A falta de regras impede desenvolvimento do mercado de cannabis no Marrocos

Fotografia mostra um campo de maconha na região norte do Marrocos, onde plantas de tamanhos e tons de verde diferentes preenchem toda a imagem. Foto: Zenith.

Os agricultores pobres do Rif vislumbram uma chance de sair do plantio ilegal de maconha e encontrar alívio econômico no mercado legal, mas ainda carecem de orientação e infraestrutura básica

O governo do Marrocos aprovou em julho do ano passado uma lei que autoriza o cultivo de cannabis para uso medicinal e industrial.

A nova lei criou a Agência Nacional de Regulação da Cannabis, responsável pela emissão de autorizações para cultivo, produção, transporte, comercialização, importação e exportação de cannabis. Entretanto, as autoridades marroquinas ainda não organizaram o setor e, apesar de o governo já ter publicado alguns decretos, os agricultores ainda carecem de orientação e infraestrutura básica.

O empecilho para que o setor comece a se desenvolver também se dá pela falta de regulamentos, deixando empresas interessadas de mão atadas.

Leia também: Por dentro dos gigantescos campos de maconha do Marrocos

Os agricultores pobres do Rif vislumbram uma chance de sair do cultivo ilegal de cannabis para estabelecer cadeias de valor legítimas.

“Eles vivem entre a inconveniência de comercializar seu produto e a incerteza implicada pelo confronto com a nova lei”, disse Monika Brümmer, da cooperativa de cânhamo marroquina Adrar Nouh, sobre as comunidades rurais do Rif, ao HempToday.

Oportunidades imediatas de crescimento socioeconômico sustentável podem ser perdidas à medida que a próxima temporada de cultivo de cannabis se aproxima, disse Brümmer, arquiteta alemã, designer de construção natural e proprietária da desenvolvedora de materiais de cânhamo Cannatektum, com sede em Granada (Espanha).

No Marrocos, dezenas de milhares de pessoas vivem do cultivo ilegal de maconha.  Os defensores há muito alertam que um mercado regulamentado permitiria aos agricultores vender ao governo em vez de aos traficantes.

plantacao el kolla Marrocos deve legalizar a produção de cannabis para uso medicinal

#PraTodosVerem: fotografia aérea que mostra uma plantação de maconha a céu aberto, em El Kolla, na região de Tanger-Tétouan, onde se vê algumas montanhas do Rif ao fundo. Imagem: Rogelio A. Galaviz | Flickr.

“O Marrocos foi muito receptivo e acelerou o processo de legalização. Esperamos que se mantenha a mesma celeridade e a mesma transparência no quadro da aplicação da lei. Este é o pré-requisito para manter os investidores motivados”, disse Omar Rhamirich, sócio da empresa CBD Rif Morocco, criada em 2021 na sequência da publicação da lei, ao jornal local Médias24.

A região do Rif é responsável por uma grande parte do cultivo de cannabis no Marrocos, uma área estimada em quase 500 km2 — espera-se que a legalização acabe com o status de fugitivo dos agricultores locais e proporcione alívio econômico a um povo marcado pela pobreza.

“Queremos que esses agricultores plantem sua cannabis de cabeça erguida”, disse Noureddine Mediane, um legislador da região, ao parlamento, meses antes da aprovação da lei.

Leia mais: Polícia faz chacina em plantação de maconha na zona rural de Cavalcante (GO)

Além de regulamentos e decretos organizacionais, são necessários orientação e apoio do governo para infraestrutura básica e treinamento para estabelecer uma cadeia de valor de cânhamo legítima para os agricultores, disse Abdellatif Adebibe, cofundador da cooperativa Adrar Nouh, ao HempToday.

A cooperativa faz parte de uma iniciativa de longo prazo para melhorar as condições de vida no Rif e capitalizar o potencial dos recursos locais de cannabis, preservando e valorizando a arquitetura tradicional da região e construindo novas casas e outros edifícios.

Adrar Nouh emprega trabalhadores rurais locais cujo trabalho manual, realizado em condições difíceis, é altamente valorizado para a cooperativa, servindo de inspiração para as comunas locais, disse Adebibe, um ativista marroquino que há muito trabalha para promover oportunidades econômicas entre a sociedade agrícola que consiste em 60.000 famílias no Rif.

Apesar da incerteza, Adrar Nouh continua a desenvolver e avançar projetos de construção natural na comuna de Issaguen (anteriormente conhecida como Ketama). A cooperativa retomou recentemente o trabalho em um prédio de um andar e 70 metros quadrados, apoiado por doações internacionais. Os doadores ajudaram a manter esse projeto em andamento na ausência de programas de apoio do governo porque reconhecem o potencial das cadeias de valor de base biológica para a criação de empregos sustentáveis, disse Brümmer.

#PraTodosVerem: fotografia mostra o prédio em construção, onde se vê um trabalhador preparando a argamassa no chão e outro em cima de uma andaime, e os blocos feitos que compõem a alvenaria ainda sem reboco. Imagem: HempToday.

Uma equipe de trabalho do projeto processou quatro toneladas de talos secos de cannabis em mais de 2.000 grandes blocos de construção para a estrutura; mais 2,5 toneladas de talos foram para argamassa, reboco, lajes e compósitos para telhados.

O uso do material residual do cânhamo reduz as emissões de carbono associadas à queima dos caules que sobraram, como os agricultores tradicionalmente fazem, de acordo com Brümmer. A iniciativa está demonstrando uma estratégia de desenvolvimento econômico rural ao buscar todos os materiais — minerais, agrícolas e madeireiros — do entorno imediato do canteiro de obras.

A construção de Issaguen é o segundo projeto de construção de cânhamo da Adrar Nouh após a cúpula movida a energia solar Sunimplant da cooperativa, que recebeu aclamação internacional e desencadeou o estabelecimento de negócios legítimos de cânhamo industrial no Marrocos.

Brümmer disse que a região do Rif Central também enfrenta o desafio de preservar as práticas agrícolas tradicionais e a biodiversidade, e que a orientação do governo deve garantir todas as possibilidades de proteger as variedades de cannabis indígenas que estão habituadas aos microclimas da região, que fica em altitudes de até 1.600 metros acima nível do mar.

Em pesquisa publicada em outubro passado pelo Conselho Econômico, Social e Ambiental do Marrocos, 86% dos entrevistados disseram que legalizar a cannabis contribuiria para o desenvolvimento econômico, enquanto 61% acredita que as áreas de cultivo de cannabis devem ser apoiadas com investimento público em infraestrutura, incluindo construção de estradas, hospitais, escolas etc.

91% dos participantes da pesquisa acrescentaram que o cultivo de maconha é a única fonte de renda para as famílias que trabalham na produção de cannabis, principalmente na região de Rif.

A legalização do uso adulto de cannabis, entretanto, não faz parte da lei de legalização do Marrocos, apesar dos bilhões que o comércio de haxixe movimenta e o apoio que existe entre a população para a legalização.

Leia mais:

Marrocos: pesquisa encontra grande apoio à legalização da maconha para melhorar economia

#PraTodosVerem: fotografia mostra um campo de maconha na região norte do Marrocos, onde plantas de tamanhos e tons de verde diferentes preenchem toda a imagem. Foto: Zenith.

Deixe seu comentário
Assine a nossa newsletter e receba as melhores matérias diretamente no seu email!