Maconha nas universidades: veja como a erva ‘foi parar’ nas instituições de ensino

Fotografia que mostra o bud apical de um pé de cannabis, com pistilos e folhas em tons de rosa por conta da iluminação, e, ao fundo, desfocado, a mão de uma pessoa e diversas outras plantas de maconha. Foto: Paciente de maconha medicinal | Smoke Buddies.

Para atacar as universidades federais, Abraham Weintraub, atual ministro da Educação do governo Bolsonaro, afirma que as instituições escondem “plantações extensivas” de maconha. Mas, como sabemos, não é bem assim. Selecionamos alguns artigos que mostram, na real, como a maconha e seus derivados foram parar nas universidades em 2019

Quando criticamos o atual, ou qualquer, governo não é uma questão de posicionamento político editorial da Smoke Buddies. É que, como um hábito, é impossível deixar passar certas declarações esdrúxulas e mentirosas, como a de Abraham Weintraub, o atual Ministro da Educação. Confira abaixo:

“Foi criada uma falácia que as universidades federais precisam ter autonomia. Justo, autonomia de pesquisa, ensino. Só que essa autonomia acabou se transfigurando em soberania. Então, o que você tem? Você tem plantações de maconha, mas não são três pés de maconha, são plantações extensivas em algumas universidades, a ponto de ter borrifador de agrotóxico, porque orgânico é bom contra a soja, para não ter agroindústria no Brasil, mas na maconha deles eles querem toda a tecnologia que tem à disposição, afirmou Weintraub, em entrevista ao site de extrema direita do Jornal da Cidade Online.

 

 

Colocando as universidades como “madrastas da doutrinação”, com plantações extensivas de maconha e laboratórios de metanfetamina, Weintraub não perde a oportunidade de ficar calado — como suas mais recentes ações demonstram. Primeiro, disse que “traficantes encontram refúgios nas universidades”, segundo o jornal O Globo. Depois, fez o deputado federal Marcelo Freixo deixar uma comissão ao exibir uma reportagem, de 2017, que mostra uma plantação de maconha na UnB, como mostra reportagem do R7.

Porém, e por mais que o ministro insista no equívoco, o fato é que muitos pesquisadores brasileiros agradeceriam se tivessem, à disposição, vastos cultivos de cannabis, de onde surgiria material para a ampliação de pesquisas na área. Mas, como sabemos, não é bem assim. Confira a seguir como os temas “maconha” e “universidade” se cruzaram no nosso registro cotidiano ao longo deste ano.

MACONHA NO CURRÍCULO: UMA REALIDADE

Pode até parecer uma viagem ter na grade curricular uma disciplina que promete criar especialistas no setor da maconha, um segmento que se expande rapidamente pelo mundo todo, mas isso já é realidade.

Só no Canadá, a faculdade de Durham, em Ontário, e as universidades Politécnica Kwantlen, em Vancouver, e McGill, em Montreal, oferecem cursos e graduação de produção de cannabis, consultoria comercial, entre outros, ofertando aos estudantes acesso a estufas e laboratórios.

“O novo foco das faculdades em cannabis pode parecer ousado, mas o estudo do cultivo da maconha exige um amplo conhecimento científico”, disse Anja Geitmann, reitora da Faculdade McGill de Agricultura e Ciências do Meio Ambiente, no Canadá.

Nos Estados Unidos, onde novos cursos superiores sobre a maconha brotam a todo momento, estes não se limitam ao cultivo, manipulação e pesquisas científicas. Vão além, ensinando também como comunicar sobre cannabis. Como foi o caso que noticiamos da Universidade do Novo México, que oferece um curso sobre Cannabis e Comunicação.

 

Universidade nos EUA oferece aula sobre maconha com enfoque na mídia

Em Nova Jersey, a Willian Paterson University estabeleceu um Instituto da Cannabis, composto de professores e funcionários, para fornecer informações científicas e econômicas sobre maconha, opioides e outras drogas, de acordo com a escola. A Stockton University lançou seu programa de maconha medicinal, com os estudantes participando de um curso de leis sobre a maconha, tornando-se uma das primeiras instituições do Estado a adotar a maconha. A Rutgers University oferece aos estudantes um curso de maconha medicinal e provavelmente ampliará suas ofertas se o estado legalizar a maconha.

Universidades de Nova Jersey entram para a indústria da maconha

Leia também – Mestrado em maconha: Universidade nos EUA terá curso sobre cannabis medicinal

PÓS-GRADUAÇÃO EM MACONHA

Em Portugal, médicos, farmacêuticos e engenheiros bioquímicos fazem parte de um grupo de 25 alunos que iniciaram em setembro a primeira pós-graduação em boas práticas de produção aplicadas à cannabis medicinal, no Laboratório Militar, em Lisboa.

Portugal tem sua primeira pós-graduação em cannabis medicinal

A formação resulta de uma iniciativa conjunta do Observatório Português de Cannabis Medicinal (OPCM), do Laboratório Militar de Produtos Químicos e Farmacêuticos e da Faculdade de Farmácia da Universidade de Lisboa (FFUL), em parceria com a Associação para o Desenvolvimento do Ensino e Investigação em Microbiologia, adiantou o observatório em comunicado.

E NO BRASIL, TEMOS MACONHA NAS UNIVERSIDADES ?

De cara, podemos dizer que SIM! Entretanto, de uma maneira diferente do que acredita e declara o ministro da Educação. A maconha está presente nas universidades brasileiras não por extensivos cultivos, mas através de produtos à base de cannabis, para fins de pesquisas e estudos clínicos, em animais e pessoas.

Como é o caso da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP), da USP, que busca voluntários que tenham sofrido algum trauma, como abuso físico, sexual, assalto, sequestro, acidente de trânsito ou de trabalho etc, para participar de pesquisa que avalia o efeito do canabidiol na memória de pessoas com Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT). Desde 2018, reforçando em 2019, foram várias convocações de voluntários para testar os benefícios e efeitos terapêuticos da planta.

USP de Ribeirão Preto ainda busca voluntários que tenham passado por trauma

Faculdade de Medicina da USP busca voluntários para teste com maconha

Tal como a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, a Universidade Federal de São Carlos, no interior paulista, realizou busca por voluntários que desenvolveram o Transtorno de Estresse Pós-Traumático (TEPT) para estudar e avaliar o efeito do canabidiol na memória do trauma.

Universidade Federal de São Carlos busca voluntários com estresse pós-traumático

Em João Pessoa, a Universidade Federal da Paraíba abriu inscrições para os interessados em participar da pesquisa científica “Avaliação do uso do canabidiol como adjuvante terapêutico em crianças com o Transtorno do Espectro Autista”.

UFPB busca crianças voluntárias com autismo para pesquisa científica com canabidiol

Na Universidade de Brasília (UnB), há quatro anos, Andrea Gallassi, professora do curso de terapia ocupacional, buscou formas de levar adiante sua pesquisa com usuários de crack, usando como medicamento a ser testado o canabidiol (CBD). Gallassi submeteu seu projeto de pesquisa a um longo caminho burocrático até receber o sinal verde da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importar a substância.

O objetivo é descobrir se o CBD é mais eficaz que o tratamento padrão para acabar, ou, pelo menos, diminuir o vício em crack.

UnB busca voluntários para pesquisa com CBD para tratamento ao vício em crack

E caso pareça que nas universidades brasileiras só são realizados estudos e pesquisas clínicas, mostramos que o assunto dentro das instituições vai um pouco além, como no Instituto do Cérebro (ICe), da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (UFRN), que promoveu seu segundo curso sobre cannabis medicinal, em maio, em Natal. O primeiro aconteceu em dezembro de 2018.

Instituto do Cérebro da UFRN promove segundo curso sobre cannabis medicinal

Já na Paraíba, o Conselho Superior de Ensino, Pesquisa e Extensão (Consepe) da UFPB aprovou de maneira unânime a criação da disciplina que trata do uso medicinal da maconha para os alunos dos cursos de medicina, biomedicina e farmácia. De acordo com a professora doutora Katy Lísias Gondim Dias de Albuquerque, criadora da disciplina, a UFPB é a primeira universidade federal do Brasil a tratar o tema nos três cursos.

Alunos de medicina, biomedicina e farmácia da UFPB terão disciplina sobre cannabis

No entanto, ter uma disciplina específica para estudar os efeitos terapêuticos da maconha não é uma novidade em si. O curso de medicina veterinária da Universidade Federal de Santa Catarina tem uma disciplina de endocanabinologia, ministrada pelo professor Erik Amazonas.

Há dois semestres lecionando a disciplina de endocanabinologia no curso de Medicina Veterinária da UFSC, Erik falou sobre os mais recentes estudos na área.

Professor da UFSC pede apoio do CRMV ao uso veterinário da cannabis

QUEM DERA SE FOSSE COMO O MINISTRO DIZ

A maconha nas universidades não chega às margens do que crê Weintraub. Em 2017, noticiamos por aqui que a Universidade Federal de São João Del Rei – UFSJ, em Divinópolis (MG), tornou-se a primeira instituição de ensino no país que se propôs a estudar os benefícios da maconha em tratamentos médicos.

No laboratórios do Campus de Divinópolis, com autorização cedida pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária e com sementes de maconha doadas pelo delegado regional da Polícia Civil, mediante autorização judicial, desde 2018, estão sendo desenvolvidos o cultivo in vitro e a produção e análise da Cannabis e seus derivados. A falta de recursos do governo Estadual e Federal, entretanto, pode interromper o projeto.

Para adquirir os equipamentos e os insumos, muitos deles importados, e evitar a interrupção e perda de valiosos resultados, os pesquisadores da universidade mineira apelaram para uma plataforma online de arrecadação de recursos e organizaram uma campanha de crowdfunding por meio do site Vakinha, com objetivo de R$ 40.000,00, arrecadando apenas R$ 1.455,00.

UFSJ cria crowdfunding para custear pesquisa com cannabis

Graças ao corte de verbas das universidades públicas, inclusive, uma pesquisa promissora foi paralisada. Um grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP) conseguiu combater os sintomas do Alzheimer usando um composto canabinoide (derivado da maconha). Os testes apresentaram bons resultados em ratos em que houve a simulação dos estágios iniciais da doença. Os resultados foram publicados na revista científica Neurotoxicity Research.

Corte de verbas das universidades públicas paralisa pesquisa promissora contra Alzheimer

Apesar do sucesso dos primeiros resultados, o corte de recursos das universidades públicas feito pelo governo de Jair Bolsonaro (PSL) está atrasando e dificultando a pesquisa.

RESULTADO

Independente do que Abraham Weintraub, que tem mais atitude de comediante de stand-up falido do que ministro da Educação, pense e diga da maconha, seus usos e benefícios terapêuticos já são uma realidade da sociedade brasileira.

Mais estudos, ensaios e pesquisas clínicas são necessárias para identificar como os canabinoides podem influenciar na saúde e bem-estar dos brasileiros. Não fosse graças à coragem de pesquisadores, como os da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto, da USP, que concluíram que o canabidiol (CBD) contribui para diminuir a agressividade induzida pelo isolamento social, não veríamos conhecimento empírico sobre a maconha sendo criado e fomentado por aqui.

Estudo da USP conclui que CBD reduz agressividade

Outro exemplo é o estudo do Hospital Sírio Libanês e da Faculdade de Ciências Médicas da Santa Casa de São Paulo, que mostra o alívio de diversas condições clínicas em pacientes com câncer, com o uso da maconha medicinal. Os pacientes apresentaram respostas clínicas e de imagem satisfatórias em avaliações periódicas, com aspectos não comumente observados em pacientes tratados apenas com modalidades convencionais.

Maconha pode ajudar várias condições em pacientes com câncer, diz estudo brasileiro

VAI TER MACONHA, SIM!

Diante os avanços da maconha pelo mundo, besteira é crer que não teremos estudos e pesquisas sobre a planta. É essencial que se realizem mais estudos como o da Universidade Federal de Viçosa (UFV), em que pesquisadores irão estudar as variedades da cannabis medicinal para conhecer as condições ideais para o cultivo e, em breve, produzir plantas melhoradas geneticamente para produzirem maior quantidade de canabidiol. A substância é usada na fabricação de remédios anticonvulsivantes, sedativos e analgésicos para pacientes portadores de síndromes raras e de doenças de difícil tratamento com terapias tradicionais.

Universidade Federal de Viçosa (MG) fará estudo agronômico e genético da cannabis

 

Por fim, e pelos indicativos, a maconha continuará na grade curricular, se não “nas extensas plantações”, e não será privilégio apenas das universidades públicas. Recentemente, a Universidade Estácio anunciou que promoverá um curso voltado para profissionais interessados em saber mais sobre o componente, quando e como prescrevê-lo. As poucas vagas para a edição do curso foram esgotadas rapidamente e uma fila de espera já se formou, para novos módulos.

Universidade Estácio promoverá curso sobre canabidiol para profissionais da saúde

Cabe esperar, para 2020, como será a reação do nosso midiático ministro da Educação quando perceber que mais instituições de ensino adicionarão cursos sobre maconha em sua grade curricular. Estamos de olho, Weintraub!

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) em plano fechado que mostra o topo de um bud de cannabis em cultivo, com pistilos e folhas em tons de rosa por conta da iluminação, e, ao fundo desfocado, a mão de uma pessoa e diversas outras plantas de maconha. Foto: Smoke Buddies | Cultivo de um paciente com salvo-conduto.

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Sobre Dave Coutinho

Carioca, Maconheiro, Ativista na Luta pela Legalização da Maconha e outras causas. CEO "faz-tudo" e Co-fundador da Smoke Buddies, um projeto que começou em 2011 e para o qual, desde então, tenho me dedicado exclusivamente.
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