Negócio da droga dribla pandemia e sobrevive

Foto que mostra um amontoado de tabletes de droga com embalagem preta e o retrato de Pablo Escobar junto à expressão “El Patron”. Foto: André Zanfonato | NSC TV.

Traficantes mantêm vendas para o exterior e adaptam a distribuição no mercado interno. As informações são do jornal Valor Econômico

Ao contrário da maioria das empresas que ainda padece com os efeitos da pandemia, o negócio das drogas ilícitas parece ter se adaptado muito mais rapidamente ao novo normal.

No Brasil, grupos que operam o narcotráfico criaram novas rotas e se valeram de sua estrutura para manter o fluxo de cocaína tanto para o varejo local quanto para o lucrativo mercado da Europa.

Um dos principais atores nesse tipo de crime no país é a facção de base prisional Primeiro Comando da Capital (PCC).

No ano passado, o Ministério Público de São Paulo estimou que o grupo teve faturamento bruto de US$ 100 milhões só com a venda de drogas.

Além da facção paulista, o Comando Vermelho, do Rio, e a Família do Norte, no Amazonas, são outras forças importantes do crime organizado no negócio das drogas no país.

Logo no início da pandemia, a cadeia global de fornecimento de cocaína passou por ajustes. Produzida na Bolívia, Colômbia e Peru, a droga é escoada para os Estados Unidos pela América Central e para a Europa através do Brasil — neste caso, muitas vezes com escalas na África.

Em abril, por exemplo, 555 quilos de cocaína prestes a seguir para o porto de Abidjan, na Costa do Marfim, foram encontrados no Porto de Paranaguá (PR).

“Mesmo antes da imposição dos ‘lockdowns’, os preços da cocaína, assim como os da heroína, dispararam diante da expectativa de que o fornecimento seria afetado”, diz Robert Muggah, especialista em segurança e cofundador do centro de estudos Instituto Igarapé.

Um relatório recente da Drug Enforcement Administration (DEA) dos EUA apontou que a pandemia criou dificuldades de transporte para os fornecedores de drogas ao mercado americano e que os preços no varejo em algumas cidades do país chegaram a dobrar. Nem todos os narcos, porém, tiveram problemas.

“Alguns traficantes latino-americanos se anteciparam a uma redução no comércio global [que poderia reduzir o trânsito de navios e aviões, usados sempre como transporte clandestino da droga] e mandaram grandes carregamentos e também ampliaram seus estoques antes que os efeitos da pandemia começassem a aparecer”, afirma Muggah.

Segundo ele, o preço da cocaína pode ter subido mais de 30% nas ruas de cidades europeias nos últimos meses, o que levou a um aumento de consumo de maconha produzida em casa ou importada.

“Mas a cocaína e outras drogas continuam a escoar do México e da América do Sul para a América do Norte e para a Europa”, disse Muggah.

No Brasil, a Polícia Federal já apreendeu neste ano um total de 45,2 toneladas de cocaína. No ano passado todo, foram 104,6 toneladas. As apreensões de maconha nos seis primeiros meses do ano somaram 206,5 mil quilos, enquanto em todo ano passado foram 266 mil quilos.

Antes da pandemia, com a aviação comercial a pleno ritmo, apreensões de drogas em malas ou no corpo de passageiros eram uma rotina quase diária nos aeroportos internacionais. Incluindo os do Brasil.

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Essa, no entanto, sempre foi a ponta menos relevante do tráfico. O grosso dos carregamentos da droga que saem do Brasil rumo à Europa é escoado pelos portos, dentro de navios cargueiros — cujo trânsito foi pouco afetado pela crise sanitária.

No Porto de Santos, maior complexo portuário da América Latina e por onde passa quase um terço dos bens importados pelo Brasil e exportados, a Receita Federal apreendeu em 2018 23,2 mil quilos de drogas. Em 2019, foram 27 mil quilos. E este ano, até 29 de junho, 10,5 mil quilos, de acordo com o balanço da Receita Federal.

O coordenador-geral de Polícia de Repressão a Drogas e Facções Criminosas (CGPRE) da Polícia Federal, o delegado Elvis Secco, chama a atenção para o total de cocaína apreendida nos portos brasileiros em junho.

Em junho de 2016, foram apreendidos 3,6 mil quilos de cocaína nos portos. Em junho de 2017, 9,5 mil quilos. No mesmo mês de 2018, 14,4 mil quilos. Em junho do ano passado, 26 mil. E, finalmente, em junho deste ano, embora num ritmo bem mais lento que dos anos anteriores, as apreensões continuaram subindo — apesar da pandemia — atingindo 29,9 mil quilos.

Autoridades estrangeiras também apreenderam em portos no exterior mais cocaína vinda do Brasil em junho deste ano do que em junho do ano passado, diz Secco. Foram 21,2 toneladas ante 16,7 toneladas.

Os números, na avaliação de Secco, indicam a resiliência e adaptabilidade dos narcotraficantes à crise global de covid-19.

“Pode-se afirmar com certeza de que não houve qualquer prejuízo ao tráfico de drogas e às organizações criminosas provocado pela pandemia de covid-19”, disse ele ao Valor, por e-mail.

“O que a Polícia Federal tem apurado é uma mudança nas rotas de internalização da cocaína no Brasil, uma vez que devido às restrições nas fronteiras com países produtores de cocaína, as grandes organizações criminosas têm utilizado outras rotas para transportar a droga”, afirmou.

Outra mudança diz respeito às rotas para o envio de drogas ao exterior. “Quanto à remessa da cocaína para outros países, o que se tem notado é a utilização de outros portos para despachar a droga, na espécie, pode-se citar o porto de Vila do Conde no Estado do Pará”, afirma Secco.

Autoridades têm flagrado carregamentos de cocaína no porto localizado no rio Pará, na cidade de Barcarena, próximo à costa.

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Até ser despachada para os portos europeus, a cocaína que sai do Brasil percorre rotas conhecidas das autoridades. Uma delas é a rota do rio Solimões. O rio serve de corredor para barcos rápidos que percorrem 1.500 km (em viagens de 24 horas) da fronteira brasileira com o Peru e a Colômbia até Manaus.

De Manaus, dos portos Chibatão e Superterminais, a droga segue para outros portos fluviais e por novas rotas até, finalmente, seguir para Europa.

No Amazonas, o narcotráfico tem na maior parte das vezes a assinatura do grupo criminoso Família do Norte (FDN).

De acordo com o relato ouvido pela reportagem, agentes da Polícia Federal no Estado não identificaram até então nenhum recuo dos narcotraficantes na região que poderia ter sido motivado pela pandemia.

Em outra rota conhecida das autoridades, Bolívia-Paraguai-Brasil, os carregamentos de cocaína também parecem continuar operando normalmente para o grupo que mais explora esse corredor: o PCC.

A pandemia levou à instalação de mais barreiras nas estradas e ao fechamento da Ponte da Amizade — que liga Foz do Iguaçu (PR) a Ciudad del Este, principal ligação entre Paraguai e Brasil.

Mas a facção comandada por Marcos Camacho, o Marcola, já não depende das estradas para trazer a cocaína boliviana ao Brasil, porque antes mesmo da pandemia o grupo havia investido para modernizar sua logística.

“O PCC investiu no Paraguai e na Bolívia na compra de helicópteros e pequenos aviões que podem levar 400 quilos ou 500 quilos de droga”, diz Lincoln Gakiya, promotor do Ministério Público de São Paulo, integrante do GAECO, e há 15 anos dedicado a agir contra lideranças da facção.

“Esse é o meio de transporte que eles têm utilizado. Nesse sentido, o fechamento da Ponte da Amizade [por causa da pandemia] não causou muito problema para eles”, afirma o promotor.

Uma vez no Brasil, a droga segue para o porto de Santos ou outros portos do Sudeste e Sul e de lá, escamoteada em contêineres, segue para os clientes europeus.

No meio da pandemia, em abril, o principal fornecedor de cocaína para o PCC, Gilberto Aparecido dos Santos, o Fuminho, foi preso em Moçambique.

Ele era também um grande articulador das rotas da droga até Europa, passando pela África. A facção tem outros fornecedores e outros associados, mas a prisão atingiu um aliado chave.

Mesmo assim, os negócios do PCC parecem resistir tanto à captura quanto à pandemia.

“Eu acredito que o PCC continue colocando uma ou duas toneladas por mês de cocaína na Europa, que é o que eles vinham colocando”, disse o promotor.

Enquanto, segundo cifras citadas por ele, um quilo de cocaína é vendido no Brasil por cerca de R$ 12 mil; na Europa a mesma quantidade (porém com maior grau de pureza) gira em torno de € 35 mil euros — cerca de R$ 210 mil.

Se os narcotraficantes brasileiros driblaram os efeitos da pandemia em seus negócios internacionais, a venda para o mercado interno teve de se amoldar aos dias de isolamento social.

Com bares, danceterias, casas de shows, festas e raves fechadas, o consumo nos primeiros meses caiu. “O dinheiro parou de circular e houve uma diminuição na procura do entorpecente dentro do país, sobretudo no Estado de São Paulo”, diz Lincoln Gakiya.

Resultado: a receita do tráfico com as vendas domésticas caíram num primeiro momento.

Aos poucos, no entanto, houve um rearranjo nos grandes centros urbanos. O delivery de cocaína, por meio de motoboys, passou a cobrir novas áreas.

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A droga que circulava à noite ou em ambientes de trabalho passou a ser entregue em casa.

“Com o home office, quem abastecia de droga os escritórios da avenida Faria Lima, por exemplo, teve de passar a fazer as entregas na casa das pessoas”, diz Renato Sérgio de Lima, presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública, uma entidade que reúne policiais e estudiosos do tema da segurança.

Os novos trajetos implicaram, em muitos casos, necessidade de pagamentos a policiais de regiões onde até então as entregas do tráfico não eram tão frequentes. Implicou também a necessidade de manter o pagamento a policiais nas áreas de entrega pré-pandemia.

Tanto a perda inicial de receita quanto a adaptação da logística de entrega, criaram uma demanda extra de recursos.

“Essa reorganização exigiu capital de giro e esse capital foi conseguido em alguns lugares com os traficantes se envolvendo mais em assaltos a carros forte, caixas eletrônicos e a bancos”, aponta Lima. Lincoln Gakiya confirma essa leitura.

Um ponto a favor da polícia trazido pela crise do coronavírus: as visitas aos presídios brasileiros foram proibidas ou muito limitadas, e isso diminuiu o leva-e-traz de ordens dos líderes encarcerados a seus comandados nas ruas.

As ordens passaram a depender mais do que nunca de celulares — mas muitos desses aparelhos estão grampeados. Outro ponto a favor: menos visitas têm significado também menos drogas dentro dos presídios.

O delegado Elvis Secco reforça que neste ano, apesar da pandemia, a PF já apreendeu 45 toneladas de cocaína e erradicou 326 toneladas de maconha. E diz que mais do que apreensões, a PF se dedica a estrangular as finanças do narcotráfico.

Em 2019, o total de ativos sequestrados ou apreendidos dos barões da droga no Brasil foi de R$ 654 milhões.

“A meta, para 2020, é alcançar R$ 1 bilhão (cerca de 248 milhões de dólares em cotação atual) de patrimônio sequestrado, resultado esperado do amadurecimento da estratégia no enfrentamento às facções criminosas”, afirmou o delegado.

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#PraCegoVer: a imagem de capa traz uma foto que mostra um amontoado de tabletes de droga com embalagem preta e o retrato de Pablo Escobar junto à expressão “El Patron”. Foto: André Zanfonato | NSC TV.

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