Maconha medicinal no Brasil? Vitórias judiciais e pesquisa de remédio nacional aumentam esperança de pacientes

Drágeas transparentes com uma substância de cor verde em seu interior ao lado de uma flor de maconha.

Sabemos que ainda não é o cenário ideal, mas certamente a vida de pacientes da maconha medicinal no Brasil mudou muito com os avanços nas leis relacionadas aos medicamentos a base da erva e até mesmo ao cultivo da planta para fins medicinais. Entenda um pouco dessa atual realidade no artigo especial da UOL.

O primeiro remédio à base de maconha aprovado no Brasil deve chegar às farmácias a partir de junho. A Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) aprovou na última semana o registro do Mevatyl, usado para sintomas da esclerose múltipla. Na sua composição há o tetrahidrocanabinol (THC) e o canabidiol (CBD) –substâncias que já estiveram na lista de proibição da agência.

A liberação do medicamento vem na esteira de decisões judiciais que permitem a pelo menos três famílias plantar maconha sem risco de serem presas por isso. Esses avanços no uso da maconha medicinal podem preceder o desenvolvimento de um remédio nacional, objetivo do projeto Fio-Cannabis, da Fiocruz.

Pesquisas em universidades como Unifesp, berço da Maconhabrás, e UFRJ já estudam os extratos da maconha, apesar da dificuldade de conseguir a matéria-prima ilegal no país.

O Fio-Cannabis, no entanto, vai além e pretende desenvolver um medicamento nacional. Para isso, uma parceria com o projeto da UFRJ, que analisa a composição dos extratos de maconha importados ou produzidos clandestinamente no Brasil, servirá de banco de informações sobre combinações já usadas por pacientes.

Os primeiros exames clínicos, feitos pela parceria, vão focar pacientes de epilepsia.

“Quando você presencia uma criança com convulsões e vê a melhora dela depois de tomar o remédio, é algo muito impactante”.
Virgínia Carvalho, pesquisadora em Toxicologia da UFRJ

Maconha no quintal

Para ativistas e pacientes destes medicamentos, a extração caseira de canabidiol (CBD) ou de tetrahidrocanabinol (THC) é, de fato, um caminho a se seguir no tratamento de doenças como epilepsia e esclerose múltipla.

Nos últimos meses, três famílias, duas do Rio de Janeiro e uma de São Paulo, obtiveram habeas corpus preventivos para plantar maconha em casa sem que corram o risco de serem presas.

O próximo passo, para ativistas, é a conquista de decisões que permitam o plantio coletivo por famílias de pacientes. A associação Abrace, que cultiva maconha e distribui entre associados, já entrou com uma ação pedindo que a Justiça obrigue a União a reconhecer a legalidade de sua atividade.

Proibição é hipocrisia

O primeiro habeas corpus preventivo conseguido por uma família para o plantio foi o de Margarete Brito, presidente da Associação de Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal.

Margarete é uma figura central na luta pelo acesso por medicamentos à base de Cannabis sativa no Brasil. Mãe de Sofia, que tem a síndrome CDKL5, que provoca convulsões sucessivas, ela desafiou a Justiça em outubro de 2013 ao importar ilegalmente o canabidiol para o tratamento de sua filha, na época com cinco anos.

Em novembro de 2016, a advogada obteve respaldo judicial para cultivar maconha com fins medicinais em seu apartamento na Urca, bairro da zona sul do Rio. Sofia tem menos da metade das convulsões desde que passou a usar o medicamento, conta a mãe, resultado que nunca tinha sido alcançado com os remédios disponíveis no mercado.

Sua luta pessoal pela legalização do canabidiol e do THC tornou-se ativismo e hoje ela lidera uma associação que reúne cerca de cem famílias de pacientes, em sua maioria, de epilepsia.

“Pelo fato de o acesso [à maconha medicinal] não ser justo e democrático, muitos pacientes têm que recorrer à boca de fumo. Têm que recorrer a maconha de péssima qualidade, com mofo. Eles já estão em um estado de vulnerabilidade por conta da doença e o Estado os coloca em uma ainda maior situação de risco. Se essa proibição [da maconha no Brasil] tem nome, é hipocrisia.”

Justiça como caminho ao acesso à maconha medicinal

Desde 2014, quando foi lançado o documentário “Ilegal” –sobre famílias brasileiras em busca de maconha medicinal–, cinco projetos de lei sobre a regulamentação da planta, incluindo seu uso terapêutico, foram propostos no Congresso –três na Câmara e dois no Senado.

Enquanto deputados e senadores não alteram as leis do país, ações judiciais garantem o acesso de pacientes aos medicamentos com THC e CBD.

Só em 2015, o Ministério da Saúde foi obrigado a importar canabidiol para cumprir 11 mandados de segurança que beneficiaram 13 pessoas –gastando R$ 462 mil.

Além disso, nos últimos três anos, foram autorizados pela Anvisa 2.053 pedidos de importação de produtos à base de canabidiol e THC.

Judiciário pode descriminalizar?

Guardião de direitos fundamentais

“O Judiciário é o guardião dos direitos quando eles não são garantido pelo Executivo ou Legislativo”. A afirmação é do professor de direito constitucional da FGV-SP Roberto Dias. Para o advogado, o que sobra para os usuários e paciente, afirma Dias, é “o Judiciário, que atua como uma proteção de um direito fundamental de uma minoria”. As conquistas recentes, para o advogado, abrem o caminho para a mudança, “primeiro individualmente, mas depois na política como um todo”.

Decisões são populismo judiciário

Já o ex-ministro do STF Carlos Velloso não vê com bons olhos o que ele chama de “populismo judiciário”. “Não se pode levantar a bandeira do charlatanismo”, afirma Velloso, ao comentar o recente movimento dos ativistas de perpetrar habeas corpus preventivos para “legalizar” o plantio e o cultivo da maconha medicinal. “Os juízes devem ter uma posição cautelosa. Quem descriminaliza é o Congresso. Quem legisla é o Congresso Nacional”, afirma.

Associações cultivam, distribuem e dão apoio jurídico

Enquanto a maconha medicinal segue ilegal no Brasil, associações se unem para dar apoio jurídico a pacientes entrarem na Justiça, ensinam a cultivar e até distribuem a planta para os extratos medicinais.

No dia 19, a Associação Brasileira de Apoio Cannabis Esperança entrou com uma ação pedindo que a Justiça obrigue a Anvisa e a União a reconhecerem a legalidade do plantio coletivo de maconha e da extração do canabidiol e do THC feito pela associação para distribuir entre seus 151 associados.

“Após o deferimento da liminar, caso ocorra, a Associação terá segurança jurídica para continuar ajudando seus associados, na grande maioria crianças, com o encaminhamento do óleo”, explica o advogado Yvson Cavalcanti de Vasconcelos.

A AbraCannabis é outro grupo que ajuda pacientes a conseguir ordens judiciais para seu uso e, agora, pretende conseguir na Justiça o direito de plantar a erva.

Para William Lantelme, fundandor do Growroom, grupo que atua em defesa dos direitos dos usuários de maconha, “a luta é para que as pessoas possam fazer esse remédio e não tenham que importar um medicamento que é caríssimo. Para que elas possam fazer esse remédio de uma forma barata”.

Fonte de infográficos: Virgínia Carvalho, pesquisadora da UFRJ; Apepi (Apoio à Pesquisa e Pacientes de Cannabis Medicinal); Maconhabrás, da Unifesp; e Anvisa.

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