Ministro da Justiça envia email a deputados com repúdio a projeto sobre cannabis medicinal

Fotografia em meio perfil do ministro da Justiça André Mendonça, dos ombros para cima, falando a um microfone de mesa e um fundo azul onde se vê a identidade visual do governo federal, desfocada. Foto: Anderson Riedel / Palácio do Planalto (Flickr).

Deputados falam em ‘questão ideológica’ e ‘postura obscurantista’ de André Mendonça. As informações são do Painel / Folha de S.Paulo

O Ministério da Justiça enviou nas últimas semanas aos emails de deputados uma moção de repúdio ao projeto de lei 399/2015, que legaliza o cultivo da cannabis no Brasil para uso medicinal e industrial.

O projeto original é de autoria do deputado Fábio Mitidieri (PSD-SE), e atualmente seu substitutivo, do deputado Luciano Ducci (PSB-PR), tem sido objeto de debates na Câmara dos Deputados.

A moção, assinada pelo ministro André Mendonça e aprovada pelo Conselho Nacional de Políticas sobre Drogas do Ministério da Justiça, lista os motivos para o repúdio: o aumento de uso medicinal de cannabis gerou flexibilização de controle do uso recreativo [adulto] em outros países, os resultados “pífios” do uso terapêutico da cannabis, riscos e prejuízos à saúde decorrentes do uso, possibilidade de aumento do tráfico de drogas, entre outros argumentos em relação aos quais não existe consenso (veja na íntegra aqui).

Os emails do Ministério da Justiça começaram a ser enviados dias depois da apresentação do substitutivo por Ducci na Câmara, no começo de setembro. Ao Painel o deputado classificou os argumentos da moção como “ideológicos” e apontou interferência indevida em debate do Legislativo.

O plantio ilegal já acontece no Brasil e é atrás disso que o Ministério da Justiça devia ir, e não contra o plantio legal e para fins medicinais. O plantio que está sendo proposto é com a autorização do poder público, regulamentado pela Anvisa. O desconhecimento e a má vontade e as fake news que levantam essa questão: ministros se posicionando de maneira não adequada. O projeto é muito seguro, faltou leitura”, diz.

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Questão ideológica de um grupo de parlamentares que jogam para um determinado tipo de plateia, sem se preocupar com os reflexos em milhares de pessoas que não têm acesso aos medicamentos, especialmente os mais pobres. Quem tem dinheiro vai lá para a Anvisa, protocola pedido de importação, traz o remédio caro”, completa.

Para Ivan Valente (PSOL-SP), um dos deputados que receberam por email a moção, “o governo despreza a ciência e o sofrimento de milhares de famílias para ficar ao lado da mentira”.

“Milhares de crianças dependem do cultivo da cannabis medicinal para terem uma vida normal. Ser contra o acesso a este tratamento é o auge da indiferença e da crueldade humana, algo que vem marcando este governo”, diz.

Para Sâmia Bomfim (PSOL-SP), que também recebeu o texto por email, a posição de Mendonça é “obscurantista e leva a sociedade ao erro, pois o projeto não aborda a legalização do uso recreativo, tampouco estimula o abuso de drogas. O governo quer interditar o debate baseado em mentiras e prejudicar milhões de brasileiros“.

“A cannabis medicinal auxilia no tratamento de pacientes com câncer, depressão, Alzheimer, epilepsia, autismo, entre outros. Aprovar o PL 399 é, portanto, um passo civilizatório, uma questão de humanidade e de saúde pública”, acrescenta.

A postura de Mendonça contrasta com a do ministro da Saúde Eduardo Pazuello, que há algumas semanas disse que está em andamento um processo para que o SUS passe a oferecer medicamentos feitos à base de canabidiol e que a pasta não tem restrição a eles. Procurado, o Ministério da Justiça não enviou resposta.

Assista ao vídeo em apoio ao substitutivo do PL da cannabis

Entenda o PL da Cannabis (399/2015)

Objetivo

Regulamentar as atividades de cultivo, processamento, armazenagem, transporte, pesquisa, produção, industrialização, comercialização, exportação e importação de produtos à base de cannabis para fim medicinal e industrial. O projeto não trata de autocultivo, nem do uso recreativo, religioso e ritualístico.

Quem poderá cultivar

  • Pessoa jurídica mediante a prévia autorização do poder publico. Não é possível plantar por conta própria.
  • Governo através das Farmácias Vivas do SUS.
  • Associações de pacientes legalmente constituídas, com adaptação às boas práticas das Farmácias Vivas do SUS, que possuem regras mais simples que a da indústria. As associações terão dois anos para se adaptar.

Obrigações

O produtor de cannabis medicinal é obrigado a solicitar uma cota de cultivo ao poder público que atenda demanda pré-contratada ou com finalidade pré-determinada, as quais devem constar no requerimento de autorização do cultivo. A empresa deve fornecer o número de plantas a serem cultivadas, detalhando quantas são psicoativas e quantas não são.

  • O produtor de cânhamo é obrigado a fornecer a área de plantio e só pode produzir plantas não psicoativas.
  • O cultivo de cannabis deve seguir a lei brasileira de sementes nº 10.711/200.
  • Rastreabilidade de toda a produção, da semente ao descarte.
  • Apresentação de plano de segurança de cultivo e do local de produção.
  • Ter responsável técnico legal.
  • Cultivo em estufas protegido com dispositivos de segurança.
  • O projeto prevê o plantio extensivo, ou seja, aberto para o cânhamo industrial.

Finalidade do cultivo de cannabis medicinal

  • Produtos regulamentados pela RDV 327/2019 da Anvisa.
  • Produtos veterinários.

Finalidade do cultivo do cânhamo industrial

  • Industrial: têxtil, produtos de construção, cosméticos e outros.

Condições da cannabis medicinal

  • Plantas de cannabis com mais de 1% de THC são consideradas psicoativas.
  • Plantas de cannabis com menos de 1% de THC são consideradas não psicoativas.
  • Para fins de uso veterinário só é permitido o uso da cannabis não psicoativa.
  • Os medicamentos à base de cannabis de uso humano são considerados psicoativos se tiverem mais de 0,3% de THC.
  • O medicamento com teor de THC abaixo de 0,3% é não psicoativo.
  • O medicamento veterinário tem de ter menos de 0,3% de THC.
  • Prescrição por profissionais autorizados e receituário de acordo com a RDC 327/19 da Anvisa.
  • Os medicamentos à base de cannabis para uso humano são regulados e autorizados pela Anvisa e para uso veterinário, pelo Ministério da Agricultura.
  • Os requisitos para concessão das cotas são estabelecidos pelo poder público. Os requisitos que trata esta lei não isentam o atendimento específico de regulamentação exigida pelo poder público mediante regulamento. Por exemplo, a Anvisa diz hoje que canabidiol (CBD) tem de ter receita azul, mas isso o governo pode mudar.
  • As Farmácias Vivas do SUS devem seguir todas as obrigações deste projeto de lei.
  • Farmácias magistrais podem manipular com autorização especial da Anvisa.
  • As associações de pacientes ficam autorizadas a produzir produtos magistrais ou fitoterápicos, após a adequação às normas desta lei.

Pesquisa

Segue a mesma lei do cultivo para cannabis.

Exportação e importação

De pessoa jurídica para pessoa jurídica. A exportação será para fins medicinais e industriais. Todas as partes das plantas podem ser exportadas, inclusive as flores, como já acontece em outros países como Canadá e Uruguai.

O SUS poderá incorporar e distribuir os medicamentos de cannabis medicinal à população.

O que muda no projeto para o Cânhamo industrial

  • A finalidade não é medicinal, mas, sim, industrial.
  • A lei vai autorizar a produção e comercializações com base nas legislações infralegais correspondentes aos respectivos controles sanitários, de segurança de registro e regulatório. A produção de cosméticos, por exemplo, tem de seguir a regulação que seguem os demais produtos que não possuem cânhamo.
  • Só pode ser usado pela indústria alimentícia se tiver 0% de THC.
  • Para outros fins industriais, o produto deve apresentar sempre teor menor de 0,3% de THC.

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#PraCegoVer: em destaque, fotografia em meio perfil do ministro da Justiça André Mendonça, dos ombros para cima, falando a um microfone de mesa e um fundo azul onde se vê a identidade visual do governo federal, desfocada. Foto: Anderson Riedel / Palácio do Planalto (Flickr).

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