para manter a memória”.

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Sidarta revelou que o culto a deuses se originou a partir de sonhos com pessoas já falecidas e definiu os sonhos de luto: “Sonho que cura”.

Apresentador e convidado falaram sobre o que se perdeu no sonho contemporâneo. E sobre o significado dos sonhos para nosso passado como espécie.

Em várias sociedades, o sonho é visto como uma maneira de viajar para outros planos ou de viajar nesse mesmo plano, de ter contato com os ancestrais, de obter revelações, cantigas, orientações para ação, então era muito normal, era muito comum, que uma guerra começasse ou um casamento acontecesse porque foi propiciado em sonho(…)Para os antigos, até mesmo na idade média, ou para tantos povos caçadores-coletores, hoje, essa é a maneira como você sabe se você deve fazer isso”.

Segundo o neurocientista existe uma teoria de que, originalmente, todos os sonhos eram pesadelos. Ele também contou que sonhos recorrentes são resultados de algo vivido sem grande importância ou stress pós-traumático.

“É um sonho importante para entender a função dos sonhos. Muita gente boa na ciência quis dizer que os sonhos são aleatórios, mas não é verdade.”

Bial questionou se biologicamente sonhar acordado é igual a sonhar.

As regiões cerebrais envolvidas na imaginação, no devaneio, que é sonhar acordado, são as mesmas que a gente utiliza para sonhar. As áreas que a gente utiliza para imaginar o futuro, são as mesmas que a gente usa para lembrar o passado. Na verdade, no cérebro, não tem passado e futuro. Tem o presente”, contou Sidarta Ribeiro.

Sidarta comentou que Paul MacCartney compôs seu grande sucesso “Yesterday” durante um sonho.

O assunto final da conversa foi sobre inteligência artificial. Bial questionou o que falta para robôs poderem sonhar. Sidarta contou que isso já pode acontecer.

“Basta você passar atividade elétrica naquele circuito e criar algum acoplamento com alguma coisa que esse robô tem de desejo, ou seja, aquilo que está programado nele que ele deve buscar”.

O neurocientista disse a Bial que acha que devemos nos perguntar o que falta para as máquinas se tornarem conscientes, pois temos dificuldade em similar o que está vindo.

“A falta de introspecção tem a ver com a falta de sonho. A gente precisa simular o futuro com mais clareza e tem que conversar sobre isso”.

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) em plano fechado de Sidarta Ribeiro, vestido com camisa de cor azul-claro e olhando para a câmera, com um fundo desfocado de um ambiente interno. Foto: Elisa Elsie.

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