NÃO SE COMBATE O TRÁFICO NA FAVELA

O cigarro, a cerveja e o açúcar são produtos legais e cada um tem o seu mercado. Embora seja ilegal, a maconha também tem o seu mercado. Cada um deles tem sua cadeia produtiva: fabricação, distribuição, atacado e varejo

O mercado de um produto legal é protegido pela Lei 12529/2011, que estrutura o Sistema Brasileiro da Concorrência. Esse sistema serve como polícia do mercado, a fim de prevenir e reprimir as infrações contra a ordem econômica e os abusos do poder econômico em defesa da livre iniciativa e dos consumidores. Se uma empresa vende seu produto abaixo do preço de custo para quebrar seus concorrentes e ficar com o monopólio desse mercado, estará realizando uma prática infrativa ao mercado e deve ser julgada pelo Tribunal Administrativo de Defesa Econômica.

O julgamento é instruído por estudos realizados sobre o mercado de cada produto, que são feitos pela Secretaria de Acompanhamento Econômico do Ministério da Fazenda e o Departamento de Estudos Econômicos do Ministério da Justiça. Portanto, sendo o produto legal, o seu mercado é muito bem conhecido pelo Conselho Administrativo de Defesa Econômica, o CADE.

Como é ilegal, o mercado da maconha não é bem conhecido, pois os órgãos do sistema penal, Polícia, Ministério Público e Poder Judiciário, não são preparados para tal função. No entanto, no Rio de Janeiro, o conhecimento acerca do mercado da maconha é público e notório. Quase toda a maconha vem do Paraguai, onde toneladas são produzidas em imensas plantações e essa produção não é reprimida pela polícia brasileira, pois está em outro país. Ao contrário da pasta de cocaína, que pode ser distribuída em quilos por aviões e helicópteros, o mercado da maconha é de toneladas e, como vem do Paraguai, a erva só pode ser distribuída através das estradas federais e estaduais em caminhões de carga. O policiamento para reprimir essa distribuição é praticamente inexistente e raramente grandes quantidades são apreendidas. Obviamente, tem muita corrupção para a passagem de toda essa carga pesada, que não é pesada e fiscalizada nos postos da Receita pela sua ilegalidade.

Chegando ao Rio de Janeiro, como o maior número de consumidores são os pobres, como acontece com quase todos os produtos, a maior parte vai para as favelas. Como a maconha é vendida e consumida em todas as classes sociais, a menor parte vai para vendedores da classe média e ricos, pois seus consumidores raramente sobem os morros para comprar maconha.

Nas favelas, essas toneladas são vendidas em “mutucas” com poucos gramas, ao contrário das classes média e rica que compram 50 gramas por quatrocentos reais, pois têm maior poder aquisitivo. O setor do mercado de maconha que separa as toneladas em pequenas “mutucas”, que serão vendidas por um, cinco, dez e até cinquenta reais, é conhecido como “endolação”. Raríssimas vezes vi noticiário da polícia estourando um paiol de endolação nas favelas.

Essas mutucas são distribuídas para serem vendidas no varejo das favelas do Rio de Janeiro, onde jovens, negros e pobres colocam em tabuleiros, onde são comercializadas como “camelôs”. Para isso, chegam às mãos de adolescentes e jovens, fuzis, granadas, pistolas e rádios transmissores. Na realidade, uma verdadeira armadilha, pois geralmente têm de 15 a 25 anos de idade e serão mortos ou presos. A fila anda fácil, pois recebem de 50 a 200 reais para ficarem 24 horas armados até os dentes, salário que não vão encontrar no escasso mercado de trabalho com carteira assinada. Sem camisa e calçando chinelos, são pagos para proteger a carga. Caso a mesma seja roubada, vão morrer assassinados por seus próprios chefes do morro, pois não terão como pagar. Por outro lado, muitos dos policiais que são mandados pelos oficiais e governador para reprimir o varejo, jovens, negros e pobres, morrem também.

Portanto, trata-se de um enorme mercado, onde a repressão concentra-se somente no varejo das favelas. Em suas vielas, milhões de pessoas de todas as idades circulam diuturnamente e sequer têm pra onde correr quando a polícia chega atirando para tudo quanto é lado.

Trata-se de uma grande farsa, uma política de segurança pública historicamente racista para matar jovens e negros, pois os traficantes são empresários brancos milionários, doleiros, banqueiros e fazendeiros.

A única medida inteligente e eficaz para reduzir imediatamente toda essa matança racista é a legalização da venda da maconha nas favelas e a regulamentação de todo o mercado da maconha.

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#PraCegoVer:Fotografia (de capa) mostra manifestantes da Marcha das Favelas durante percurso em comunidade carioca. Foto: Phill Whizzman.

Sobre André Barros

ANDRÉ BARROS é advogado da Marcha da Maconha, mestre em Ciências Penais, vice-presidente da Comissão de Direitos Sociais e Interlocução Sociopopular da Ordem dos Advogados do Brasil e membro do Instituto dos Advogados Brasileiros
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