Maternidade, drogas e racismo

maternidade

Confira, a seguir, o texto da escritora, mãe, mãeconheira e ativista Maíra Castanheiro

Ser mãe e uma pessoa que gosta e usa drogas, necessariamente me faz pensar sobre Maternidade e Drogas. E quando me deparei com estes pensamentos e reflexões me dei conta da ausência dessa temática, principalmente entre as pautas de Maternidade e Feminismo

Por que falar sobre Maternidade e Drogas? Por que as mães também usam drogas (e trepam) e sistematicamente são ameaçadas e/ou têm suas maternidades limitadas por serem usuárias de drogas. 

Quem são essas mães usuárias de drogas que têm suas maternidades limitadas e/ou ameaçadas? Eu diria que todas nós, mães e usuárias de drogas, mas não é bem verdade, somos todas nós, mas não todas nós. 

Entre uma mãe branca classe média e uma mãe negra em situação de vulnerabilidade, são outros quinhentos. Ainda que ambas sejam mulheres, mães e usuárias de drogas e tenham suas maternidades limitadas/ameaçadas, as razões se diferem. Logo, as narrativas se escrevem partindo de seus contextos históricos. 

As mães criam e movem o mundo. E nas guerras às drogas, as mães são as mais vulneráveis e muitas perdem seus filhos: assassinados numa guerra sistematicamente injusta ou mesmo perdendo a guarda do filho por serem usuárias de drogas.  

Portanto, por que falar sobre Maternidade, Drogas e Racismo?

Por que se estamos falando de Drogas, estamos falando de Racismo. “Não foi a guerra às drogas que inventou o racismo”, fato, mas as guerras às drogas atualizam o racismo, ou seja, opera como instrumento de opressão sobre a população negra e pobre. 

O livro de Luísa Saad, historiadora, Fumo de negro: a criminalização da maconha no pós-abolição, nos revela que no Brasil a história da proibição e criminalização da maconha tem fundamentos racistas. 

Partindo de uma perspectiva Feminista Antiproibicionista, o texto de Luana Malheiro, Tornar-se mãe antiproibicionista, traz luz a esta questão tão complexa e vertebral da nossa sociedade. 

Traçando um diálogo sobre as produções literárias das autoras citadas, entre outros, chegamos a uma narrativa mais próxima da nossa realidade atual. A Formação do Estado Brasileiro se opera a partir da Necropolítica e do Necrobiopoder como bem explica Berenice Bento, é o corpo da mulher negra o instrumento para o funcionamento de tais operações. 

O autor, Vinicius Santiago, em seu artigo publicado na Revista Cult (outubro de 2021), O Ventre Negro no Brasil, nos diz que a maternidade negra é marcada  pelo signo da violência e da impossibilidade. Tal como aponta Berenice Bento em seu artigo Maternidades Periféricas Contra o Estado publicado na Revista Cult (outubro de 2021), à mulher negra não lhe é dado o direito de ser mãe, ela é uma ótima babá, ama de leite, cozinheira, mas uma péssima mãe. 

A guerra às drogas por consequência mantém mecanismos de opressão sobre a população negra e periférica. É urgente o fim da guerra às drogas. É urgente que as mães negras e mães que vivem em cenários de guerra sejam prioridades para as nossas pautas. É urgente pensarmos As possibilidades de existência de uma Maternidade Antiproibicionista como traz Luana Malheiro. A antropóloga nos faz perguntas assertivas: Não seria a violência racial e de gênero da guerra às drogas a porta de entrada de uso abusivo do crack?

O livro da antropóloga Luana Malheiro, Tornar-se mulher usuária de crack (Editora Telha, 2020), nos revela como a atual política de drogas reproduz ideias colonizadoras, sobretudo, racistas. Os argumentos da Saúde e da Justiça para retirar os filhos de mães em situação de rua e/ou usuárias de drogas não se sustentam nas ciências médicas, psicológicas e humanas: a questão do exercício da maternidade deve ser refletida nos termos da vivência das mulheres em seus contextos concretos e não idealizada a partir de um padrão de maternidade perfeita e atestado pelos órgãos de Saúde e Justiça.

Na nossa sociedade racista, a mulher mãe branca usuária de drogas é passível de pena e salvação, já mulher mãe negra é criminalizada e considerada inapta para ser mãe. Nas mídias, novelas, essa imagem é bastante construída.

Luana nos conta que, para muitas mulheres em situação de vulnerabilidade e usos abusivos de crack, a gravidez é o momento de maior organização para elas. Uma das parceiras de pesquisa da antropóloga Luana Malheiro, a Edna, nos devolve: eu me drogo, mas não perco minhas responsabilidades como mãe

Por que falar sobre Maternidade, Drogas e Racismo? Por que queremos adiar o fim do mundo e para tanto é urgente que as mães do fim do mundo sejam nossa principal pauta e causa. Não à toa, são as mães as mais empenhadas na luta pelo fim das guerras às drogas, pela legalização da maconha. Seja por que seu filho precisa de remédio ou por não aguentar mais perder seu filho para essa guerra, de todas as formas, essas mães só querem proteger seus filhos. Uma mãe levanta a outra. Berenice Bento, no artigo citado, conclui: a maternidade rebela-se para seguir cumprindo sua promessa: cuidar.

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Tornar-se mãeconheira

#PraTodosVerem: imagem de capa traz a ilustração do perfil de uma mulher negra com uma criança no colo e a frase “maternidade, drogas e racismo”, em fundo em tons de verde. Crédito: Bem Bolado Brasil.

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