Maconha legal no Uruguai não aumentou o consumo, mostra estudo

Fotografia que mostra as mãos de uma pessoa segurando as extremidades de uma seda com buds de maconha dichavados.

Outra investigação conclui ainda que eram infundados os temores dos gerentes de farmácias, que achavam que seriam assaltados por causa da maconha. As informações são do jornal La Diaria, com tradução pela Smoke Buddies

Uruguai e Canadá são os únicos países que legalizaram o consumo, produção e venda de maconha para adultos, e essa é razão suficiente para que os acadêmicos uruguaios e estrangeiros coloquem os países na mira, para conhecer os impactos da regulamentação.

Recentemente, a Junta Nacional de Drogas do Uruguai, JND, apresentou os resultados da VIII Enquete Nacional sobre Consumo de Drogas em Estudantes do Ensino Médio, onde mostra que o consumo de maconha entre os estudantes não aumentou, entre os anos de 2016 e 2018. Junto a esses resultados, foram apresentadas duas investigações que buscaram medir o impacto da política de drogas atual a curto prazo e o que foi gerado com a venda de maconha nas farmácias.

Impacto no Consumo

Sob o título “Efeitos a curto prazo da lei que regula o mercado de maconha no Uruguai”, a investigação é de Magdalena Cerdá, professora e membro do Departamento de Saúde Populacional da Universidade de Nova York e diretora do Centro de Epidemiologia e Políticas Públicas Relacionadas a Opiáceos e Ópio. Cerdá comentou que, depois do álcool e do tabaco, a maconha é a substância mais consumida no mundo, cerca de 3,8% dizem que a consumiram no último ano, ou seja, 188 milhões de pessoas, e que em vários países seu uso e potência são maiores.

Recordando que a maconha não é uma droga que está associada a maiores problemas de saúde pública, o uso precoce e frequente apresenta um risco maior na aparição de transtornos psiquiátricos, como esquizofrenia, problemas respiratórios, afetando negativamente o rendimento acadêmico e profissional, podendo acarretar acidentes de trânsito.

Cerdá se propôs a avaliar as mudanças nas percepções de risco e disponibilidade da maconha, e a prevalência, frequência e intensidade do consumo. Para saber se as mudanças no consumo de maconha se deram apenas pela aplicação da lei, resolveu comparar a evolução do consumo no Uruguai com Argentina e Chile, dois países na região que não tiveram mudanças em suas legislações.

A pesquisadora afirmou que na população em geral, de 15 a 64 anos, a prevalência de consumo no último ano e no último mês depois de implementada a lei no Uruguai teve “um leve aumento” (4,7% e 2,7% respectivamente), mas sustentou que “nenhuma destas mudanças foi estatisticamente diferente de zero, ou seja, não foi diferente do que se poderia esperar por razões de variação aleatória, não houve maior aumento no consumo no Uruguai que possa ser atribuído à lei”.

Em relação à população de 15 a 25 anos, especificamente, também identificou um ligeiro aumento no país em comparação com o que ocorreu nas regiões da Argentina e Chile, mas “não é uma variação maior do que se esperaria por razões randômicas” e o mesmo foi identificado no grupo de pessoas acima de 26 anos. Magdalena também não encontrou aumento nos sintomas de dependência.

Concentrada na população escolar, de 13 a 17 anos, e devido à disponibilidade de dados, a comparação foi feita apenas com o Chile. Cerdá também não encontrou mudanças significativas na percepção de risco de uso frequente, na facilidade de acesso, na prevalência de consumo anual e mensal. “A aprovação da lei não levou a um aumento no uso da maconha entre os alunos do ensino médio”, reafirmou.

Dado que a legalização do uso da maconha é para pessoas com mais de 18 anos de idade, para medir o impacto da lei, Cerdá procurou avaliar como havia variado o uso entre menores e maiores de 18 anos. “Se a lei tivesse efeito, haveria um aumento entre os maiores porque eles têm uma via legal de acesso”, afirmou.

As variáveis usadas foi comparar o uso arriscado da maconha (para isso se apoia em uma escala que avalia se a pessoa fumou antes do meio-dia, se fumou só, se têm problemas de memória ao fumar maconha, se a família ou os amigos já falaram que deveria reduzir o uso, se já tentou reduzir sem êxito, se tem tido problemas associados ao uso, como brigas, acidentes ou baixo rendimento escolar), e o uso intenso, que se aplica no caso do consumidor usar durante dez dias ou mais no último mês.

Leia: O que mudou no mercado de drogas no Uruguai após a legalização da maconha?

“Depois de 2014, houve um aumento no uso de risco nos maiores de 18 anos no Uruguai” e a diferença entre o consumo de menores e maiores de 18 anos cresceu, e aumentou mais em comparação ao Chile, o que indica que “o aumento no consumo de risco foi focado nos maiores de idade no Uruguai”, disse ela. E algo semelhante foi observado para o consumo intenso: possivelmente, houve um aumento no uso intenso, já que agora a população tem vias legais de acesso, disse ela.

Como conclusão, Cerdá observou que esses são os dados preliminares, desde que as farmácias começaram a vender maconha em 2017 e a medida que fizeram começou em 2018, por isso é necessário medir o impacto com maior tempo. De qualquer forma, ela comentou que “a regulamentação do mercado de maconha parece ter efeitos limitados sobre o consumo, ou seja, que no nível da população não vimos um aumento no consumo de risco e intenso em adolescentes com 18 anos ou mais, mas isso deve ser contrastado com a boa notícia de que entre os estudantes que não têm acesso legal, não houve aumento de consumo problemático”.

Impacto da Opinião

Rosario Queirolo, professor do Departamento de Ciências Sociais da Universidade Católica do Uruguai, dedicou-se a estudar o impacto da lei através da venda de maconha em farmácias, a rota mais visível (em parte devido às linhas formadas pela oferta baixa), uma vez que os clubes de cannabis não são anunciados e o caminho do autocultivo também não. Ele informou que, em janeiro de 2020, havia 17 farmácias que comercializavam maconha, localizadas em dez departamentos (sete em Montevidéu, dois em Maldonado e uma em Artigas, Flores, Lavalleja, Paysandú, Salto, São José, Soriano e Treinta e Tres, respectivamente). A cobertura territorial é baixa, disse ele, o número de pessoas registradas para comprar em farmácias passou de 9.221, quando começou a vender, para 39.423 em janeiro de 2020.

A equipe de Queirolo entrevistou vizinhos, proprietários ou gerentes de farmácias que venderiam e os que não pretendiam vender maconha em junho de 2017 — um mês antes do início da venda nas farmácias — e retornou a entrevistá-los novamente em agosto de 2018. No total, entraram em contato com eles 1.298 vizinhos e 119 profissionais ligados às farmácias.

Queirolo disse que antes de iniciar a venda, os gerentes de farmácia lidavam com argumentos muito diferentes, alguns disseram que não venderiam porque tinham medo de problemas de segurança ou não viam lucratividade (alguns preferiam não vender porque não sabiam se seria bem recebido pelas pessoas) ou por preconceito. “Em alguns casos, esses preconceitos sobre os usuários também estavam ligados a questões de segurança, como dizendo ‘Fique sabendo que quando não houver maconha, colocarão fogo na farmácia'”, disse ele.

Em agosto de 2017, após a ameaça do sistema bancário de isolar farmácias que vendiam maconha, alguns pararam de vender, mas outras farmácias entraram no negócio. No total, os pesquisadores entrevistaram gerentes de 20 farmácias que vendiam maconha. Em 2018, 16 deles disseram não ter problemas com a distribuição, 14 disseram que não receberam reclamações de vizinhos ou clientes por vender maconha, e alguns que o fizeram foram por “vender uma ‘droga'”, disse Queirolo. Para a maioria dos gerentes de farmácia, não apenas os medos sobre a insegurança foram deixados para trás, mas também alguns estereótipos: 12 responderam que achavam que os usuários de maconha eram “muito ou algo parecido com eles mesmos, que são pessoas comuns”, disse o pesquisador.

Com relação à percepção de insegurança, o estudo constatou que tanto os vizinhos das farmácias que vendem maconha quanto os das que não vendem identificaram entre 2017 e 2018 um aumento no distúrbio social, mas que “os vizinhos das farmácias que vendem descobriram que há menos desordem social do que os vizinhos de farmácias que não vendem”. Além disso, constatou-se que os residentes próximos às farmácias que vendem maconha “percebem que a lei tem um impacto maior na redução do tráfico de drogas” porque eles fazem fila para comprá-la e assumem que “em certo sentido, terá retirado um pedaço do mercado do tráfico de drogas”. Como Cerdá, Queirolo destacou a importância de continuar monitorando o impacto dessa política.

Comparando com a regulamentação nos EUA

Proibir e aumentar as sanções ou a liberalização absoluta são os dois extremos de uma gama de opções quando se pensa na regulamentação do uso da maconha, e no meio estão as diferentes estratégias adotadas pelos países, o que implica um maior ou menor impacto estatal e comercial.

Cerdá comparou a regulamentação uruguaia com o modelo comercial adotado por vários estados dos Estados Unidos, que legaliza a produção, venda e consumo de maconha por razões recreativas, com predominância do setor privado sobre a qualidade e potência do produto, com um papel mínimo do estado. Ela disse que nos Estados Unidos houve um pequeno aumento no abuso e na dependência dessa substância entre adolescentes e maiores de 25 anos, bem como um aumento no consumo de álcool em pessoas com mais de 25 anos e em acidentes de trânsito, mas ela esclareceu que isso acontece com o modelo comercial estadunidense.

Em vez disso, ela diz que no Uruguai, em contraste com os Estados Unidos, foram colocados limites à quantidade de produto que pode ser produzido e vendido, à potência e ao tipo de produto que pode ser comercializado e em todo o processo de produção. Cerdá concluiu que “esse tipo de modelo de legalização da maconha, onde o mercado é altamente regulamentado [pelo Estado], pode ter efeitos muito mais positivos na saúde pública e social”.

Leia também:

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#PraCegoVer: em destaque, fotografia que mostra as mãos de uma pessoa segurando as extremidades de uma seda com buds de maconha dichavados. Foto: La Nación.

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