Maconha em 2020: esperar jamais, fazer acontecer sempre
Que o ano de 2019 foi obscuro e turbulento não tem como negar, mas, mesmo assim, algumas conquistas foram atingidas devido à força de vontade e empenho dos que desistiram de esperar e fizeram acontecer. Que, em 2020, o lema se repita para mais conquistas serem alcançadas
Mesmo sob ameaça de fortes retrocessos, diante do governo Bolsonaro, a situação da cannabis evoluiu — e digamos que foi até além do que imaginávamos. Dos mais de 1.490 artigos que foram publicados na Smoke Buddies no decorrer deste ano, podemos constatar que: Sim, evoluímos!
E tal progresso, mesmo que ainda insuficiente para muitos, aproxima toda a sociedade brasileira — seja ela conhecedora ou não da história, de artigos, debates, estudos e publicações sobre os usos industriais, dos benefícios terapêuticos e sobre o consumo adulto da maconha.
De volta à história
Introduzida no Brasil, tanto pelos portugueses colonizadores, em 1783, através da Real Benfeitoria de Linho-Cânhamo com ordens de plantar cânhamo nas novas terras da Colônia de Portugal, como pelos escravos trazidos de Angola, o “fumo de angola”, “pango”, “diamba”, “liamba”, “dirijo”, “jererê”, “canhamo”, “cannabis” ou simplesmente Maconha é uma planta que já foi cultivada, consumida e até vendida em farmácias antigamente e que volta a fazer parte da história do país graças a muita movimentação feita por pessoas que deixaram de esperar e fizeram acontecer.
Direito à vida
Se hoje galgamos um passo em direção à regulamentação é devido à luta de pacientes e seus familiares que foram em busca do bem-estar, saúde e vida, através dos benefícios terapêuticos da maconha. Diante disso, temos um cenário cada vez mais amplo de prescrições para tratar várias condições e em diversas faixas etárias, levando ao aumento de profissionais prescritores em vários estados do Brasil.
Com os evidentes benefícios medicinais da maconha aliados à necessidade de acesso, que geralmente ocorre a um alto custo, vimos mais associações serem criadas, além de eventos, cursos e debates focados em pacientes e nos tratamentos feitos com os produtos à base de cannabis. E, para 2020, sem dúvidas a tendência é aumentar.
A ausência de regulação da maconha medicinal continuará obrigando um número cada vez maior de famílias a recorrerem à Justiça para obter o direito ao cultivo caseiro ou para que o estado custeie a importação e o produto. O número de ações judiciais obrigando que o estado de São Paulo forneça o produto à base de cannabis, por exemplo, cresceu cerca de 1.750% em quatro anos, passando de oito, em 2015, para 148, no primeiro semestre de 2019.
A Justiça se fez mais presente e em 2020 não será diferente. Advogados e grupos de juristas — como a rede Reforma — já conquistaram, desde 2016, quase 60 Salvos-Condutos que foram concedidos a pais e pacientes para importar sementes, cultivar, manipular, extrair, produzir e portar produtos à base de maconha, como os óleos e extratos utilizados no tramamento de condições como Epilepsia, Dor, Câncer, Autismo, Depressão, Ansiedade, Dependência Química, Parkinson, Esclerose, Insônia e outras.
Vigilância Sanitária
Tratando-se de produtos para fins medicinais, é óbvio que a Agência Nacional de Vigilância Sanitária teria que fazer parte do debate. Neste último ano, o órgão regulador se debruçou sobre o assunto, mesmo sob ataques do ministro Osmar Terra, convocando uma consulta pública por 60 dias. Após receber as opiniões públicas, a Diretoria Colegiada da Anvisa aprovou, em 3 de dezembro, por unanimidade, o texto que regulamenta a fabricação, fornecimento e registro de produtos à base de cannabis no Brasil, mas ao mesmo tempo arquivou a proposta que tratava do cultivo em solo nacional para este fim.
Deixando a desejar, em vários aspectos, a regulamentação ‘by’ Anvisa proporcionará um encurtamento no tempo e burocracia de acesso aos produtos à base de cannabis. Com validade de três anos, ou seja, podendo ser atualizada após esse período, cabe à população, médicos e pacientes ficarem alertas no que pode ser melhorado e cobrar da agência desde já.
Uso Adulto
Se maconha medicinal, ou, como prefere a agência, os produtos à base de cannabis já são uma realidade que abarca uma parte da sociedade brasileira, e podemos dá-los como “regulamentados”, o consumo adulto abrange muito mais gente e não deve ser ignorado ou ficar na sombra do uso medicinal.
Mesmo diante da ‘era bolsonariana’ implantada no Brasil, a militância tupiniquim colocou as caras e, em 2019, levou às ruas do país mais de 250 mil pessoas em várias capitais brasileiras, exigindo uma política de drogas mais digna e humana e menos sangrenta que a atual.
Entre os variados motivos, houve quem esteve nas marchas pela mudança política e até quem foi só pela confraternização e clima de festa, e tinha os com apelo dos usos medicinal, religioso, adulto e até industrial, mas, no fim, a luta de todos se cruzavam a um direito fundamental: Liberdade.
Leia mais – Marcha da Maconha: o que levou milhares de brasileiros às ruas?
Mais de 200 mil pessoas fizeram ser vistas e ouvidas durante a Marcha da Maconha de São Paulo, onde reclamaram sobre a estagnação do Supremo e o retrocesso pelo governo, com a sanção da nova política de drogas. Os atos de 2019 foram uma mostra do que a militância canábica é capaz de fazer em 2020, como dobrar o número de pessoas nas ruas pedindo a regulação da maconha no Brasil.
Mesmo diante da indiferença do STF em decidir sobre a descriminalização do porte e consumo, vale lembrar que a descriminalização e regulação da maconha favorece muito mais a sociedade e o governo brasileiro do que a guerra às drogas. Descriminalizada, veremos menos detenções, menos corrupção dos agentes e, consequentemente, menos violência contra a população negra e pobre.
Legislativo
Levando as cobranças das ruas ao Legislativo, vemos, desde 2014, um crescente aumento nas ações e propostas públicas que percorrem as variadas casas legislativas. Mas, infelizmente, algumas foram arquivadas em 2019, enquanto outras direcionadas a novas relatorias e comissões. Atualmente, são mais de 20 projetos que fomentam a discussão nos corredores da Câmara e do Senado Federal; que, em 2020, alguns destes avancem além do esquecimento/arquivamento e, quem sabe, cheguem à ponta da caneta ‘Bic’ do presidente.
2020 será o ano?
A resposta para essa questão necessita de uma reflexão sobre o que rolou em 2019, um ano em que muitos acreditavam que só seria de retrocessos, e quando, entretanto, tivemos alguns avanços, ainda que tímidos.
2019 deixa a percepção de que independente do governo, esquerda ou direita, a maconha e suas necessidades regulatórias demandam de uma necessidade da sociedade, uma demanda que já movimenta a Justiça, profissionais de saúde, empresários, gerando empregos e investimentos, faculdades, laboratórios, institutos de pesquisas e até o agronegócio.
Logo, diante de tantas ações e atos, fica comprovado que quanto mais se normaliza a maconha mais avanços teremos. Afinal, se olharmos para trás, notaremos que fomos além do que previmos para 2019, então 2020 não poderá ser diferente.
Por um 2020 mais florido e menos repressivo: Esperar jamais, fazer acontecer sempre!
#PraCegoVer: fotografia (em destaque) que mostra as mãos de uma pessoa segurando uma placa que tem estampada a imagem de uma folha de maconha verde em um vaso preto, e, ao fundo, pessoas e uma grande faixa branca que traz escrito “Legalize Já!”, em verde. Foto: Dave Coutinho | Smoke Buddies.
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