Drogas K: conheça os riscos dos canabinoides sintéticos

Imagem mostra uma porção de matéria vegetal e um spray que borrifa canabinoides sintéticos na matéria. Crédito: Bem Bolado Brasil.

Os canabinoides sintéticos, conhecidos pelos nomes de drogas K (K2, K4, K9), spice ou até “maconha sintética”, não deveriam, nem de longe, ser associados à erva – entenda

Vira e mexe, surgem no noticiário histórias sobre os horrores da “maconha sintética”. Essa analogia, totalmente equivocada, é responsável por aumentar o estigma da planta e contribui para perpetuar a desinformação sobre os canabinoides sintéticos, substâncias que, de acordo com um informe do Sistema Nacional de Políticas sobre Drogas (Sisnad), são classificadas desta forma porque (assim como os fitocanabinoides, como CBD e THC) se ligam aos receptores canabinoides que existem no corpo, inclusive no cérebro.

“Apesar dos canabinoides sintéticos se ligarem aos mesmos receptores presentes no corpo humano onde atuam os fitocanabinoides, o termo ‘maconha sintética’ não é correto, pois os canabinoides sintéticos não estão presentes na cannabis (popularmente chamada de maconha) e, em sua maioria, não se assemelham quimicamente às substâncias presentes na planta (SBTOX, 2023)”, diz o documento. “Popularmente conhecidas como ‘drogas K’ (K2, K4, K9), spice, selva, cloud9, entre outros nomes, estas substâncias possuem composição molecular variada e não estão estruturalmente relacionadas aos canabinoides naturais encontrados na planta de cannabis, além de apresentarem diferentes potências, efeitos e toxicidades”.

Adicionados a ervas aromáticas, os canabinoides sintéticos mimetizam a maconha através do nome, da aparência e dos efeitos, mas não se engane: seu consumo afeta o cérebro de forma diferente do que a droga natural e, de acordo com o NIDA (Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos EUA), os usuários podem experimentar ansiedade, agitação, náuseas, vômitos, hipertensão arterial, convulsões, alucinações, pânico, incapacidade de comunicação, paranoia, além de levar o usuário a agir com violência. Existem casos, inclusive, em que o desfecho pode ser fatal.

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Afinal, de onde vêm as drogas K?

Nos anos 90, na Carolina do Sul, o químico americano John W. Huffman começou a sintetizar canabinoides, na busca de medicamentos para o alívio do sofrimento de pacientes de Aids e câncer, que acabaram por fim se tornando uma droga perigosa. Anos depois, Huffman, que não gosta de falar sobre o assunto, declarou a uma rádio da Carolina do Norte: “Você não pode ser responsabilizado pelo que idiotas (usuários) fazem”.

Para Dartiu Xavier da Silveira, psiquiatra e pesquisador da Unifesp, a maconha sintética surgiu por conta da proibição das drogas, como declarou certa vez à Folha. “Toda medida proibicionista leva a novas modalidades de uso das drogas, muitas vezes mais perigosas”, afirma. Dartiu considera a maconha natural uma droga segura. “Se você levar em conta o número de pessoas que usam maconha e os problemas decorrentes, a porcentagem é muito pequena, mesmo em comparação ao uso de drogas lícitas, como álcool e tabaco”.

No Brasil, o levantamento Global Drug Survey detectou pela primeira vez, em 2015, o uso de canabinoides sintéticos por aqui. De lá pra cá, as ocorrências de apreensão de drogas K só aumentam, assim como os casos de intoxicação. De acordo com dados do Departamento Estadual de Prevenção e Repressão ao Narcotráfico (Denarc) da Polícia Civil do Estado de São Paulo divulgados no estudo do Sisnad, “as apreensões das ‘drogas K’, somente nos primeiros quatro meses de 2023, atingiram um total de mais de 15kg, montante superior ao observado para o total do ano de 2021 e 2022 (5,7kg e 11,7kg, respectivamente)”.

Em relação à saúde, dados da Prefeitura de São Paulo apontam que, só no primeiro semestre de 2023, foram notificados 493 casos suspeitos de intoxicação por canabinoides sintéticos, um crescimento de cinco vezes com relação a todo o ano anterior (98 casos).

Mas, afinal, por que os canabinoides sintéticos são tão populares?

Sabemos que os canabinoides sintéticos não são seguros, nem legais. Então, por que são tão populares?

Primeiro, pelo preço. Enquanto, nos EUA, o preço da maconha real pode variar de estado para estado, a droga sintética custa muito menos, sendo vendida em algumas lojas como incenso, e na sombra da lei se torna um hit para as crianças e moradores de rua. Segundo, em exames toxicológicos, as drogas K não aparecem nos testes, tornando-se a primeira escolha para as pessoas que enfrentam exames frequentes, como os militares ou quem tiver sob supervisão judicial. A popularidade da droga também se dá em razão da maconha ser proibida, levando os usuários a utilizarem a fim de burlar a proibição.

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No Brasil, o Sisnad detectou diversos relatos sobre o consumo das drogas K em regiões do centro de São Paulo que concentram usuários de diversas substâncias psicoativas e que se encontram marginalizados e/ou em situação de vulnerabilidade social. Além disso, as tecnologias facilitam o comércio dessas substância ilícitas.

“Diversos grupos em aplicativos de mensagens já oferecem as drogas K, sendo as vendas feitas em papel impregnado com a droga, com preço mensurado em milímetros, inclusive com o produto podendo ser entregue em domicílio”, afirma o relatório.

Então, será que a legalização da maconha poderia evitar a propagação dos canabinoides sintéticos?

Educação, prevenção e investigação sobre a droga são naturalmente parte da solução. Mas os defensores, incluindo Huffman, o químico que inventou os compostos, acreditam que regulamentar a maconha reduziria a demanda pela droga química, citando que a maconha verdadeira é muito menos perigosa que o sintético homólogo.

De todo modo, os canabinoides sintéticos não deveriam, nem de longe, estar associados à maconha, e o risco de perder a vida não vale a brisa. Fica o alerta, informação também é redução de danos.

Artigo originalmente publicado em 21/7/2016, e atualizado em 13/7/2023. 

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