Maconha pode ser alternativa eficaz no tratamento da síndrome de Tourette

Fotografia em plano fechado que mostra uma pequena lupa, bem próxima da câmera, por onde pode-se ver os cálices repletos de tricomas e alguns pistilos brancos da inflorescência de uma planta de maconha (cannabis), que preenche o restante da imagem, ao fundo.

Pesquisadores de Connecticut, EUA, enxergam nos efeitos medicinais da maconha uma alternativa eficaz para o tratamento dos tiques da síndrome de Tourette, uma vez que os tratamentos convencionais usam antipsicóticos que causam efeitos colaterais, como o aumento do risco de diabetes. As informações são do New Haven Register, com tradução pela Smoke Buddies

Enquanto o Conselho de Médicos do programa de maconha medicinal do Departamento de Proteção ao Consumidor rejeitou a síndrome de Tourette como uma condição aprovada, pesquisadores estão estudando as propriedades da cannabis que parecem ajudar a aliviar os tiques que acompanham o transtorno, de acordo com o Dr. Michael Bloch, professor associado do Centro de Estudos da Criança da Universidade Yale e diretor assistente da Clínica Especializada em Tiques e Desordens Obsessivo-compulsivas, pertencente ao centro.

A síndrome de Tourette geralmente aparece em crianças entre 4 e 6 anos de idade, sendo dois terços meninos. Mas “cerca de metade a dois terços das crianças com Tourette melhoram na adolescência e realmente não sabemos o porquê”, disse Bloch: “Você tem movimentos involuntários ou vocalizações que normalmente mudam ao longo do tempo”.

Felizmente, os sintomas diminuem à medida que as crianças envelhecem: “Na maioria das vezes, uma vez que os tiques vão melhorar por conta própria, a principal intervenção de tratamento seria apenas tentar minimizar a deficiência”, alegou Bloch, ao abordar os problemas causados pelos tiques na escola, em casa ou com os amigos.

O bullying é um problema para crianças com Tourette: “Muitas vezes, essas crianças passam por intimidação ou zombarias porque as outras crianças não entendem”, diz Bloch. Uma criança com um tique que faz o olho girar pode ser mal interpretada como se estivesse tirando sarro do colega de classe. A Associação Americana de Síndrome de Tourette possui embaixadores juvenis locais para ajudar a ensinar aos alunos sobre o transtorno.

Evidência anedótica para a Cannabis

Mesmo que cerca de 80% dos pacientes portadores de Tourette que fumam maconha digam que a mesma reduz a gravidade de seus tiques, mais pesquisas são necessárias. A falta de estudos controlados foi a razão pela qual o Conselho de Médicos não permitiu que aqueles com Tourette comprassem maconha medicinal, de acordo com o Dr. Cyril Deepak D’Souza, membro do conselho que pesquisou a questão em 2016 e descobriu que não foram realizados testes clínicos randomizados sobre os efeitos da cannabis na síndrome de Tourette, doença de Alzheimer ou transtorno de estresse pós-traumático.

De acordo com Bloch, “fumar pode estar associado a mais efeitos colaterais potenciais em longo prazo do que a reduzi-los. É prematuro dizer que fumar maconha ajuda com os tiques “.

No entanto, testes clínicos têm demonstrado que os componentes químicos da cannabis reduzem a gravidade dos sintomas de Tourette e resultaram em um medicamento, o dronabinol. Comercializado como Marinol ou Syndros, o remédio é uma forma fabricada de tetrahidrocanabinol, ou THC, o componente da maconha que dá a “onda” aos usuários, e foi aprovado pela Food and Drug Administration (agência reguladora de alimentos e medicamentos dos EUA) para reduzir a náusea causada pela quimioterapia em adultos.

“Se você dá dronabinol a pacientes com tiques, eles apresentam reduções significativas em seus tiques em comparação com o placebo”, disse Bloch. Em um estudo em curso na Yale, os pacientes recebem dronabinol juntamente com palmitoil etanolamina, ou PEA, que é um endocanabinoide, ou seja, um canabinoide produzido no organismo, assim como o THC que, além de ser um componente ativo da maconha, também é um endocanabinoide.

“Basta adicionarmos este endocanabinoide ao dronabinol e observar se o mesmo reduzirá os efeitos colaterais do THC e, potencialmente, fará com que funcione melhor”, disse Bloch.

“Um milagre absoluto”

Jackie, uma mulher de 30 anos que pediu que seu sobrenome não fosse usado, participou desse estudo por 36 semanas: “Minha condição realmente começou quando eu tinha 18 anos, o que é muito anormal e começou principalmente com o piscar dos olhos e tosses para limpar a garganta”, disse ela. Seus sintomas só pioraram aos 20 anos, com movimentos bruscos do pescoço, que causaram danos nos nervos, e movimentos violentos do pulso.

“Eu tentei vários medicamentos, diferentes tipos de terapia e nada funcionou”, disse Jackie. Ela se submeteu a uma terapia de reversão de hábitos, na qual ela cobria os olhos quando sentia que um tique de piscar estava vindo. Ela até tentou medicamentos desenvolvidos para outras doenças na tentativa de encontrar alívio. Seu tique ocorria com a frequência de duas vezes por minuto.

“Isso afetou principalmente a minha vida social. Eu não fui para a faculdade por causa disso e fui para uma escola secundária particular nos meus últimos dois anos porque não conseguia lidar com uma sala de aula”, explica. Ela não conseguiu ir à faculdade e perdeu as formaturas da faculdade de seu irmão e irmã.

Felizmente, o regime de dronabinol com PEA funcionou para ela. Mesmo depois de completar as 36 semanas, ela continua bem e agora está “90% melhor, o que é um milagre absoluto. Nove meses atrás, não tinha nenhuma esperança “, disse ela.

Enquanto a maconha e seus componentes químicos estão sendo pesquisados, “atualmente existem pouquíssimos tratamentos para a Tourette”, disse Bloch: “Os tratamentos mais efetivos que temos para tiques são medicamentos antipsicóticos”, mas eles vêm com efeitos colaterais, como um aumento no risco de diabetes.

Bloch disse que os portadores da síndrome de Tourette podem sentir quando um tique está chegando e suprimi-lo, pelo menos por um tempo, “mas apenas à custa de um desconforto crescente”. Ele disse que o sentimento pode ser comparado com a supressão de um espirro ou a necessidade de urinar, “você pode continuar segurando, mas continua se sentindo cada vez mais desconfortável”.

Segundo o pesquisador, a imagem de uma pessoa que sofre de Tourette gritando palavras ofensivas é apenas parcialmente precisa. Conhecido como coprolalia, o tique aflige cerca de 10% dos adultos com Tourette e uma minoria significativa de crianças: “Vejo alguns desses casos, mas eles são bastante incomuns. A maioria das pessoas com Tourette tem casos muito mais leves do que isso”.

Quando atingem a idade adulta, “cerca de um terço não tem sintomas visíveis”, alegou Bloch. No outro terço, você pode se sentar com eles por uma hora ou mais e não perceber que têm o transtorno. Para alguns, o estresse ou a fadiga podem trazer mais tiques.

Cerca de metade dos portadores de Tourette também tem transtorno do déficit de atenção com hiperatividade e um terço tem transtorno obsessivo-compulsivo. “Normalmente, o TDAH começa antes dos tiques e o TOC começa em torno do tempo em que os tiques estão em sua pior fase”, de 10 a 12 anos, disse Bloch.

Fotografia de capa: Rafael Rocha | Smoke Buddies

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