Maconha medicinal vira bandeira de candidatas que tratam filhos com óleo artesanal

Fotografia que mostra Nayara Mazini e sua filha Letícia, ambas sorridentes, próximas a um pé de maconha em estágio vegetativo, em uma área com várias outras plantas. Imagem: acervo pessoal.

Outras candidaturas de mulheres a favor da legalização do cultivo da planta e do uso adulto também ganharam espaço no PSOL. Saiba mais na reportagem de Daniel Biasetto para a Época

A luta pela legalização do plantio de cannabis para tratamento terapêutico de pessoas com transtornos e necessidades especiais virou bandeira de candidaturas de mães que encontraram no óleo extraído da planta da maconha uma esperança na recuperação de seus filhos. Duas delas, Nayara Mazini, candidata a prefeita em Marília (SP), e Bruna Fernanda, que disputa uma vaga de vereadora na Câmara Municipal do Rio, ambas pelo PSOL, já representam em suas cidades associações que auxiliam famílias a terem acesso à prescrição, medicamento  e acompanhamento multidisciplinar de saúde, além de orientação jurídica.

Embora decisões sobre tratamentos terapêuticos na rede de saúde pública, assim como a descriminalização das drogas, não sejam atribuições de quem se torna prefeito ou vereador, Nayara e Bruna se apoiam nas centenas de casos de tratamento bem-sucedidos com uso do óleo artesanal da cannabis pelo país para discutir, nas eleições, como o município pode ajudar a viabilizar o acesso ao medicamento que, para além do preconceito, tem um custo alto de importação, sem falar na burocracia para retirá-lo no aeroporto.

O Poder Público, principalmente o Executivo, pode fortalecer as iniciativas coletivas com a questão de espaço, de estrutura, de capacitação dos médicos da atenção básica e das especialidades para que a população que utiliza o SUS possa ter acesso ao tratamento, que hoje só quem tem dinheiro consegue fazer. A maioria das pessoas não tem  como pagar um médico particular, importar ou mesmo comprar o medicamento na farmácia — afirma Nayara, que pretende incorporar o tratamento na rede municipal caso seja eleita.

Não é demais pensar em implementar conceitos de “farmácia viva” nas práticas integrativas do SUS. Temos uma grande chance de conhecer melhor os medicamentos fitoterápicos e as mais variadas propriedades medicinais das plantas. O que eu visualizo na minha gestão é essa ampliação do acesso ao tratamento — diz a enfermeira de 38 anos que se especializou em políticas públicas de saúde mental.

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Oportunidade de viver

Nayara recorreu ao uso terapêutico da cannabis depois que sua filha Letícia, então com 4 anos, desenvolveu a síndrome de Lennox-Gastaut, tipo raro de epilepsia na infância caracterizado por sucessivas convulsões ao longo de um dia, e chegou a ser desenganada por uma médica de São Paulo.

— Ela pediu para eu me preparar que as coisas não seriam fáceis, que ela iria perdendo as funções até não ter mais a possibilidade de viver. E foi nesse desespero que a cannabis apareceu na vida da “Lelê”. A minha filha que vivia internada por problemas de imunidade em UTIs e tomava antibiótico contínuo, voltou a andar. Depois da cannabis eu nunca mais dei antibiótico para Letícia, nunca mais ela internou por pneumonia. Hoje, aos  7 anos, ela voltou a ter uma vida de criança mesmo, de brincar, retornou para escola — conta Nayara, que depois da evolução de sua filha decidiu fundar  uma associação com objetivo de ajudar outras famílias com casos semelhantes ao seu.

— A qualidade de vida que ela tem hoje graças à cannabis é incrível. Então, não tem como a gente ver esses resultados e não desejar que outras crianças que passem por essa mesma situação, ou mesmo outras pessoas que sofram de doenças que respondem a essa terapêutica, não tenham acesso ou sequer conhecimento de que existe essa possibilidade — afirma Nayara.

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Habeas corpus inédito

Assim como Nayara, a estudante de farmácia Bruna Fernanda, de 37 anos, também traz para sua campanha de vereadora do Rio a defesa da legalização do plantio da cannabis. Recentemente, Bruna se tornou a primeira pessoa no país a conseguir um habeas corpus, sem a presença de um advogado, para manter o cultivo de 30 pés de maconha em casa, quantidade que julga suficiente para extrair o óleo das plantas que dão, além de uma vida digna, simples noites de sono aos filhos Mateus, de 10 anos;  Rebeca, de 5 anos; e Isaque, de 3 anos, todos diagnosticados com um  grau severo de autismo.

Como plataforma de campanha, Bruna defende uma lei de incentivo fiscal  às associações que tratam pacientes com uso do óleo artesanal e a legalização da cannabis no município do Rio de Janeiro.

— As flores que salvam meus filhos e tantos pacientes em diversos países não podem mais encarcerar pobres ou ainda desencadear a violência que leva à morte os filhos de outras mães. A legalização da cannabis hoje é extremamente necessária — afirma Bruna, que também tem entre suas propostas o melhor acolhimento de crianças autistas na rede municipal escolar.

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Liberdade da planta

Também pelo PSOL, em Feira de Santana, na Bahia, a candidata a prefeita Marcela Prest, de 33 anos, defende entre suas propostas maior integração dos tratamentos terapêuticos na rede municipal de saúde, incluindo a cannabis medicinal. Marcela, que também é a favor da legalização da maconha para uso recreativo (adulto), afirma que sua candidatura é “coletiva” e traz à tona uma nova concepção de política, não centrada só na disputa pelo voto, mas também para marcar uma postura política.

— Sabemos que as eleições municipais, o município, não têm competência  para definir e regulamentar a política de drogas e a política específica da regulamentação do uso da maconha para fins terapêuticos, mas também sabemos que há benefícios comprovados cientificamente do uso do canabidiol (substância extraída do óleo da maconha) em doenças neurológicas e de cognição — afirma, acrescentando que é importante discutir a questão na disputa eleitoral:

— É importante a gente dizer que não só defende o uso terapêutico da maconha, mas também a liberdade da planta. Isso é fundamental nesse debate porque precisamos pensar que existe uma centralidade na medicina canábica, mas é preciso pensar também a legalização e a regulamentação do uso recreativo, já que isso tem a ver com a vida das pessoas, tem a ver com quem vive e com quem morre — afirma.

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“Candidaturas irmãs”

Atuante em vários coletivos que defendem a legalização e uso terapêutico da maconha, a jornalista Ingryd Rodrigues, de 28 anos, disputa uma vaga na Câmara Municipal de Pedro Leopoldo (MG) com o apoio do que chama de “candidaturas irmãs”. Vice-presidente do PSOL local, ela conta que se aproximou de candidatos a vereador de Belo Horizonte e de outros municípios mineiros, inclusive de outros partidos de esquerda, identificados com a causa.

— A minha cidade é extremamente conservadora e os vereadores vão se repetindo, agradando os nichos de sempre, como se fosse a profissão deles. Então emprego, saúde e educação ficaram ao deus-dará nas últimas eleições. A gente quis tentar essa vaga para ajudar a fazer as coisas acontecerem de verdade aqui em Pedro Leopoldo. Para isso, as “candidaturas irmãs” idealizadas pelo Jorge Gabriel de Belo Horizonte (candidato a vereador pelo PT) estão se mobilizando nesse sentindo. Trocamos experiências e ideias, uma vez que somos todos candidatos antiproibicionistas e negros da periferia.

Ingryd faz uso do óleo artesanal para tratar ansiedade, assim como o pai que faz tratamento contra dores crônicas. Ela também criou o projeto “Comunicannábicos” que divulga informação sobre o uso da cannabis, realiza cursos e presta consultoria.

A pauta da regulamentação vem justamente para cuidar disso, ela não vem para aumentar o uso e todo mundo ficar “doidão”. A regulamentação vem para nós discutirmos formas mais coerentes e inteligentes de lidar com a situação — diz Ingryd, que atua em uma associação como acolhedora e auxilia no acompanhamento de pacientes que fazem uso da terapia.

Procurado, o PSOL afirmou não saber quantas candidaturas relacionadas à legalização do plantio de maconha com fins medicinais ou para uso recreativo há em todo o país, mas que “discute a questão antiproibicionista e, de fato, há muitas candidaturas que são de ativistas da descriminalização da maconha, além dessas que defendem um uso específico”.

O partido diz ainda que esse não é um tema que possa ser tratado pelas câmaras municipais, “mas é um debate social relevante que ganha luz no período eleitoral e que se conecta com as pautas de saúde e segurança, que são municipais”.

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#PraCegoVer: fotografia (de capa) que mostra Nayara Mazini e sua filha Letícia, ambas sorridentes, próximas a um pé de maconha em estágio vegetativo, em uma área com várias outras plantas. Imagem: acervo pessoal.

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